Os miseráveis de hoje não deveriam se revoltar contra o capitalismo. Isso porque, ainda que não pareça, se há alguma comoção em relação a sua pobreza e alguma ajuda vinda de voluntários sensibilizados, isso só existe por causa da prosperidade que abunda.

Explico: até alguns séculos atrás, o que chamamos de miséria – e que nada mais é do que o estado natural do ser humano – era algo universal. Todo mundo, com exceção dos poucos privilegiados aristocratas, nobres, clérigos e um ou outro sortudo, vivia no nível da subsistência.

O mundo era uma massa de miseráveis. O que se destacava era a riqueza, que se configurava uma verdadeira exceção. A pobreza passava desapercebida, pois era o que havia de mais comum.

Hoje, com a abundância capitalista e com a universalização das oportunidades, quando quase todo mundo vive com bem mais coisas do que é preciso para sobreviver, é a miséria que acaba se destacando, por contraste. Mesmo os mais pobres possuem bens dispensáveis. Assim, o real estado de pobreza que ainda existe acaba chamando muito mais atenção, levando mais pessoas a comprometerem-se em ajudar aqueles que pouco têm.

Para quem não compreende a lógica do sistema, pode parecer paradoxal, mas a verdade é que a abundância capitalista foi que acabou gerando a multidão de filantropos e voluntários dispostos a denunciar e minimizar a miséria que só a abundância que os circunda permite-lhes perceber.