Autor: Fabio Blanco

Uma submissão travestida de autonomia

O homeschooling é o exercício do direito que os pais possuem de promover, em relação aos seus filhos, uma educação intelectual independente, segundo seus próprios critérios pedagógicos, filosóficos, morais e religiosos, isenta de qualquer interferência estatal quanto aos métodos, matérias e instituições envolvidas. Portanto, no cerne do direito à educação domiciliar encontra-se a completa autonomia em relação ao Estado quando se trata de educação dos filhos.

Considerando isso, o Projeto de Lei 3179/12, do deputado Lincoln Portela, apresentado na Comissão de Educação e Cultura da Câmara Federal, apesar de ser uma tentativa de libertar a educação das amarras estatais, mesmo após tantas outras que esbarraram no controle público absoluto sobre ela, é insuficiente para atender a demanda dos pais desejosos de aplicar o homeschooling, exatamente porque ignora os princípios que fundamentam essa escolha.

Pela proposta, seria acrescentado ao artigo 23 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, um parágrafo estabelecendo a possibilidade de os pais assumirem a responsabilidade pela educação de seus filhos, nos seguintes termos:

§ 3o É facultado aos sistemas de ensino admitir a educação básica domiciliar, sob a responsabilidade dos pais ou tutores responsáveis pelos estudantes, observadas a articulação, supervisão e avaliação periódica da aprendizagem pelos órgãos próprios desses sistemas, nos termos das diretrizes gerais estabelecidas pela União e das respectivas normas locais.

Ocorre que, com a aprovação dessa redação, o homeschooling não seria, como se espera, um direito dos pais, mas mera concessão do Estado. O ensino domiciliar estaria, assim, no Brasil, muito distante de seu aspecto ideal, que é o exercício de uma liberdade e de um direito fundamental. Quando o Projeto de Lei propõe a faculdade da admissão ao arbítrio do governo, apesar de gerar uma possibilidade atualmente inexistente, longe de proteger o exercício de um direito, com todas as garantias que lhe são próprias, criará apenas uma expectativa dependente da boa vontade do ente público, com toda precariedade típica desse tipo de concessão.

Além de tudo isso, há nessa proposta algo ainda mais pernicioso: a concentração do poder fiscalizador indiscriminado nas mãos dos agentes públicos. Ao estabelecer, de maneira ampla e indefinida, que o poder governamental é o responsável pela supervisão e avaliação periódicas das atividades exercidas dentro das famílias optantes pelo homeschooling, o Projeto de Lei está vulnerabilizando-as em face das investidas, nem sempre justas, nem sempre de acordo com os valores respeitados por elas, do Estado.

Não que algum tipo de avaliação não seja necessária, principalmente para evitar que pais relapsos utilizem da liberdade para abandonar intelectualmente as crianças que estão sob sua responsabilidade. No entanto, esses critérios avaliativos devem ser claros, objetivos e respeitosos. Como o Projeto de Lei está redigido, a discricionariedade pode ser tão grande que, ao invés do reconhecimento da autonomia educacional, promoverá a invasão estatal legalizada do seio familiar.

Casos de abusos praticados por agentes de Conselhos Tutelares têm sido veiculados ultimamente. À revelia da lei e do bom senso, alguns têm feito uso de seus cargos para, intrometendo-se em assuntos familiares, alienar os pais do exercício pleno do pátrio poder. Ora, se os abusos já ocorrem sob a égide de uma legislação dúbia, como a atual, quando a norma lhes der autoridade, como a prescrita no Projeto de Lei, esse poder concentrado em suas mãos os tornará verdadeiros policiais da educação, do pensamento e da paternidade.

A lei, se for aprovada como está proposta, escancarará as portas das casas praticantes do homeschooling para a ação constante e indecorosa dos agentes estatais. Serão assistentes sociais, psicólogos, conselheiros tutelares e tantos outros agindo em favor da manutenção da ordem pública e pela proteção das crianças. Quem serão os acusados, os suspeitos, os agressores? Obviamente, os pais.

Permitir tamanha ingerência estatal sobre a vida familiar é o oposto do que deseja qualquer pai que opta pela educação familiar. Se o que eles buscam é a autonomia, o Projeto de Lei apresentado não a oferece, de maneira alguma. Pelo contrário, como está proposto, os chamados homeschoolers tornar-se-iam presas fáceis das investidas do Poder Público, ficando à mercê de sua atuação, que, sabe-se bem, não é geralmente afeita à liberdade individual e independência.

Pode parecer que a aprovação de qualquer lei que permita a prática do ensino domiciliar no Brasil seja um passo em direção à liberdade. Porém, se ela não respeitar os princípios que o fundamentam, no lugar da autonomia prometida oferecerá, na verdade, a total submissão ao Estado.

Por que sou contra o sistema eleitoral exclusivamente eletrônico

O princípio basilar de qualquer eleição é a transparência. Sem ela, a própria autoridade do vencedor se torna contaminada pela desconfiança, diminuindo-a e comprometendo-a. Uma eleição que dê margens a dúvidas quanto a sua confiabilidade em relação aos resultados é o estopim para a instabilidade institucional.

Para ser transparente, todo o processo eleitoral deve poder ser verificável e fiscalizável. Desde a elegibilidade dos concorrentes até a divulgação dos votos, todas as fases e todos os processos devem ser passíveis de verificação.

Essa fiscalização, no entanto, não pode estar a cargo de uma autoridade central, já que esta, de alguma maneira, pode ter interesses em determinados resultados. Toda a verificação dos processos deve poder ser feita por qualquer cidadão, de qualquer partido, mesmo os sem partido, a qualquer momento.

Também essa verificação deve ser tecnicamente possível, considerando o conhecimento comum. Isso quer dizer que a fiscalização dos processos não devem conter elementos técnicos, os quais exigem conhecimentos específicos, para poder ser exercida. Basta uma capacitação simples, como o domínio da língua pátria e dos processos matemáticos fundamentais, para permitir que o cidadão possa analisar as fases eleitorais e confirmar sua lisura.

Por isso, as novas formas eleitorais, as quais utilizam os meios eletrônicos para a captação e apuração dos votos, jamais poderão ser consideradas como instrumentos de um processo eleitoral transparente. Isso porque apesar de todos os testes previamente realizados, pela fiscalização da operação eletrônica e dos aparelhos utilizados, sempre haverá a necessidade de técnicos para confirmar a ausência de falhas, o que faz com que alguns poucos técnicos tenham capacidade e possuam autoridade para determinar a correção do processo eleitoral.

E mesmo considerando que tais técnicos sejam absolutamente honestos para jamais sofrerem qualquer possibilidade de cooptação para a fraude, como o processo eletrônico possui fases diversas, o que impediria que em algum momento não pudesse haver uma intromissão mal intencionada, que, sem que os técnicos percebam, alterem os dados da eleição?

De qualquer forma, o grande problema do processo eleitoral eletrônico é que a verificação da lisura da eleição não pode ser feita pela pessoa comum, nem mesmo pelo membro comum do partido, mas, somente, pelos poucos técnicos disponíveis. Assim, se houver qualquer suspeita sobre o processos leitoral (o que não é difícil que ocorra), não haverá uma forma clara de dirimir tais dúvidas.

Não se pode negar que o uso dos meios eletrônicos facilita muito o próprio voto, a apuração e a divulgação dos resultados. No entanto, se não houver uma forma de o próprio cidadão que digita seu voto verificar se sua escolha é a mesma que está sendo captada pelo sistema, o sistema perpetuamente estará sob suspeita.

E quem pode verificar isso? Independente dos testes prévios, entre estes e o dia da eleição sempre haverá a possibilidade de uma urna eletrônica ser fraudada. Entre o voto e a captação também. Entre a captação e a transmissão também.

Por isso, no meu entendimento, todo sistema eleitoral que usa meios eletrônicos para a captação e apuração dos votos é ilegítimo, primeiro por não ser absolutamente verificável pela sociedade e segundo por não conferir os aspecto de lisura necessário para guarnecer o vencedor da autoridade própria de sua função.

Talvez, uma solução intermediária seria a captação eletrônica, porém com a imediata impressão do voto e o depósito do papel impresso feito pelo eleitor diretamente na urna. Assim, seria possível manter as duas formas, a eletrônica e a manual, paralelamente. Dessa maneira, seria mantida a rapidez da captação e apuração eletrônicas, preservando a transparência do sistema manual.

Os resultados, se adotada a forma sugerida, poderiam ser divulgados na mesma velocidade de hoje, devendo apenas ser confirmados pela apuração manual, um tanto mais demorada.

Assim, acredito que não haveria prejuízo algum para o processo eleitoral, pelo contrário, traria legitimidade a um sistema que, sem dúvida, tem se mostrado eficiente.

O mito do conhecimento gnóstico

O que os gnósticos praticavam, longe de ser conhecimento, era apenas mágica

O conhecimento, provavelmente, é o assunto que mais abordo em tudo o que faço. Seja em aulas, palestras ou mesmo em conversas íntimas, costumo insistir na importância de conhecer para a salvação da alma. Faço isso com convicção, pois acredito que o conhecimento da verdade é o real chamado cristão.

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Não dependa de ninguém

Depender de outras pessoas para se manter vivo espiritualmente, além de ser uma ilusão, é uma fuga

Houve um dia quando decidi que não mais dependeria de ninguém para sustentar minha vida espiritual.

 

Criado na igreja desde pequeno, aprendi que os líderes eram responsáveis por minha vida, que eles iriam ter o meu sangue cobrado deles. Cresci, entendi que eu também tinha responsabilidades diante da vida, porém, o princípio anterior se manteve. Na prática, quando algo não estava bem, a primeira desculpa que vinha à minha mente era dizer que aqueles que dirigiam a igreja a qual frequentava não estavam trabalhando suficientemente para me dar o apoio espiritual do qual necessitava.

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Por uma alma fortalecida (Tiago 1.2-4)

Se um homem tem como meta salvar a própria alma, nem o fogo, nem a espada poderão detê-lo

Se tu acreditas que esquivando-te das tribulações acharás uma vida pacífica, engana-te. Quem foge dos problemas torna sua alma fraca e a fraqueza é o prenúncio das dificuldades. Por isso, alegrar-se nas tribulações, diferente da reação fingida de quem sorri quando tudo está mal, é possível, principalmente quando a consciência do que se obtém com as lutas está presente.

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O sobrenatural

O que sabemos é tudo o que sabemos, mas, decididamente, não é tudo o que existe

O ceticismo é uma maneira de fugir do desconhecido. Assim também o é algum tipo de materialismo e racionalismo. Conheço várias pessoas que diante da mera menção de algo extraordinário, quando não sobrenatural, parecem que correm para se refugiar por detrás desses muros pretensamente racionais.

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O Erro dos Utopistas

Querer mudar as pessoas, arrancá-las de seus vícios, de suas vidas infrutíferas e de seus pecados parece algo louvável. Quem se esforça por tentar reformar os outros costuma ser visto como um benfeitor. Homens que se dedicam a corrigir o mundo de seus defeitos são tidos por humanitários.

Geralmente, as pessoas querem mudar as outras com boas intenções. Alguns, inclusive, acreditam que receberam um mandado de Deus para isso. Outros sentem-se vocacionados a essa empreitada e não medirão empenho em fazer dos outros melhores. 

O que não é surpresa é que o trabalho de reforma humana invariavelmente é inócuo. As pessoas não se deixam ser transformadas, principalmente para o bem, tão facilmente. A pertinácia do pecador transforma, então, a esperança do benfeitor em frustração, e a frustração logo vira ressentimento. O antes errante passa a ser visto como um ímpio obstinado em sua peregrinação pecaminosa; aquele que merecia a pregação persuasiva passa a fazer jus ao castigo purificador. O amor que conduzia o reformador, com a pirraça do reformado em não se deixar amoldar-se, converte-se em fervor corretivo. A partir daí, a vontade deste já não conta, mas somente a determinação daquele em transformá-lo. 

Todo autoritarismo é baseado no preceito de que o ditador é alguém mais capaz, do que todo o resto da população, de saber o que é bom para ela. Todavia, esse sentimento de superioridade não é instrumento exclusivo dos grandes líderes, dos poderosos que dirigem povos e nações, mas pode se manifestar em homens simples, tido por de boa índole, vistos como gente honesta e exalando as melhores intenções, como eram os escritores utopistas.

A partir do século XVI, com o descobrimento, pelos europeus, de novas e virgens terras, intelectuais como Thomas More e Tomaso de Campanella dão início a uma tradição literária que imaginava a possibilidade da criação de sociedades puras, livres da corrupção que tomara a sociedade civilizada. Seus modelos sociais viam-se capazes de transformar a humanidade em algo mais nobre. Esses escritores imaginaram comunidades perfeitas, harmoniosas, igualitárias e fraternas. Seus sonhos, postos em livros, vislumbraram o paraíso na terra e viajaram, por meio de seus textos, até o Éden.

Parece evidente que todos esses sonhadores desejavam que a sociedade melhorasse e entendiam que, para isso, era necessário que os homens se fizessem melhores. Para tanto, porém, acreditavam que somente a imposição de regras de condutas claras e bem definidas, a limitação da espontaneidade, uma igualdade coercitiva, o impedimento à livre expressão e a supressão da liberdade religiosa poderiam alcançar tal objetivo. 

No princípio, a literatura utopista não passou de um sonho, um tipo de fuga da opressão cotidiana, uma excentricidade de intelectuais. Porém, não demorou para que utopistas posteriores, como Saint-Simon, Robert Owen e Charles Fourier passassem a acreditar na possibilidade da implantação de suas sociedades ideais. Cada um do seu jeito aplicou, na prática, suas ideias e o resultado foi sempre o mesmo: um início fervoroso e promissor para logo desbancar em autoritarismo puro e simples e sem mudanças efetivas, tanto na sociedade como nos indivíduos. Onde se tentou implantar modelos rígidos de comportamento, as aparentes transformações positivas logo desapareciam para dar lugar aos velhos e conhecidos vícios humanos. O que não desaparecia, porém, era o autoritarismo que, quanto menos resultado alcançava, mais recrudescia seus métodos. Em Marx e Engels a utopia vislumbrou o mundo e os defeitos de sua aplicação, que até ali havia afetado apenas pequenos grupos e comunidades, espalhou-se por todo lado.

Os utopistas erraram por ignorar dois fatores: a impossibilidade da transformação humana através de um movimento exterior e a irresistível atração que o poder de determinar a direção da vida alheia possui. Por mais que a imposição de regras para ordenar os homens se iniciasse com boas intenções, a persistência destes em manter-se como são, manifestando os mesmos defeitos de sempre, incitava o detentor do poder não a resignar-se com a teimosia humana, mas a fortalecer cada vez mais sua autoridade. Foi assim que os maiores ditadores nasceram e se desenvolveram. 

O erro dos utopistas reformadores da humanidade foi não entender que apenas o esforço individual, por meio de um movimento interior, é capaz de transformar o homem verdadeiramente. Somente o entendimento, aliado à força de vontade, tem a força de elevar o indivíduo de sua existência imperfeita. Para que ocorra uma verdadeira mudança, a pessoa precisa tomar consciência do seu estado inferior e buscar ativamente sua própria evolução. 

Os autores utópicos podiam até estar certos ao identificar a corrupção dos homens, mas em vez de querer consertá-los por meio de regras e leis deveriam simplesmente louvar a evolução que idealizavam. Isso porque somente a pregação, a difusão dos bons conceitos, a propagação dos nobres valores e, principalmente, o exemplo podem causar verdadeiras transformações. Quando uma pessoa reconhece o que é bom, a tendência é desejá-lo e fazer algo para alcançá-lo. Portanto, em vez de mudá-la à força melhor seria convencê-la dos benefícios da mudança.

No entanto, nós sabemos que o que não falta é gente querendo impor seus ideais e suas ideias autoritárias. O que mais há são assanhados esperando transformar o mundo segundo seus próprios padrões e conceitos. Alguns deles, inclusive, acreditam ter poder para isso e se são, de fato, poderosos, podem fazer grandes estragos.

Esterilidade do ensino desapegado da experiência

Acreditas que é possível ensinar cristianismo sem o aporte da experiência?

Continua preocupando-te apenas com a correlação dos textos, com o correto apontamento dos versículos bíblicos, com a certeza de que tua fala está alicerçada nos compêndios de teologia e com a fidelidade de teu ensino à doutrina de tua denominação e permanecerás gozando da total irrelevância.

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Para quem se dirige o discurso cristão

Deus falou aos homens, sobre os homens. A igreja, às vezes, fala sobre muitas coisas, mas deixa o homem, em sua substância, esquecido

Um discurso cristão que tenha alguma relevância não pode se ater apenas às trivialidades da vida, em seus aspectos materiais e emocionais, que envolvem o que é palpável e sensível. Nem se preocupar demais com o que se refere às atividades eclesiásticas, à realidade ministerial, como se a práxis cristã fosse um fim em si mesma.

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A Importância da Beleza

Há gosto para tudo, sem dúvida. Mesmo aquele rapaz feinho, que parecia jamais ter a capacidade de despertar o interesse de alguém acaba arrumando uma moça que se apaixona por ele. Afinal, é como dizem: para quem ama o feio bonito lhe parece.

Diante da multiplicidade e diversidade do gosto, muitas pessoas concluem que a avaliação da beleza é subjetiva, dependente das preferências pessoais. Inclusive, rechaçam a ideia de feiura, dizendo que essa concepção não passa de um julgamento arbitrário.

A beleza, então, além de desprezada, passa a ser acusada de intransigência. Dizer que algo é mais bonito do que outro transformou-se em um tipo de opressão, que deve ser reprimido para que se preserve a igualdade entre tudo e todos.

No entanto, não se pode negar que há belezas (e feiuras) consideradas universalmente. Coloque a foto do Marquito e do Brad Pitt lado a lado e peça para as moças presentes dizerem quem elas consideram mais bonito (eu mesmo já fiz esse teste com mais de trinta mulheres) e você testemunhará a manifestação da unanimidade exatamente onde ela é mais rechaçada: no campo do gosto estético.

Nem a beleza nem a feiura são subjetivas porque elas despertam sensações que são semelhantes em todas as pessoas. Por toda a história o bem foi apresentado como algo belo e o mal, feio. Demônios foram pintados como seres horripilantes e anjos com traços suaves. Isso não se dá por coincidência, nem é característica de determinadas culturas, mas uma expressão universal de como o mal é sentido como algo destituído de beleza, ao contrário do bem, que a possui plenamente.

O retrato da beleza e da feiura, relacionados com o bem e o mal, porém, não são atitudes conscientes dos símbolos que representam, mas reflexo da sensação delas captada. O belo é agradável, o feio não.  O que é bonito arrebata, encanta, acalma, pacifica; o feio perturba, deprime, incomoda, repele. Eles são primeiramente sentidos, só depois representados e compreendidos. 

As sensações que a beleza e a feiura provocam, portanto, evitam que sejam tomadas com indiferença. Ainda que se queira negá-las, elas continuarão exercendo sua influência sobre as pessoas. O belo sempre produzirá bons sentimentos, enquanto o feio sempre provocará sensações negativas. Faz parte da natureza das coisas que seja assim.

Por conseguinte, se o belo e o feio não podem passar desapercebidos é óbvio que sua presença sempre causará algum impacto. Mas não só isso, sua ausência também. Alguém exposto ininterruptamente à feiura terá despertado constantemente sentimentos negativos, sem dúvida; mas também alguém impedido da beleza, ainda que não necessariamente exposto à feiura, terá um dos principais acessos ao Bem interrompido. De uma forma ou de outra, seu ser sofrerá.

Por isso, a ausência definitiva da beleza tira da pessoa a capacidade de identificá-la. Alguém exposto continuamente a objetos e imagens destituídos do belo já não conseguirá sequer imaginá-lo. Por consequência, não terá mais o impulso de ansiar por ele. Por fim, o confundirá com o que não a possui e até com o que é feio. Quando chega a esse ponto, já não é mais possível a salvação ─ sua alma já estará corrompida.

Imagine, então, o mal que a arte moderna, ao querer questionar a beleza como o fim de sua atividade, se perdendo no meio do caminho e tornando da contestação seu objetivo, fazendo da feiura sua musa, causou ao imaginário das gerações que foram expostas e instruídas sob suas manifestações; como nossos espaços urbanos afetam aqueles que precisam viver em seus ambientes sujos e destituídos de ordem; como crianças, encarceradas em escolas caindo aos pedaços, mal pintadas e construídas por uma arquitetura que só visa a utilidade, desprezando a beleza, têm o seu desenvolvimento prejudicado.

Isso não significa que a feiura deva ser extirpada. Alguns movimentos sonharam com isso e causaram muito mal, criando um tipo de profilaxia estética que tornou tudo monótono e frio. A beleza depende da feiura, que se lhe apresenta como contraste. Além disso, o feio pode ter muitas funções, além do símbolo que representa: ele pode ensinar sobre os perigos da maldade e alertar sobre os riscos da perversidade; também pode simplesmente servir de objeto de repulsa para afastar os mal intencionados, como fazem as gárgulas das catedrais.

Por isso, manter a noção do belo e do feio é essencial para a saúde espiritual de qualquer sociedade. Assim, preservar as grandes manifestações artísticas, seja as do tipo de Botticelli ou Claude Lorrain, que exaltavam a beleza, ou de Bosch que ressaltava a feiura, são essenciais para manter o imaginário das pessoas preservado. Mas também cuidar da beleza trivial do cotidiano, dos ambientes nos quais vivemos, torna-se imprescindível.

Porém, enquanto o mundo decide exaltar a feiura, o que nos resta é cultivar a beleza em nossos próprios domínios, expondo-nos conscientemente às obras geniais que a inteligência humana nos legou, e também cuidando para que nosso entorno reflita minimamente uma beleza capaz de nos enlevar.