Toda a cultura e toda a vida intelectual, em uma sociedade, depende da existência de uma constante troca de ideias e do intercâmbio incessante de pensamentos. As grandes concepções, os juízos mais engenhosos, não teriam valor algum se permanecessem isolados nas mentes de seus autores. Para que pudessem contribuir para o desenvolvimento da civilização, foi necessário terem sido compartilhados por seus criadores e, concomitantemente, absorvidos, compreendidos e aplicados por seus interlocutores.

Pressupõe-se, portanto, que, para a formação da civilização, aqueles que se depararam com as mensagens dos gênios, que ouviram as palavras das grandes mentes, compreenderam aquilo que estava sendo transmitido e, por isso, puderam colocar em prática o que deles fora apreendido. E é nessa comunhão entre emissor e interlocutores que reside a base para a construção de qualquer sociedade.

Sem esquecer que mesmo os sábios, transmissores das grandes ideias, foram, eles mesmos, influenciados e impactados por mensageiros anteriores, dos quais receberam outras grandes ideias e os quais tiveram a capacidade também de compreender.

Vê-se assim que toda a sociedade está fundamentada em um acordo tácito em relação aos sentidos das palavras, os seus significados, suas implicações e suas referências. É dessa maneira porque, se não fosse, o que uma pessoa dissesse não poderia ser imediatamente compreendido pela outra, impedindo que essa sociedade se desenvolvesse, afinal, esse desenvolvimento depende necessariamente da cooperação e esta só ocorre por meio da troca constante de conteúdos racionais.

Em todas as sociedades foi assim. Por mais que sempre houvesse algum tipo de variação dos sentidos e alguma diferença na interpretação que se dão às palavras e expressões, em geral, as pessoas nelas inseridas sempre possuíram referências, visões de vida, linguagem e compreensão semelhantes. Foi isso que permitiu que cada sociedade se desenvolvesse a sua maneira.

Atualmente, porém, já não é mais assim. Chegamos em um momento quando a impressão que se tem é que os tempos de concórdia acabaram, que a unidade de visão está se esvaindo e cada qual passa a ser determinador daquilo que existe, segundo sua própria maneira de enxergar o mundo.

O que eu quero dizer é que está havendo uma relativização tão gigantesca em relação ao sentido de todas as coisas que, cada vez mais, as pessoas enxergam-nas diferentemente umas das outras. Ainda que se refiram a elas com os mesmos nomes e ainda que pareçam estar falando sobre um mesmo fato, cada palavra, cada expressão, cada ideia parece evocar em cada pessoa percepções tão diversas que sequer parecem tratar-se de uma e mesma realidade.

E isso acontece não apenas por causa da relativização, mas tem origem em uma deterioração cultural que faz com que os indivíduos não possuam o instrumental intelectual mínimo para compreender o que é dito, senão segundo suas parcas capacidades e estreita visão.

Mistura-se, então, esses dois elementos venenosos, o rebaixamento cultural e a relativização, e temos a fórmula perfeita para uma sociedade fragmentada, individualista, no pior sentido desse termo, onde cada qual vive dentro de sua própria realidade e a comunicação torna-se cada vez mais difícil.

O resultado disso é a progressiva dificuldade dos concertos, dos acordos, das contribuições mútuas para o progresso dentro dessa sociedade. Quanto mais as pessoas não parecem falar a mesma língua, mais complicado fica que alimentem-se mutuamente com boas ideias e contribuam para o a manutenção e avanço dessa civilização.

Nosso mundo, por causa dos efeitos dessa discórdia linguística, semântica e simbólica, tem o sério risco de involuir, de retornar pouco a pouco à barbárie, quando os homens viviam essencialmente para sobreviver e ainda não haviam desenvolvido a razão suficientemente para construir uma sociedade que se parecesse com aquilo que convencionamos chamar de civilizada.