palestraTeólogos protestantes, por conta da liberdade que possuem, principalmente como consequência do princípio reformado da livre análise das Escrituras, muitas vezes ultrapassam a linha do bom senso e acabam criando verdadeiras deformidades hermenêuticas.

Como no caso do badalado pastor Ed René Kivitz que, replicando uma ideia que surgiu em outros meios protestantes estrangeiros, conseguiu enxergar uma conversa com conotação maliciosa, típica de filmes pornô amadores, entre Cristo e a samaritana, muitos outros teólogos arriscam-se em interpretações bíblicas bastante heterodoxas, não sentindo nenhum pudor em expô-las mesmo diante de um grande público.

E apesar de eu mesmo entender que é possível ao indivíduo compreender a mensagem dada por Deus pela revelação escrita, pois se assim não fosse estaríamos diante de um livro esotérico, acessível apenas a iniciados, também ressalto que junto a essa possibilidade surge a grande responsabilidade de exercer essa liberdade com sabedoria. Não se pode escapar das consequências perigosas de uma exegese equivocada, como não se pode fugir dos problemas causados pelas interpretações errôneas em relação à própria realidade.

Ocorre que há teólogos, e minha experiência ensinou-me que não são poucos, que agem, nesse assunto, com bastante leviandade. Abusam da liberdade que possuem, indo além do que lhes é possível inferir, para acrescentar ideias que, de tão improváveis, podem até ser consideradas impossíveis. Ideias que só podem ser aceitas em contextos muito diferentes e usando métodos muito elásticos de hermenêutica. Ideias que, por tudo isso, deveriam ser guardadas com muito cuidado, como se fossem abelhas africanas, que devem ser manipuladas apenas com muito cuidado e destreza.

Na verdade, um intérprete bíblico, se quiser ser tido por zeloso, deveria agir com bastante parcimônia, principalmente agora que já se percorreram mais de dois mil anos de cristianismo e praticamente tudo dentro dele já fora pensado, analisado e discutido.

O que , porém, esses exegetas protestantes modernos estão fazendo é repetir os métodos daqueles a quem eles mesmos criticam, como os primeiros filósofos cristãos Clemente e Orígenes. Estes, no entanto, diferente dos teólogos de hoje, não possuíam antes deles uma sólida tradição cristã. Muitos pontos ainda estavam em aberto e a teologia ainda era nascente. Arriscar-se em interpretações estranhas era quase uma necessidade, enquanto hoje não passa de exibicionismo.

Os teólogos de hoje em dia, porém, têm a sua disposição um cabedal enorme de interpretações e debates sobre os mais variados temas, sendo muito difícil encontrar algo que já não tenha sido percebido por alguém.

Por isso, um teólogo que realmente queira ser relevante deve se preocupar, antes de querer expor levianamente suas pretensas descobertas e insights, em assimilar o máximo possível de conhecimento, mergulhando naquilo que os pensadores antes dele discorreram. Depois disso, se, por acaso, ele tiver uma ideia nova, que provavelmente será um acréscimo diminuto a toda a discussão, poderá apresentá-la, sem antes, contudo, testá-la diversas vezes para saber se ela sobrevive a uma análise acurada e uma crítica rigorosa ao que propõe.