O pretexto de liberdade, quando defendida por meio da crítica à liberdade alheia, não passa de um simulacro. O que ele esconde, na verdade, é o espírito intolerante, incapaz de conviver com as escolhas daqueles que pensam de uma maneira que não se encaixa nos padrões politicamente corretos.
Os pensadores de esquerda são pródigos, em seus discursos, na promoção de uma liberdade que contempla apenas aqueles que defendem ideias que lhes agradem. Mas os liberais modernos e até alguns conservadores também têm cometido esse erro, confundindo respeito à liberdade com silêncio ou omissão.
Quando o pastor Marco Feliciano, por meio de um post no Facebook, propôs (entenda bem: propôs!) aos evangélicos que boicotassem, temporariamente, a empresa Natura, por causa de seu patrocínio oficial à novela da Rede Globo de Televisão, Babilônia, muita gente se mostrou indignada, como se isso representasse uma afronta obscurantista à liberdade de expressão e uma típica atitude de um líder manipulador e de um povo estúpido, pronto para obedecer o que dizem seus gurus.
Desde reconhecidos liberais, como os articulistas do blog O Antagonista, até representantes da igreja pentecostal, como Gutierres Siqueira, discordam, se bem que por motivos diversos, da atitude de Feliciano, colocando em dúvida a correção da propositura do pastor.
Diante disso, me cabe perguntar: onde foi que ele errou?
Basta analisar o que escreveu Feliciano para concluirmos que sua proposta foi uma convocação aberta, sem qualquer tipo de ameaça ao fiéis e muito menos à integridade física ou moral de quaisquer dos envolvidos. Na verdade, foi uma proposta pacífica e até respeitosa para que os evangélicos demonstrassem sua indignação.
Onde está o cerceamento à liberdade de expressão, como sugeriu O Antagonista?
De fato, a atitude de Feliciano representa a mais pura manifestação de liberdade. É a forma mais civilizada conhecida no mundo capitalista de comunicar a uma empresa que ela não está agindo de maneira que agrade seus consumidores. O que o pastor propõe, na verdade, deveria ser visto como uma evolução dentro da democracia brasileira, tão desacostumada de ver as pessoas resolverem seus problemas por si só e tão viciada em esperar que o governo resolva tudo.
Aliás, nestes tempos que se fala tanto em reforma política e democracia direta, a proposta do deputado é um exemplo típico de como o povo, em algumas situações, pode agir diretamente, independente de seus representantes políticos. E isso sem o patrocínio oficial velado, como ocorre nos movimentos de minorias e ONG’s. Se os evangélicos realmente colocassem em prática a proposta de Feliciano, estaria dando um exemplo de maturidade democrática, não de intolerância como sugeriu o blog.
E também diferente do que disse Gutierres Siqueira, que afirmou que a intenção de boicote à empresa é um sinal da imaturidade dos evangélicos, se os crentes realmente colocarem em prática esse ato, estarão demonstrando que entendem muito bem como funciona um país democrático e quais são as armas de ação que estão legitimamente disponíveis a eles.
O que Siqueira talvez não tenha compreendido é que o boicote não é à novela. Para isso, bastaria não assisti-la. O boicote se dirige à empresa que patrocina a novela, que patrocina a causa homossexualista. O que os cristãos fariam seria uma declaração de discordância e insatisfação, avisando à empresa que, se o apoio à novela permanecer, eles deixarão de consumir seus produtos.
Tal atitude é uma prática muito comum nos Estados Unidos, onde existe uma sociedade que desenvolveu uma compreensão da cultura capitalista como ninguém e usa dos boicotes como forma legítima de pressionar empresas a fazer aquilo que ela espera.
Mas aqui isso é visto como intolerância e imaturidade, o que denota que nem mesmo os pensadores deste país conseguem compreender como funciona uma sociedade civilizada.
Siqueira ainda afirma que Feliciano, sendo deputado, deveria prezar pelo bem comum e não promover boicotes. Mas o que é o bem comum na cabeça do articulista? E quem define o que é bom para todos? Será que ele não percebe que esse tal bem comum é uma mera abstração e o que existe, na verdade, são interesses privados que se conflitam, se harmonizam e se toleram. O deputado, portanto, não pode exercer seu mandato em favor de um abstrato bem comum, mas apenas de bens palpáveis e objetivos, conforme a demanda dos setores da sociedade.
E que não se fale que ele está promovendo um policiamento moral. É muita ingenuidade acreditar que a questão da promoção da homossexualidade é apenas um problema de moralidade privada. Estamos tratando com um jogo político muito forte, que envolve a tentativa de impor uma agenda gayzista a toda a sociedade, algo que afeta não apenas os homossexuais, mas, principalmente, as crianças, sujeitas que estão a todo tipo de influência. E que não se diga que esse é um problema apenas para os religiosos, dizendo que basta eles desligarem a tv e tudo estará resolvido. E o restante da população que é afetada por essa propaganda, deve ser ignorada? Ora, não cabe aos religiosos se preocuparem apenas com o mal que os atinge diretamente, mas devem prezar pelo bem da sociedade onde vivem. Abdicar dessa luta é o mesmo que deixar os não-cristãos à mercê dos grupos ideológicos de promoção de gênero. E isso não me parece um exemplo de consciência cristã.
Quando Gutierres Siqueira afirma que má cultura combate-se com boa cultura, ele está certíssimo. O problema é que a questão deixou de ser imediatamente cultural para tornar-se política. Os movimentos organizados de promoção da homossexualidade estão investindo pesado para moldar a mentalidade da população em favor de sua causa. Combater isso apenas no campo cultural é bom, mas seus efeitos são diferidos no tempo e demoram a ser percebidos.
O que existe hoje é uma disputa por mentes e corações e se os cristãos simplesmente ignorarem isso estarão entregando a sociedade aos manipuladores e engenheiros sociais, que usam de todos os meios disponíveis para transformá-la segundo seus interesses.
Por isso, a proposta de Marco Feliciano, além de ser justa, é bastante inteligente. Apenas não sei se a população evangélica é madura o suficiente para compreendê-la.
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