Em minhas aulas de Teologia, as pessoas sempre perguntam sobre as­suntos relacionados às suas vidas práticas, esperando, de alguma forma, ver seus problemas solucionados, através de um resposta pronta e decisiva. Normal­mente, minha resposta a essas perguntas é “Depende…”. A reação, contudo, é, invariavelmente, a mesma: um semblante que mistura dúvida e decepção.


Esperamos, ao fazer parte de uma comunidade religiosa, e de praticar­mos a fé, que todas as respostas para a nossa vida estejam disponíveis e prontas. Pensamos que se antes andávamos sem direção, agora tudo deve ser absoluta­mente claro, lógico. Ora, se Jesus entrou em nossa vida para nos tirar da perdi­ção, não faz sentido que tenhamos alguma dúvida, ainda. Esta é a idéia que nos envolve e, portanto, não responder a qualquer questão existencial é o mesmo que não conhecer a verdade.

Esse pensamento surge, principalmente, de uma visão muito pragmática da vida religiosa. A idéia de que todas as coisas têm uma causa eficiente e uma conseqüência lógica – a conhecida teoria da causa e efeito. Acreditam que todas as coisas, para acontecerem, de alguma maneira, têm uma causa que, ao ser acio­nada, redundará naquele efeito pretendido. Como se houvessem fórmulas pron­tas para todas as áreas de nossas vidas. Como se fosse possível dizer, com certe­za, que ao fazermos algo, o resultado será exatamente outro algo.

O grande perigo que reside nesse pensamento é o fato de que, ao perceberem que nem sempre a causa acionada resulta na conseqüência prevista, a fé enfraqueça, o medo apareça e a esperança morra. Homens e mulheres que acreditam que existem respostas prontas para todas as questões estarão sempre sujeitos à decepção.

Deus, ao enviar Jesus Cristo para morrer por nós, resolveu a questão crucial de nossa existência: quem somos e para onde vamos. Ficou claro o seu amor por nós, a ligação estreita que existe entre o homem e Ele e, de forma decisiva, mostrou que Ele nos quer ao seu lado, por toda a eternidade. Existencialmente, ao conhecer essa verdade, o homem se resolve consigo mesmo. Seu caminhar não é mais um vagar, mas passos firmes numa direção definida. Sabe quem é, de onde veio, para onde vai.

Acontece que, neste ínterim, há toda uma vida de experiências emocionais, físicas e espirituais. Tirando a certeza do principal, surgem as dúvidas acessórias que a acompanham. Mesmo sabendo sua origem e destino, mesmo conhecendo a razão de sua existência, há uma teia de dificuldades pontuais que, dia-a-dia, precisa ser tecida.

A natureza tem sua lógica. Biologicamente, todos os seres são, apesar de complexos, guiados por um caminho natural que se repete. A Física nos ensina leis invariáveis de causa e efeito. Até a História costuma repetir seus fatos, ainda que com variáveis marginais. Tudo isso, nos leva a crer numa lógica geral, num caminho óbvio, ao qual possamos nos apegar e nos sentirmos seguros.

Porém, a experiência nos mostra que a vida é muito mais complexa do que isso. Em seu desenvolvimento, nem sempre atos iguais resultam em fatos idênticos. Certezas transformam-se em dúvidas, quando não em decepções. Ao esperarmos que algo aconteça, simplesmente porque outras vezes daquela forma ocorreu, e, ao final, o que acontece é completamente diferente de nossa expectativa, aparece a desilusão.

Somos seres criados à imagem e semelhança de Deus. Isso significa que possuímos atributos semelhantes ao de Deus. Independente de nossas limitações, como Ele, pensamos, refletimos, imaginamos, decidimos. Esses atributos nos tornam, além de superiores ao restante da criação, também dominadores dela. Não quer dizer que possuímos todo o controle sobre os seus resultados, mas, sim, que, podemos influenciá-la de forma decisiva, posto nossa capacidade mental.

Com o conhecimento adquirido, o ser humano hoje é capaz de modificar, melhorar, experimentar de tal forma a natureza que dá a impressão de que todas as coisas estão sujeitas a ele. Mais ainda, que, conforme a experiência e o conhecimento adquiridos, todas as respostas são encontradas e que, chegará o dia, que nada mais será mistério, tudo se resolverá, e que o homem saberá como fazer todas as coisas. A ciência espera manipular tudo, este é o seu objetivo final.

Acontece que, ao adentrarmos no universo pessoal, no magnífico mundo individual que é cada ser humano, muitas certezas se esvaem, a lógica cambaleia, o inesperado surge constantemente e a complexidade da vida mostra toda a sua força. O homem manipulador que subjuga a natureza de forma tão eficiente, não encontra campo tão fértil na primícia da criação. Homens nascem e morrem, e o ciclo se repete, mas cada ser humano continua a ser único, cada vida uma história singular, cada alma um universo sem igual.

Somos semelhantes ao nosso criador – ser pessoal e inteligente. Ao possuirmos a capacidade de reflexão, muitas certezas acabam por cair por terra, pois o exercício livre do pensamento conduz o homem a viagens infinitas e incarceráveis, mesmo sabendo que tão pouco aproveitamos dessa liberdade.

Como esperar obviedades? Como saber as conseqüências, se estamos lidando com algo que é quase infinito? Será possível querer conhecer todas as respostas quando estamos lidando com um colossal universo de pensamentos, experiências, emoções e conhecimento? Talvez, melhor aprendermos a caminhar mais sentindo o cheiro das flores do caminho, do que sermos conduzidos de olhos fechados por uma trilha reta e sem graça. Conhecemos o final, o principal, isso basta. Ah, e a beleza reside nisto mesmo! Que chatice saber todas as coisas! Que enfado ter certeza de todos os resultados! Se é para sermos máquinas, porque pensar, porque sentir? Certamente, o que Deus nos deu é bem mais valioso, mais belo e, podemos dizer, perfeito. Talvez o nosso anseio religioso clame por certezas, porém, a nossa essência humana apenas se realiza nas vicissitudes da vida, na fé, na esperança e na surpresa. É sim, na surpresa! Esta que, apesar de fazer-nos temê-la, nos estimula a viver cada vez mais, sabendo que cada dia é um presente, e presentes são muito mais gostosos quando nos surpreendem.

Esperemos menos respostas, menos soluções. Vivamos na certeza de quem somos, de onde viemos, para onde vamos e na alegria de todo um mundo cheio de alternativas, que nos conduz a sermos criativos, vivos. O que precisamos resolver, o fazemos lidando com as conseqüências que se apresentarem, costurando caminhos inteligentes e saudáveis, sabendo que cada situação é única, ainda que possa ser parecida com outra. Sem esquecer a sabedoria divina, que é derramada por meio do Espírito Santo, que, mesmo não garantindo que os resultados serão exatamente o que esperamos, nos ensinará a dançar a música da existência de uma maneira muito mais graciosa.

Não faz sentido esperar respostas prontas às questões relativas ao homem e suas circunstâncias. Menos ainda esperar que Deus faça exatamente tudo igual, sempre. Não esqueçamos que semelhante a nós, Deus é um ser inteligente e pessoal. Se alguém quiser pensar nele como um ser mecânico, óbvio e previsível que assim o faça. Eu continuarei a vê-lo como o meu Pai – infinito e perfeito, minha origem, meu modelo, o exemplo do que seríamos se não tivéssemos as limitações que carregamos.