Há gosto para tudo, sem dúvida. Mesmo aquele rapaz feinho, que parecia jamais ter a capacidade de despertar o interesse de alguém acaba arrumando uma moça que se apaixona por ele. Afinal, é como dizem: para quem ama o feio bonito lhe parece.
Diante da multiplicidade e diversidade do gosto, muitas pessoas concluem que a avaliação da beleza é subjetiva, dependente das preferências pessoais. Inclusive, rechaçam a ideia de feiura, dizendo que essa concepção não passa de um julgamento arbitrário.
A beleza, então, além de desprezada, passa a ser acusada de intransigência. Dizer que algo é mais bonito do que outro transformou-se em um tipo de opressão, que deve ser reprimido para que se preserve a igualdade entre tudo e todos.
No entanto, não se pode negar que há belezas (e feiuras) consideradas universalmente. Coloque a foto do Marquito e do Brad Pitt lado a lado e peça para as moças presentes dizerem quem elas consideram mais bonito (eu mesmo já fiz esse teste com mais de trinta mulheres) e você testemunhará a manifestação da unanimidade exatamente onde ela é mais rechaçada: no campo do gosto estético.
Nem a beleza nem a feiura são subjetivas porque elas despertam sensações que são semelhantes em todas as pessoas. Por toda a história o bem foi apresentado como algo belo e o mal, feio. Demônios foram pintados como seres horripilantes e anjos com traços suaves. Isso não se dá por coincidência, nem é característica de determinadas culturas, mas uma expressão universal de como o mal é sentido como algo destituído de beleza, ao contrário do bem, que a possui plenamente.
O retrato da beleza e da feiura, relacionados com o bem e o mal, porém, não são atitudes conscientes dos símbolos que representam, mas reflexo da sensação delas captada. O belo é agradável, o feio não. O que é bonito arrebata, encanta, acalma, pacifica; o feio perturba, deprime, incomoda, repele. Eles são primeiramente sentidos, só depois representados e compreendidos.
As sensações que a beleza e a feiura provocam, portanto, evitam que sejam tomadas com indiferença. Ainda que se queira negá-las, elas continuarão exercendo sua influência sobre as pessoas. O belo sempre produzirá bons sentimentos, enquanto o feio sempre provocará sensações negativas. Faz parte da natureza das coisas que seja assim.
Por conseguinte, se o belo e o feio não podem passar desapercebidos é óbvio que sua presença sempre causará algum impacto. Mas não só isso, sua ausência também. Alguém exposto ininterruptamente à feiura terá despertado constantemente sentimentos negativos, sem dúvida; mas também alguém impedido da beleza, ainda que não necessariamente exposto à feiura, terá um dos principais acessos ao Bem interrompido. De uma forma ou de outra, seu ser sofrerá.
Por isso, a ausência definitiva da beleza tira da pessoa a capacidade de identificá-la. Alguém exposto continuamente a objetos e imagens destituídos do belo já não conseguirá sequer imaginá-lo. Por consequência, não terá mais o impulso de ansiar por ele. Por fim, o confundirá com o que não a possui e até com o que é feio. Quando chega a esse ponto, já não é mais possível a salvação ─ sua alma já estará corrompida.
Imagine, então, o mal que a arte moderna, ao querer questionar a beleza como o fim de sua atividade, se perdendo no meio do caminho e tornando da contestação seu objetivo, fazendo da feiura sua musa, causou ao imaginário das gerações que foram expostas e instruídas sob suas manifestações; como nossos espaços urbanos afetam aqueles que precisam viver em seus ambientes sujos e destituídos de ordem; como crianças, encarceradas em escolas caindo aos pedaços, mal pintadas e construídas por uma arquitetura que só visa a utilidade, desprezando a beleza, têm o seu desenvolvimento prejudicado.
Isso não significa que a feiura deva ser extirpada. Alguns movimentos sonharam com isso e causaram muito mal, criando um tipo de profilaxia estética que tornou tudo monótono e frio. A beleza depende da feiura, que se lhe apresenta como contraste. Além disso, o feio pode ter muitas funções, além do símbolo que representa: ele pode ensinar sobre os perigos da maldade e alertar sobre os riscos da perversidade; também pode simplesmente servir de objeto de repulsa para afastar os mal intencionados, como fazem as gárgulas das catedrais.
Por isso, manter a noção do belo e do feio é essencial para a saúde espiritual de qualquer sociedade. Assim, preservar as grandes manifestações artísticas, seja as do tipo de Botticelli ou Claude Lorrain, que exaltavam a beleza, ou de Bosch que ressaltava a feiura, são essenciais para manter o imaginário das pessoas preservado. Mas também cuidar da beleza trivial do cotidiano, dos ambientes nos quais vivemos, torna-se imprescindível.
Porém, enquanto o mundo decide exaltar a feiura, o que nos resta é cultivar a beleza em nossos próprios domínios, expondo-nos conscientemente às obras geniais que a inteligência humana nos legou, e também cuidando para que nosso entorno reflita minimamente uma beleza capaz de nos enlevar.