Categoria: Escrita

A Experiência de Escrever um Livro

Escrever um livro é uma experiência única; porém, longe de ser prazerosa. Inclusive, minha esposa brincou, dizendo que não me deixaria mais escrevê-los, porque tornei-me ranzinza e impaciente. O pior é que eu tive de concordar com ela, afinal, enquanto o escrevia, parece que tudo me incomodava, porque tudo parecia me dispersar. Fique chato mesmo – confesso.

Em minha defesa, porém, argumento que escrever um livro não é tarefa fácil, pois exige, por longo tempo, para que as ideias se mantenham coerentes e harmônicas, foco. O problema é que o mundo não deixa de girar para você escrever. Pelo contrário, os dispersores surgem a toda hora reclamando atenção enquanto o que você só quer é não perder a linha de raciocínio. E a cada interrupção, a sensação é de que o trabalho não acabará jamais. Eis o motivo do meu mau humor.

Mas além da escrita propriamente dita há, ainda, a revisão – outro pequeno martírio. Para fazê-la tive de ler o livro inteiro, pelo menos, quinze vezes. Sim! Quinze vezes! Mas a leitura de revisão não é daquelas que se faz relaxadamente. Ela é tensa, rígida, com as pestanas arqueadas para que nenhum ínfimo detalhe errôneo passe desapercebido. Só que, no caso, não se trata de um artigo, mas de um trabalho com mais de duzentas páginas! Por isso, diz-se que o escritor não termina o livro, desiste dele. Chega uma hora que ele diz: “Que vá para a editora e seja o que Deus quiser!”.

O fato é que escrever um livro não é fácil – pelo menos, para mim não foi. Isso não quer dizer que minha esposa tinha razão e o melhor fosse eu nem cogitar escrever outro. Só que, para um escritor, o sofrimento que envolve escrever um livro faz parte do prazer que lhe acompanha. É como um filho que está para nascer, que está sendo gerado, com seus incômodos e suas dores, mas que, quando vem à luz, tudo compensa.

Por isso, se, diante de tudo, me perguntarem se eu escreveria outro livro, digo, sem titubear, que não tenho a menor dúvida que sim. Escrever é vocação e, diante ela, não há escolha, apenas a necessidade de se fazer aquilo que dá sentido à sua existência. E o livro, para um escritor, é o ápice dela.

Escrita Habitual

Todo escritor passa por fases desérticas, quando seu gênio parece adormecer e seus textos se apresentam burocráticos, sem vida, protocolares. Para ele, não há momentos piores do que esses nos quais parece que seu espírito se apaga e sua energia criativa se dissipa.

Muito do sofrimento do escritor é causado por sua dependência da inspiração. Sofre porque espera que ela surja de repente, como uma entidade, e insufle em sua mente as palavras e ideias que serão jorradas no texto, quase como uma possessão mediúnica. Não vou negar que, algumas vezes, isso acontece, fazendo com que as letras pareçam ser vomitadas, como em um reflexo fisiológico. Em momentos assim, parece que o escritor não pensa, mas apenas permite com que o fluxo das ideias se transponha de sua cabeça até o texto.

No entanto, não é sempre assim. Talvez, na maioria das vezes, seja necessário que o escritor tenha de debruçar-se sobre o texto com muita atenção e cuidado; será preciso concentração e esforço para fazer com que suas ideias apareçam e ganhem vida; exija-se disposição para que a redação tome forma. Por isso, alguém que tenha a escrita como uma atividade regular não pode depender da inspiração. Quando ela surgir, obviamente, será bem vinda e enriquecerá seu ofício, mas é preciso saber o que fazer quando Momo, a divindade dos escritores e poetas, decide se afastar.

Portanto, o escritor, se quiser se tornar independente da inspiração, precisa fazer da sua escrita habitual, ou seja, forçar-se a escrever mesmo naqueles dias quando parece que nada de bom e útil irá sair de sua redação. Isso porque a escrita habitual concentra o espírito nas letras, na disposição das palavras, na associação das imagens. Como uma máquina lubrificada, faz com que a mente se mantenha iluminada para manipular os argumentos, permitindo com que as ideias manem com muito mais facilidade e fluidez.

A inspiração – aí, sim – qao encontrar o hábito, torna tudo ainda mais produtivo, pois parte de algo que já está funcionando bem, elevando-o à excelência.

A Força da Escrita

Nem todos sabem, mas eu mantenho um blog desde 2005 e mesmo hoje, quando meios de comunicação mais dinâmicos e de alcance maior e mais imediato dominam as formas como as pessoas compartilham suas ideias, eu ainda tenho os textos que publico por lá como meu principal meio de expressão. Sou retrógrado? Sou teimoso? Não! Apenas acredito na força de influência permanente da escrita.

Eu tenho consciência do impacto da linguagem verbal. Inclusive, sou professor de oratória. Sei que a linguagem falada é rica em possibilidades, permitindo mais interpretações, possibilitando mais nuances e ênfases. A transmissão da emoção, pelo orador, é imediata, porque é direta. No entanto, apesar de tudo isso, falta-lhe algo que apenas o texto escrito possui: a permanência.

Palavras faladas são como o vento: movimentam as coisas, causam alvoroço, fazem revoluções, promovem destruição, porém, sempre passam e, depois que passam, já não se sente mais tanto a sua força. A palavra escrita, por outro lado, tende a ser mais serena, menos barulhenta, mas é profunda, penetrante, pois permanece, ininterruptamente, diante dos olhos, impregnando a alma. Por isso, sua influência, no tempo, é maior.

Perceba como, dos autores, pouco lembramos daquilo que deles ouvimos, mas há textos que se tornam imortais. Já ouvi centenas de aulas do professor Olavo de Carvalho, por exemplo, mas o que eu sempre guardo na memória são seus artigos, apostilas e até postagens nas redes sociais que ficaram imortalizadas. ‘Bandidos e Letrados’ é um desses; ‘As 12 camadas da personalidade’, uma das apostilas memoráveis’; aqueles post sobre a loucura que o mundo atingiria ressoa na minha cabeça até hoje.

O texto, diferente da fala, fica ali, na nossa frente, insinuando-se ininterruptamente, pedindo para ser mastigado, deglutido, ruminado. Talvez, esse seja o motivo porque ele, diferente da palavra falada, que é ingerida de uma vez só, tenha tanto poder. Além do que, a linguagem verbal sempre é a manifestação do outro, o som que o outro emite e passivamente absorvemos. No caso da escrita, o leitor é forçado a ouvir o texto com sua própria voz dentro de sua cabeça, tornando-o íntimo seu, fazendo dele algo quase pessoal.

O mundo tecnológico pode privilegiar os sons e as imagens, os vídeos e as falas; ainda assim, continuo acreditando que a verdadeira força reside no texto. Por isso escrevo. Disso vem minha convicção de que se algo meu ficar para a posteridade será em virtude da minha escrita.

Uma boa faxina

Quando nos deparamos com uma informação que nos incomoda, pensamentos ficam pululando dentro de nós, clamando por serem expulsos. Enquanto não fazemos isso, parece que eles vão nos corroendo, o que nos dá apenas duas opções: livrarmo-nos deles, jorrando-os em palavras, ou arremessarmo-los para o submundo do nosso inconsciente. Nos dois casos, sentimos um certo alívio.

O problema é que sufocar, com frequência, o pensamento não é saudável. Quem faz isso costuma apresentar certos tipos de neuroses.

Por isso, há quase que um impulso por manifestar o que se pensa. É que se livrar dos pensamentos se parece com um expurgo. Esse é o motivo de falar o que se pensa ser tão libertador. Não é por acaso que as pessoas se arriscam a dar conselhos, a emitir suas opiniões, ainda que não ganhem nada com isso, a não ser esse refrigério que a expulsão daquilo que incomoda pode dar.

Você entende agora porque as redes sociais fazem tanto sucesso? Elas permitem colocar para fora o que molesta. E quanto mais a audiência aumenta, mas viciante isso se torna.

Esse também é vício do escritor. Ele tem dentro de si pensamentos que se debatem, exigindo serem libertados da prisão que é o seu mundo interior, a fim de encontrar o universo infinito do lado de fora.

É por esse motivo que escrever se torna uma necessidade. O escritor precisa enxotar suas ideias, por causa do alvoroço que elas fazem em sua cabeça.

No fim das contas, a escrita, para o escritor, não passa de uma boa faxina.

Argumentação é engenharia

A construção do argumento não é um trabalho de arte, mas de engenharia. Não é uma criação, mas uma edificação.

Por isso, proponho uma mudança de perspectiva nesse assunto. Comece a pensar o argumento não como algo que exige sua expressão criativa, mas seu cálculo, sua capacidade de ordenar as coisas.

Quando o argumento é visto como obra artística ele perde sua verdadeira essência. Ao tentar montar inventivamente um argumento, em vez de erigi-lo logicamente, o máximo que a pessoa consegue é amontoar as ideias. Às vezes, faz isso até de maneira criativa, mas não deixa de ser um amontoado. 

Não é à toa que as pessoas têm dificuldade de argumentar. Elas tentam parir o argumento, como se fosse algo a surgir de dentro delas e não a ser encontrado fora delas. O único resultado óbvio disso é a confusão.

É preciso entender que o argumento não tem origem no espírito humano. Um argumento não é o reflexo de nossa alma artística. Na verdade, o argumento existe antes de se pensar nele. Mas ainda, o argumento existe antes mesmo de nós mesmos existirmos. O argumento, na verdade, tem vida própria, autônoma. 

Por isso, o primeiro papel do argumentador é evocar os elementos do argumento, revelando a ordem que já existe entre as ideias. Por exemplo, o argumento “os homens pensam e os animais não, por isso, o pensamento é o traço distintivo do homem em relação aos outros seres” já existe na realidade. Quem o expressa não inventou nada, apenas replicou uma realidade já existente. Mesmo que ninguém jamais o houvesse expressado ou mesmo pensado nele, ainda assim, ele existiria. Por esse motivo, quem argumenta não inventa nada, somente traz à consciência algo que estava aguardando ser descoberto ou relembrado. 

O papel do argumentador é semelhante ao de um arqueólogo. Ele perscruta o argumento, descobre-o, evoca-o e reconstrói-o. O argumentador constata uma realidade e compartilha aquilo que constatou.  

Isso não significa que não haja um trabalho criativo a ser feito no processo de argumentação. No entanto, essa é uma atividade posterior. A linguagem, o estilo e os elementos persuasivos são acréscimos à revelação da ordem argumentativa. São como a arquitetura, a decoração e a arte do discurso, enquanto a ordem argumentativa é a engenharia.

Portanto, tenha em mente que, quando se constrói um argumento, em um primeiro momento, não são solicitadas suas habilidades criativas, mas suas capacidades lógicas. É um processo de ordenação, não de arte.

O limite da beleza na escrita

Na escrita – que me desculpem aqueles que não sabem escrever – mas beleza é fundamental. Não apenas porque um texto bonito é bonito – e a beleza não precisa de justificativas – mas porque um texto esteticamente bem apresentado adquire um poder de convencimento maior.

No entanto, há uma linha muito tênue que separa uma escrita bonita de uma afetada e nem todo escritor tem sensibilidade para identificá-la. É uma fronteira que se ultrapassa sem perceber e, quando se dá conta, o que se configurava belo se transforma em algo pedante, exagerado, forçado.

A beleza em um texto é, de qualquer forma, um adorno e, como tudo o que é bonito, possui uma medida. São como seios: aparentemente, quanto mais evidentes, mais belos, até que se descobre que, a partir de determinado tamanho, o que era bonito fica esquisito.

É que a beleza tem uma característica essencial: a proporção. Quando esta é ignorada, o escritor perde a mão do seu texto; é quando suas palavras perdem a naturalidade; quando a estética se sobrepõe ao conteúdo.

É na identificação do limite entre beleza e o exagero que reside a arte da escrita e saber caminhar sobre essa linha a principal qualidade do escritor.

Fuga do tédio

O que diferencia as pessoas é o que elas escolhem fazer para fugir do tédio. Afinal, o tédio é o substrato do cotidiano. Mesmo gente ativa e aventureira, sente algum vazio existencial e, talvez por isso mesmo, procura formas de preenchê-lo. Aliás, como dizia um padre do deserto, a tristeza não tem morada e muitos desses que vivem como moscas, sem parada, de um lado para o outro, sempre em busca de uma nova experiência, são os que mais sofrem com esse buraco no meio da alma.

Sentir-se preso a uma vida entediante é uma experiência universal. O cotidiano das pessoas parece mais um desenrolar aleatório de acontecimentos. A jornada de quase todo mundo está longe de ser uma história de ação, parecendo mais um roteiro de filme cult francês. Então, cada um busca uma maneira de escapar dessa pasmaceira. A maioria faz isso da forma mais óbvia: movimentando-se. É por isso que as academias, os entretenimentos, os jogos, as viagens de lazer, as reuniões sociais são as atividades preferidas. Todas elas são maneiras de fugir corporalmente da monotonia. Assim, enquanto a rotina representa a alienação, sua quebra transforma-se na vida em si.

Mas há algumas almas um pouco mais agitadas para as quais a mera quebra da rotina é insuficiente. Elas precisam de mais. Sua sensação de insatisfação é tão grande que um mero churrasco no final de semana não serve para aliviar sua claustrofobia diária. São estas que se metem nas aventuras mais inusitadas; são elas que movem o mundo. E algumas destas, quando não conseguem transformar esse incômodo em algo produtivo, em atividade saudável, são as que se afundam em alívios mais prejudiciais, como a bebida, as drogas, o sexo extremo e tudo aquilo que a criatividade é capaz de inventar para tentar resgatá-las da melancolia. Outras, um pouco mais espertas, ainda que não menos necessitadas, se lançam na religião, na política, na carreira, buscando nelas formas mais inteligentes e mais seguras de movimentar sua existência, fugindo assim da chatice do dia-a-dia.

Até mesmo pessoas como eu, que estou longe de ser um aventureiro e de ter uma vida agitada, que passo a maior parte do tempo sentado em minha escrivaninha, lendo ou escrevendo, são acometidas pelo tédio e desenvolvem suas formas de enfrentá-lo. Isso pode parecer estranho, porque, quem pudesse observar o cotidiano de um homem absorto entre as letras, em silêncio, quase imóvel, concluiria que se trata de alguém satisfeito, de alguém que não sofre dos males da melancolia, que não precisa fugir do aborrecimento, que não necessita gastar suas energias acumuladas em diversões e brincadeiras. Porém, esse estereótipo de alguém dedicado à vida intelectual, que encontrou a serenidade e a paz, pelo menos, no meu caso, é falso. 

Na verdade, estou longe de ser alguém satisfeito. Não possuo a paz do monge, nem o equilíbrio do guru. Não me sinto tranquilo na rotina e preciso cotidianamente de doses de atividade para preencher a lacuna na minha alma. Se eu leio e escrevo, portanto, não é porque tenho um espírito estabilizado, mas é o reflexo de todo o incômodo que me afeta incessantemente.Toda minha dedicação às palavras é também uma forma de evasão. Ler e escrever é uma maneira, muitas vezes extrema, de evitar o enfastiamento. Ser um escritor é o jeito que eu encontrei de não morrer de enfado. 

Os livros são minha viagem e a escrita é o meu passeio diário. Ler é o meu churrasco com os amigos, escrever é a minha academia. Como todo escritor, sou um desesperado e essa ansiedade, por vezes, é tão grande, e o incômodo, tão angustiante, que um passeio ou um jogo não são capazes de aliviá-lo. Por isso, preciso constantemente derramar minha alma, expressar meus sentimentos, expor minhas percepções e, como um exorcista, espantar o demônio do tédio por meio das palavras.

Escrever, um ato de coragem

As idéias, quando na cabeça, são fluidas. Por causa do dinamismo de nossos processos mentais, costumam ser movediças, incertas, cheias de oscilações. O que mantemos no pensamento é, por isso, móvel, sempre passível de atenuações e acréscimos.

Apesar da instabilidade consequente do processo dinâmico de nossa mente, é exatamente isso que nos permite pensar muitas coisas, possibilitando a abordagem de conjunturas complexas e variáveis. Se não fosse assim, o que poderíamos conhecer seria muito pouco.

Mesmo que a riqueza da mente dependa da dinâmica de seu processo, as idéias anseiam estabelecer-se, encontrar seu lugar no mundo. Enquanto vagam na fluidez dos pensamentos, parecem adquirir um mero quase-ser, uma potência que promete assumir uma existência, mas que ainda não é.

Apenas quando exteriorizados, quando postos para fora do universo cerebral, é que os pensamentos começam a tomar uma forma mais estável. Enquanto na mente, parecem possuir apenas um querer-ser. Quando verbalizados é que assumem um compromisso com a realidade.

A verbalização estabiliza o pensamento, contudo, carrega um ônus: o comprometimento do emissor. Ninguém é criticado pelo que pensa, mas pelo pensamento que expõe. Verbalizar é também assumir uma responsabilidade com o que se diz. Palavras emitidas ganham identidade. Não são mais idéias livres, descompromissadas, como quando estão apenas na mente. Agora, são as idéias de alguém; idéias que identificam a pessoa.

De qualquer forma, a verbalização, quando é meramente oral, ainda retém algum privilégio de provisoriedade, pois o que é falado pode ser posto na conta do momento, da má escolha, da emoção. A linguagem falada nunca é definitiva. É sempre uma intenção, um direcionamento, um desejo.

Apenas a palavra escrita assume a condição de verdadeira estabilidade. O escrito pressupõe a devida reflexão, a possibilidade de revisão antes de sua exposição, a certeza do que se quer dizer. Quem escreve teve tempo de pensar e sabe que está assumindo um compromisso com que está disponibilizando para ser lido. O escritor sabe que a desculpa do instante, da paixão, da pressa e da leviandade não lhe cabem.

Escrever é, no fim das contas, expor-se definitivamente; é um caminho sem volta. A escrita é a materialização do pensamento e a solidificação das idéias. Quem escreve se abre, se oferece para a crítica, se desnuda para o mundo. Por isso, escrever é um ato de coragem – quando não, de pura imprudência.

A FUNÇÃO A BELEZA NA ESCRITA

A escrita elegante parece estar fora de moda. Preocupar-se com a estética, na construção de um texto, dá a impressão de preciosismo dispensável, quando não afetação. A regra da redação contemporânea é: seja simples e direto, sempre!

Escrever bonito tem seus receios justificados: soar pedante, parecer datado, ser visto como artificial. Temor justificado, ressalte-se, pois sair do lugar-comum é sempre um risco. A complexidade facilmente confunde-se com arrogância e a elegância com pomposidade.

O escritor dos nossos dias esquiva-se das exigências de estilo. Evita o rebuscamento, desvia das palavras inusuais, a ponto de tornar-se óbvio – quando não tedioso – e preferir assim.

No entanto, o embelezamento de um texto não serve apenas para torná-lo apreciável; sua função não é unicamente estética. Escrever um texto que soe bem aos ouvidos, que agrade os olhos, que possa ser chamado de belo é também uma maneira de conquistar o leitor.

Um texto construído com elegância transmite musicalidade, soa agradável, cativa pela sonoridade. Frases bem construídas são absorvidas com mais facilidade. Além disso, quem escreve bem é tido por autoridade no assunto, o que é crucial na conquista para o convencimento.

Obviamente, o tratamento estilístico de um texto deve ser feito com bom senso e moderação. Escrever como um Padre Vieira ou Rui Barbosa, atualmente, pode parecer bastante afetado e ter um efeito desagradável. Em vez de admirado, é bem provável que pareça excêntrico.

Por isso, o escritor deve encontrar o ponto certo entre a leveza da comunicação direta e a riqueza de um construção bonita. Achar o equilíbrio entre o fácil aprazível e o belo exuberante é o desafio da arte da escrita.

Homeagem ao leitor

Tem escritor que tenta escrever do jeito que o leitor fala. Imagina que, dessa maneira, conquistará o seu respeito. Ele pensa: “Se eu me expressar de um jeito bem popular, vou gerar identificação em quem me lê e fazer com que goste de mim”. Escolhe as palavras mais simples, as construções mais banais, o fraseado mais pobre – tudo para parecer uma pessoa legal. Não eleva o leitor; rebaixa-se até ele.

Esforça-se por tentar escrever da forma mais aproximada possível da linguagem usada no cotidiano. Em meus passeios pelos blogs e redes sociais, e até mesmo por alguns livros, constantemente me deparo com textos que parecem transcrições de conversas, construídas da maneira como as pessoas falam em seu dia a dia. Fica evidente a tentativa do escritor de parecer “gente comum”.

Mas o escritor, em seu ofício, não é uma pessoa comum, e sua expressão não é ordinária. Como diz Stephen King: “escrita é pensamento refinado”.

O escritor pode até estar buscando uma aproximação, pode até querer mostrar-se como um igual, mas, no fundo, ao rebaixar conscientemente o nível de sua escrita, acaba desrespeitando seu leitor. Ao agir de forma condescendente, só para agradá-lo, parece praticar um elitismo às avessas, de quem pressupõe que o leitor é um tosco, incapacitado de apreciar e entender um texto mais bem trabalhado.

Na verdade, os leitores costumam ser mais sensíveis do que boa parte dos escritores imaginam. Inclusive, são capazes de captar nuances de forma bastante perspicaz, sabendo discernir quando o texto é um convite à participação no refinamento da escrita ou um pedido de licença para assentar-se ao lado do mendigo intelectual que o escritor pressupõe estar diante do papel.

O leitor não quer apenas entender o texto; quer desfrutá-lo. Quer contemplá-lo como uma paisagem de Claude Lorrain; quer escutá-lo como um adágio de Bach. Por isso, a importância da beleza estética, da sonoridade agradável, do ritmo cadenciado, da harmonia das frases, da ordem dos parágrafos e do bom gosto. Engana-se quem acha que as pessoas querem o que elas já possuem. Não mesmo! Elas querem aquilo que lhes falta, aquilo que as eleva.

Por isso, o bom escritor não deve subestimar seus leitores, mas entregar para eles o melhor texto que puder. Não há nada de errado em tentar agradá-lo, mas não deve fazer isso como um bajulador, e sim como alguém que oferece uma experiência inesquecível.

No fim das contas, escrever bem é uma homenagem a quem lê. Por isso, considero o grande desafio do escritor o fazer-se compreensível e, ao mesmo tempo, interessante, sem, com isso, ter de recorrer ao virtuosismo rococó, nem precisar descer ao realismo extremo da linguagem vulgar. Se ele conseguir encontrar o ponto certo entre o pedantismo e a frivolidade, o efeito será o verdadeiro reconhecimento de quem percebe que o que lhe foi dado é obra de um esforço sincero de alguém que respeita seus leitores.