As maiores dificuldades, desafios e também oportunidades para o pensamento acontecem naqueles períodos de transição, em que o novo e o antigo lutam para ver quem se impõe. Foi assim na década de 20, quando Will Durant escreveu o seu “Filosofia da Vida”. Aquele era um período de degradação, quando os velhos valores estavam sendo colocados em dúvida e as antigas formas de vida pareciam não fazer mais sentido. Havia uma evidente sensação de decadência, muito parecida com a época de Sócrates, quando os mitos e as formas de governo estavam perdendo a força que possuíram em tempos anteriores.

Os anos após a Primeira Guerra Mundial haviam trazido à tona a disputa existente entre uma visão de mundo futurista e outra tradicional; foi o período da grande experiência soviética; o fascismo estava nascente; havia ainda a grande crise econômica, que desembocaria na quebra da bolsa de valores, o que afetou o mundo inteiro. Foi aquele um tempo de experimentação, quando tudo o que era novo, diferente, vanguardista se impunha, enquanto o antigo lutava para permanecer em meio a essa mentalidade que parecia contagiar a todos.

Para quem ainda insistia em manter-se alicerçado na tradição a sensação de inadequação era evidente. O momento permitia, cada vez menos, ações fundamentadas nos hábitos, nos costumes, nas crenças estabelecidas. Como escreveu Durant, não era mais possível aos homens agirem naturalmente ou instintivamente, mas tudo precisava ser pensado, racionalizado.

Muito do que fazemos é apenas um reflexo da cultura que absorvemos. O bom disso é que, para boa parte das nossas ações, não precisamos pensar demais, mas basta repetir o que aprendemos e o que assimilamos da vida em sociedade para fazer o que é certo. Mas quando os tempos são fluidos e tudo parece em transição, existe uma insegurança generalizada, porque não é possível ter certeza sobre nada do que se faz. Cada gesto, cada palavra, precisam ser medidos e calculados para acoplarem-se dentro das exigências incipientes.

O problema é que mesmo essas novas exigências não sabem ao certo o que querem, deixando todos flutuando num mar de insegurança. Em épocas assim, o que mais fica em evidência é a dúvida e a racionalização. Aquela, por não haver mais fundamentos seguros para se apoiar, esta para justificar, ainda que artificialmente, os atos que são cometidos quase às cegas.

No entanto, não é possível viver apenas da experimentação. Não que ela deva ser negada totalmente, mas o que não é correto, nem saudável, é acreditar que a experimentação possa ser o princípio de qualquer sociedade. Pelo contrário, nenhuma civilização pode sobreviver sem ter seus fundamentos bem postos sobre o tesouro dos tempos. Nenhuma comunidade subsiste sem reconhecer aquilo que a formou, que lhe deu personalidade e que moldou suas características. A herança dos sábios é a base de apoio de qualquer sociedade e negá-la é promover a autodestruição.

A Filosofia reconhece essa herança e a tem como seu próprio fundamento. Para abarcá-la, portanto, propõe que se assuma um olhar superior, que permita a apreensão da totalidade, do conjunto dos fatos e fenômenos. Essa visão mais abrangente, em perspectiva, permite ver o conjunto, não apenas no espaço, ou seja, na multiplicidade do presente, mas no tempo, na diversidade do que já foi pensado, dito e feito, em todas as épocas.

É verdade que as pessoas costumam ter medo de buscar essa visão de conjunto, pois elas estão tão seguras em seus recortes de mundo, em suas visões parciais, que só de pensar em lançar-se numa visão mais ampla, onde tudo parece bem mais complexo, ficam aterrorizadas.

Porém, a Filosofia, não pode ser menos do que essa perspectiva total da realidade e não pode pretender menos do que abarcá-la em sua completude. Foi essa a Filosofia vislumbrada por Durant e tem sido a mesma que eu assumi em minha vida. Também é dessa forma que espero que meus alunos a assumam em suas próprias existências.