É um erro pensar as coisas de maneira abstrata, apartadas de sua relação com a vida real, com a experiência de cada um. Apesar disso, este é um equívoco bastante comum, principalmente em estudiosos de disciplinas humanas, como a Filosofia, a Sociologia e, também, a Teologia. Aliás, pensar por meio de palavras, como designava Jules Payot, é a causa de muitos desvios de percepção.

Quando se fala em liberdade, por exemplo, e mais especificamente em livre-arbítrio, esse erro fica muito evidente. Isso porque as pessoas tendem a pensar a liberdade como algo absoluto, como se pudessem, por causa dela, fazer o que bem entendessem, no momento que desejassem, afinal, são livres. Falam isso de uma forma que parece que basta o desejo para a vontade ser transformada, como por mágica, em ato.

Nisso, elas esquecem de duas coisas: que o próprio querer já não é absolutamente livre, afinal ele é influenciado por fatores da própria experiência do indivíduo, além de heranças inconscientes absorvidas por ele. Também, para algo ser absolutamente livre, precisa poder ser posto em prática a qualquer momento. Ocorre que quando atentamos para a realidade, vemos que os homens estão sujeitos a todo tipo de circunstâncias limitadoras que os impedem, ou, ao menos, obstaculizam seus atos. 

Pensando bem, será que o ser humano é mesmo tão livre quanto imagina? O que realmente é possível a cada indivíduo realizar? E mesmo que na mente possua idéias em profusão, desejos ansiosos por saciarem-se, quais foram suas origens, porque estão ali em sua cabeça? E mais: quais dessas vontades podem realmente ser postas em ato, se tornando realidade?

Na verdade, a ideia da liberdade absoluta não passa de um mito. Um mito útil, é verdade, que estimula a ação e a revolução. Mas esse sonho que costumam vender, de que tudo é possível para quem deseja, não passa de propaganda enganosa – e daquelas bem sem vergonhas! Sendo muito honestos com nossa experiência, verificaremos que possuímos muito mais limitações que possibilidades e nossa capacidade de alterar a realidade é bem pequena. Podemos mudar algumas coisas em nós mesmos, porém, ainda assim, só até certo ponto. Mudar a realidade que nos cerca é ainda mais difícil. Quanto às coisas mais distantes de nosso ambiente imediato, então, nossa força de mudança é, em geral, praticamente nula.

Sabendo, portanto, que a realidade não é tão manipulável como muitos querem dar a entender, muito mais coerente é, antes de querermos mudar qualquer coisa no mundo exterior, atentar-nos para dentro de nós mesmos, para o que ocorre em nosso interior. Ainda que não tenhamos controle absoluto de nossos atos, gostos e pensamentos, afinal somos, também, herdeiros de experiências e conhecimentos, há, em nós um maior campo para a atuação de nosso livre-arbítrio do que existe fora. Se a realidade exterior é muito pouco influenciada por nós, ao menos, dentro de nós existe um universo a ser explorado e desenvolvido.

Portanto, se há alguma justiça em tentar melhorar a realidade exterior, isso não significa nada se não houver, antes de tudo, um firme empenho para mudar a si mesmo. Se a pessoa não é capaz de transformar a si mesmo, que é o objeto de maiores possibilidades de atuação da própria liberdade, em algo melhor, é bastante audaz, senão hipócrita, querer mudar o mundo.

O problema é que aqueles que sonham em mudar o mundo acreditam, piamente, que são livres, que nada tem influência sobre suas decisões e fingem que não existe algo chamado pecado, que os faz tender ao desprezo do que é bom e outra coisa chamada chamada ignorância que os impede de ver a realidade como ela é, de fato.

Por isso, os homens mais encarcerados, aqueles que mais presos estão aos seus próprios desejos e à manipulação externa, são os que mais acreditam que possuem liberdade e, portanto, força real para mudar o mundo. E são estes que causam os piores dramas a pessoas que nada têm a ver com isso. Os conscientes, aqueles que sabem que sua liberdade é bastante limitada, que são movidos não apenas por ideias acertadas, mas, invariavelmente, contaminadas por maus impulsos, costumam, por isso mesmo, se retrair mais, sabendo que dar demasiada abertura à própria imaginação pode ser um perigo real para os outros.

Infelizmente, quem entende as limitações do livre-arbítrio tende à interioridade, onde encontra menos limitações, mas são os crédulos na própria potência e na própria liberdade que agem. E estes, em geral, são os verdadeiros filhos da modernidade. É por isso que os últimos séculos presenciaram, e continuamos presenciando hoje, tantas mazelas. Os genocídios, a mortandade, o pensamento revolucionário e a tirania são frutos dessa crença absurda de que cada homem é absolutamente livre, por isso, um verdadeiro deus.