A sensação que se tem, hoje em dia, é de que cada pessoa constitui seu próprio universo, possui suas próprias concepções sobre a existência e tem um jeito particular de relacionar-se com o mundo. Isso faz com que a comunicação entre as pessoas seja cada vez mais difícil, afinal elas podem até achar que estão falando sobre as mesmas coisas, podem até usar as mesmas palavras, mas, de fato, cada uma está se referindo a algo que só faz pleno sentido para elas mesmas.

A sociedade encontra-se flagrantemente fragmentada. Não há mais nenhum senso de unidade e cada indivíduo se tornou responsável por desenvolver sua própria maneira de enxergar a vida. Não há o compartilhamento de qualquer fundamento comum, nem algo sobre o qual as pessoas possam se apoiar e dizer que serve de alicerce para todo mundo.

Por não haver bases comuns onde todos possam se apoiar, o que sobra para ajudar na formação da concepção que cada um tem de existência é apenas a experiência individual. Esta, porém, é fluida e instável. Além do que, as possibilidades das experiências individuais são muito limitadas. O resultado disso é o ceticismo e a insegurança.

Algo semelhante ocorreu em Atenas, nos tempos de Sócrates, quando a mentalidade mitológica, típica da aristocracia, deu lugar ao hábito de pensamento mais analítico dos artesãos urbanos, em vias de ascensão social. Naquele momento, toda a tradição estava sendo colocada em dúvida e, não por acaso, foi o período que gerou os céticos radicais e os sofistas.

Nas sociedades estáticas, como a medieval, havia uma visão de mundo comum, fornecida pela Igreja, que entregava a todos um sentido pronto, o que os mantinha razoavelmente seguros e certos do seu destino. Dificilmente, um cidadão medieval passava por crises de identidade ou pela sensação de falta de sentido. O sentido estava dado e ele via tudo isso como algo bastante natural.

É assim porque, em sociedades estáticas, as mudanças ocorrem, mas elas são praticamente imperceptíveis. Karl Mannheim, em seu livro “Ideologia e Utopia”, explica bem isso ao dizer que “a multiplicidade de modos de pensar não pode constituir um problema em épocas em que a estabilidade social sustenta e garante a unidade interna de uma concepção do mundo. Enquanto os mesmos sentidos de palavras, as mesmas maneiras de deduzir idéias são inculcadas desde a infância em cada membro do grupo, é impossível existirem neste, processos de pensamento divergentes. Mesmo uma modificação gradual nos modos de pensar (onde acaso venha verificar-se) não se torna perceptível aos membros de um grupo que vive em situação estável enquanto o ritmo de adaptação dos processos mentais a novos problemas é tão lento que se estende por várias gerações. Nesse caso, uma única geração, no decurso de sua vida, mal pode perceber a mudança“.

Nestas sociedades, as concepções sobre a vida permanecem as mesmas. As pessoas que nelas vivem podem ter pensamentos diferentes sobre muitas coisas, mas há uma certa segurança, uma certa confiança nas próprias percepções, principalmente porque elas confirmam-se nas experiências alheias, o que dá a sensação de certeza e confiança. Nessas sociedades, até a linguagem e as formas de deduzir as idéias são semelhantes, criando, inclusive, um senso de unidade na população.

E mesmo quando essas sociedades são divididas em estratos sociais estanques, isso não se constitui um problema, pois, apesar de cada casta possuir suas próprias formas de ver a vida, ainda assim, compartilham fundamentos comuns – vistos com as maneiras próprias de cada uma delas, mas ainda assim comuns.

A fragmentação da visão de mundo vai começar a ocorrer apenas quando começa a haver, na sociedade, maior mobilidade social. Nestes casos, as formas de enxergar a vida começam a divergir-se e os fundamentos começam a ser esquecidos.

No entanto, não é qualquer mobilidade que fragmenta a sociedade. Enquanto houver apenas mobilidade horizontal, ou seja, o intercâmbio com outras culturas, isso, no máximo, pode despertar a curiosidade, mas essas outras formas de ver a vida vão apenas ser vistas como estrangeiras, exóticas e até heréticas. Apenas quando a mobilidade horizontal é acompanhada pela mobilidade vertical, que ocorre quando as diferentes formas de interpretar os fundamentos da sociedade se misturam, é que a fragmentação começa a ocorrer e o senso comum rui.

Em sociedades dinâmicas, que permitem a mudança de status social, as formas de vida de cada estrato da sociedade perdem a razão própria de ser. Deixa de existir um visão de existência correta e uma cosmovisão certa. As idéias transmutam-se com mais facilidade e não há mais o esforço por preservar os conceitos que antes eram pertencentes apenas aos estratos superiores.

Hoje em dia, o dinamismo social não tem comparação com qualquer outro período da história. O intercâmbio entre os estratos é tal que, praticamente, apaga as fronteiras que os separam. Acontece, então, das ideias típicas dos estratos inferiores penetrarem nos estratos superiores, afastando destes o papel de coordenadores e definidores da visão de mundo da sociedade. Quando isso acontece, a fragmentação é total.

Não por acaso, o que mais se vê, em nosso mundo atual, são pessoas desesperadas, vivendo vidas sem nenhum sentido ou buscando sentidos de forma totalmente atabalhoada em qualquer coisa que lhes prometa alívio dessa ausência. Sem qualquer ponto de apoio, é como se cada uma se visse abandonada em um universo hostil, sem ninguém para dar uma direção, sem saber exatamente como se comportar e nem para onde ir.

O indivíduo contemporâneo, no fim das contas, é um bastardo, largado no mundo, precisando encontrar, por si mesmo, suas próprias razões e os seus próprios sentidos.