Categoria: Escrita

Grandiloquência desnecessária

Escrever algo simples de maneira pomposa é horrível. É a primeira demonstração de que o escritor está tentando esconder algo por detrás da grandiloquência.

Todo excesso indica algum tipo de compensação. Falar sem parar, comer muito, beber demais, parecem sempre dissimular algum tipo de ansiedade, frustração, medo ou neurose.

Na escrita não é diferente. Há também os excessos. Escolhas de palavras fora de uso, estruturações sintáticas desnecessariamente complexas, construções argumentativas obscuras – formas que poderiam ter sido dispensadas em favor de uma linguagem simples e direta.

Obviamente, ser simples não é ser simplório. Um estilo elegante e agradável é sempre bem vindo. O que o escritor deve evitar é tornar complicado algo que não é. Que a complexidade seja fruto da dificuldade do tema, não da afetação do autor.

O texto que privilegia a empolação desfavorece o conteúdo. A escrita pedante não serve para nada, senão acobertar uma mensagem vazia.

Como um cão que fareja a migalha

O escritor tende a mergulhar dentro de si para buscar as melhores ideias. Na sua mente acredita estarem os dados necessários para expor sua criatividade. Prefere isolar-se em seu próprio mundo, evitando que a dispersão do ambiente lhe atrapalhe.

Nós mesmos temos essa visão do escritor. Imaginamo-lo absorto em seus pensamentos, cerrado em seus raciocínios. Parece até que se esconder dentro de si faz parte do seu ofício.

Mas o escritor isolado tem seus inconvenientes. Não raro, esse insulamento gera uma desconexão com as questões relevantes da sociedade. Afastar-se do mundo para escrever pode fazê-lo perder o liame com a vida real, a vida das pessoas de verdade. E quando isso acontece, é muito provável que seus escritos se tornem irrelevantes.

Isso não quer dizer que o escritor deva mergulhar, de corpo e alma, na vida terrena. Sempre é preciso algum afastamento, algum espaço para procurar dentro de si aquilo que a agitação exterior dificulta obter.

Mas, ao mesmo tempo, o escritor precisa estar atento ao que ocorre em sua volta. Como um cachorro que sente o pedaço de pão em baixo do sofá e cavouca até conseguir o seu prêmio, o escritor precisa farejar as migalhas do cotidiano que são, na verdade, o que realmente importa.

Porque a realidade acontece na vida diária e é dela que se extrai o material que vai dar ao escritor o que ele precisa dizer. Não adianta ficar apenas dentro de seu universo interior, tentando tirar tudo dali. Por mais diverso que seja seu conhecimento, o mundo vai sempre conter infinitamente mais elementos do que sua cabeça.

O que fornece conteúdo às ideias de um escritor é um amálgama do que está em sua mente e os dados da vida que não cessam de alimentá-la. É a isso que se chama criatividade. Por isso, não é possível ser criativo sem viver a vida, sem nutrir-se dela.

Não quero dizer que o escritor deva render-se ao mundo. Mas até para confrontá-lo é preciso envolver-se com ele.

A feiúra dos textos jurídicos

Os textos jurídicos brasileiros são feios. Não apenas esteticamente desagradáveis, mas confusos, prolixos e difusos. Uma pessoa sem sensibilidade de escrita, ao se deparar com o pedantismo e a aparência de grandiloquência dos escritos dos advogados e juízes, pode até acreditar que se trata de uma boa redação, mas quem entende da arte de escrever sabe que os textos jurídicos brasileiros são, em geral, muito mal escritos.

Os juristas não sabem escrever porque, em primeiro lugar, sofrem com a má formação básica. O nível médio da escrita do brasileiro é sofrível. No entanto, essa deficiência não é sequer aliviada nas faculdades de Direito. Por mais que escrever seja o instrumento fundamental do advogado e do juiz, durante todo o período de sua formação, ele receberá apenas algumas dicas esparsas, dadas por algum professor especialmente preocupado com essa questão. Em geral, porém, esse aluno vai ter de desenvolver sozinho sua maneira de escrever, sem nenhuma orientação.

A escrita que os alunos de Direito desenvolvem dentro da faculdade se dá por mera imitação dos textos de seus antecessores – que já não são um primor de estilo e concisão. Porém, é uma imitação por quem não tem a mínima ideia do que está fazendo. O resultado acaba sendo uma caricatura daquilo que já não é uma referência de beleza. Os textos jurídicos são feios porque são uma má imitação de outros textos que também são feios.

A ausência do ensino da técnica de escrita nas faculdades de Direito é uma falha imperdoável. O ofício do jurista não é apenas a interpretação das leis, mas a expressão dessa interpretação. Seu trabalho só se completa quando ele exterioriza, de maneira clara e coerente, o entendimento que teve da lei. Se ele não souber exteriorizar essa interpretação ela não servirá para nada. Uma interpretação, por mais correta que seja, se está apenas na cabeça do jurista não tem função alguma.

As faculdades de Direito priorizam a interpretação das leis. Aliás, praticamente só ensinam isso. Como não dão qualquer orientação sobre a expressão e a escrita, o resultado acaba sendo essa multidão de peças jurídicas confusas e mal redigidas. E o maior exemplo se encontra no mais alto escalão do poder judiciário, o Supremo Tribunal Federal. O que se ouve em suas sessões é um festival de pedantismo e prolixidade.

Antes de ensinar sobre leis, as faculdades de Direito deveriam dar essa mensagem para seus alunos: “Vocês não são escritores. Portanto, expressem-se da maneira mais simples, mais objetiva, mais clara possível. E, acima de tudo, sejam humildes. Não tentem escrever acima das suas capacidades. Entendam que nada ofende mais a boa expressão do que tentar dizer o natural de maneira pomposa”.

A aventura da escrita

Uma das coisas mais estimulantes ao se estudar escrita é que você nunca pára de tentar aprimorar sua técnica.

Isso porque um texto nunca é uma obra finalizada. Sempre que o escritor se dispõe a mexer nele, ele estará disponível para ser melhorado. Até por isso dizem que o escritor nunca termina um texto, mas abandona-o.

É que os textos não são apenas palavras ordenadas e obedientes às regras gramaticais. Textos são, antes de tudo, exposições de expressões humanas que estão sujeitas a todo tipo de nuances e sutilezas.

Na comunicação humana, especialmente no uso da linguagem, pequenos detalhes, ínfimas alterações, mudanças enfáticas e disposições diversas podem dar sentidos completamente diferentes ao que se está querendo dizer. Perceber essas sutilezas e ter sensibilidade para trabalhar com elas é o grande desafio do escritor – e o que o torna grande.

Não há um texto em relação ao qual eu me disponha a trabalhá-lo e, por mais simples que ele seja, não me ofereça um grande desafio. Tudo isso torna o estudo da arte da escrita uma aventura.

Por isso, escrever é minha paixão e o desafio de tentar tornar essa paixão uma obra de arte é o meu estímulo de todo dia.

Escrita organizadora

A escrita, para alguém que costuma refletir com alguma profundidade sobre a vida, tem uma função muito bem definida.

É que as ideias, enquanto estão ainda em forma de pensamentos, residem na mente de maneira confusa.

O conhecimento, quando na mente, não costuma estar ordenado. Ainda que saibamos algo, esses dados estão soltos dentro de nós. Sabemos que sabemos, temos consciência que conhecemos, mas apenas quando precisamos comunicar o assunto é que percebemos que esse conhecimento não tem ordem, mas trata-se de um emaranhado de ideias que, de alguma maneira, interconectam-se.

Geralmente, apenas quando precisam ser expostas, é que as ideias recebem alguma ordenação. Só quando um pensador escreve o que pensa é obrigado a se preocupar com a ordem e a coerência de seus pensamentos.

Assim, escrever, passa a ser, antes de uma necessidade de compartilhamento, uma necessidade de ordenação. O escritor escreve para, antes de tudo, arrumar a bagunça que existe em sua própria cabeça.

Essa, pode-se dizer, acaba sendo a primeira função da escrita: organizar o que até ali era apenas confusão.

A função terapêutica da escrita

Fiquei fora do ar durante esta semana por um problema de saúde ocorrido com minha sogra, o que me fez ter de participar do cuidado de vários trâmites necessários para sua recuperação.

Depois de quatro dias correndo para todos os lados e não tendo tempo para nada mais, falei para minha esposa que precisava parar um pouco para escrever.

Ela não entendeu essa afirmação, de princípio – como que uma pessoa, que tem tanta coisa para fazer e com tantas preocupações para resolver, pode pensar em parar para escrever qualquer coisa e achar que isso tem alguma importância?

Então, expliquei para ela como escrever tinha, para mim, uma função terapêutica. Meus leitores, no fundo, são como meus psicólogos, que me escutam, me analisam e até, de alguma forma, me aconselham.

Explico esta última parte: o aconselhamento da audiência faz-se por meio de minha própria consciência. Um escritor precisa saber para quem escreve e, ao preparar-se para sua audiência, antecipar-se ao julgamento que ela fará sobre seu escrito. Assim, ao mesmo tempo que escreve, julga-se, censura-se, elogia-se – com seus leitores agindo sobre ele por meio de sua própria consciência.

Assim, escrever não é apenas um ato de expressão, mas de troca. Os leitores, reais e ideais, estão como ao lado do escritor, aconselhando-o, redarguindo, exortando-o e direcionando-o.

Era isso que estava me fazendo falta e que eu precisava resgatar. Depois de quatro dias de silêncio, a fim de recobrar minhas energias mentais, eu precisava separar este tempinho para registrar algumas ideias.

Claro, acompanhado de vocês que, sabendo ou não, estão sempre aqui ao meu lado enquanto escrevo.