A maldição do bem comum

O bem comum é uma maldição e, invariavelmente, uma desculpa para as maiores atrocidades. Caifás, sacerdote que autorizou a morte de Cristo, exclamou: “convém que morra um só homem pelo povo e que não venha a perecer toda a nação”. Pelo bem de todos, mataram o próprio Deus. A nação, mesmo assim, pereceu. Mas a afirmação do sumo sacerdote só foi aceita porque fingia preservar a coletividade, mostrando-se a favor do bem comum. 

O bem comum sempre fundamentou as decisões mais terríveis e assassinas. Milhões foram mortos e colocados na miséria por causa dele. Governos justificaram até mesmo genocídios, dizendo que faziam essas coisas porque era o melhor para todo mundo ─ menos para as vítimas, obviamente.

O lado mais cruel das ações malignas baseadas no bem comum é que ninguém é condenado por elas, ninguém é responsabilizado pelo que faz. O bem comum se tornou a desculpa perfeita para as maiores maldades, pois foi colocado como um objetivo a ser buscado acima de tudo, tornando lícito qualquer coisa que se faça em seu favor.

Mesmo quando as nações foram construídas com a retórica da proteção dos direitos do homem e o pensamento liberal nascia como o que havia de mais civilizado, a punição àqueles que se tornassem uma ameaça aos interesses da coletividade manteve-se bem ativa. 

O período iluminista, que com o seu discurso racionalista e individualista prometia elevar o homem a uma condição especial, deu à luz, paradoxalmente, o princípio romântico da vontade geral. Seu fruto mais visível acabou sendo uma revolução, que converteu os direitos do homem em uma tirania mal disfarçada, derramando sangue e cortando pescoços em favor do maldito bem comum.

Surgiram, então, as ideologias socialistas, coletivistas de nascença. Elas se apresentaram como solução para a sociedade e foram muito claras ao propor que faziam isso pensando na construção de um mundo melhor, para o bem da coletividade. Sob bandeira tão magnânima, quando tomaram o poder, não tiveram nenhum problema em sufocar os indivíduos e escravizar suas consciências. Fizeram, então, dos homens um braço do Estado e servos de seus líderes.

Mesmo hoje, no tempo que se gaba por ter promovido as maiores liberdades, as grandes forças políticas e financeiras globais manifestam-se, sem nenhum pudor, a favor da reconstrução de um novo sistema, propondo reiniciá-lo de alguma maneira, substituindo nossas atuais formas de vida por outras que, segundo eles, seriam melhores para todos. Muitos aceitam tamanho desvario simplesmente porque esses sonhos distópicos estão todos fundamentados na desculpa do bem comum. 

O mundo ocidental mergulhou na sanha coletivista. Para tanto, precisou negar sua origem cristã, afinal, foi o cristianismo que, superando a perspectiva que tomava os homens por massas, colocou cada um deles, individualmente, diante de Deus. O cristianismo ensinou que são os homens, não as nações, julgados no tribunal divino; que são os pecados dos indivíduos levados em conta; que chegou ao extremo de afirmar que uma alma vale mais que o mundo inteiro.

Foi essa visão cristã de valorização humana que permitiu a compreensão de que a verdade só pode ser encontrada pelo indivíduo, após um esforço laborioso e sincero de sua parte. Tornou-se compreensível que apenas o homem, em sua solidão interior, é capaz, após calar as vozes vulgares que lhe chegam de fora, de compreender a verdade que está além da confusão geral.

Por outro lado, quando se busca o bem comum, a verdade não é achada, porque seu objetivo é defender interesses ─ ainda que de um grupo de pessoas. Esse é o motivo porque quase toda a decisão baseada nele está condenada ao erro.

Não é por acaso que o bem comum sempre foi a maior arma dos tiranos. Usando-o como desculpa, não precisavam estar certos. Alegando-o como objetivo, podiam impor sobre os homens sua vontade pessoal, hipnotizando as consciências, fazendo-as crer que tudo é para o seu melhor e que todo ato, mesmo o mais desprezível, é justificável.

Hoje, quando escuto alguém dizendo que está agindo visando os interesses da coletividade, sei que é bem provável que algo de ruim aconteça. Afinal, quase nada de bom e verdadeiro pode surgir quando se alega que se faz alguma coisa pelo bem comum.


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