Categoria: Sociologia

Excesso de Vozes nas Redes Sociais

As redes sociais nos têm feito muito mal. Nossa estrutura humana – psíquica e física – não é capaz de processar tantas informações, principalmente da maneira desenfreada como as consumimos. É um verdadeiro ataque silencioso ao nosso espírito.

Tenho plena convicção de que muito da depressão, pensamentos suicidas, sensação de falta de sentido e um desânimo mórbido são consequências dessa exposição inconsequente.

O ser humano sempre absorveu uma quantidade limitada de dados. Mesmo com os meios de comunicação em massa, quando houve um aumento exponencial das informações, nada se compara ao que temos hoje. Somos bombardeados pelos conteúdos mais diversificados, que se alternam em segundos. Abarrotamos nossa alma com todo tipo de ideias, pensamentos, conselhos, notícias, estudos, informações, piadas, imagens e sensações.

Tudo a que nos expomos, querendo ou não, ingressa em nosso espírito. Independentemente da qualidade desses conteúdos, nosso cérebro tentará processar essas informações, ainda que nada faça sentido para ele. Claro que essa tarefa lhe é hercúlea. Como consequência, pensamentos e sentimentos afluirão anarquicamente de dentro de nós, sem que sequer percebamos.

Nós não temos controle de tudo o que absorvemos. Em geral, somos meros pacientes nesse processo, colaborando muito pouco com ele. Como nossa mente vai processar tudo acaba sendo uma incógnita. Pode ser que crie sínteses criativas e inteligentes, ou gere neuroses, ideias negativas, ilusões esquizóides e obsessões. Por isso, tenho convicção que muito dos sentimentos e pensamentos negativos que brotam de dentro de nós são fruto dessa relação irresponsável com as redes sociais.

Pouca gente irá falar sobre isso, porque muitas delas ganham muito com essa dependência que as redes sociais provocam. Mesmo assim, não sou contra seu uso, pois reconheço as possbilidades que oferecem. Apenas proponho a ponderação em relação ao seu consumo, lembrando sempre de que não nos há nada mais caro do que a nossa sanidade.

O Fechamento da Livraria Cultura

Recebi a informação de que a Livraria Cultura, do Conjunto Nacional, fechou suas portas. Confesso que, mesmo já sabendo da decretação da falência da empresa, ocorrida meses antes, ter lido essa notícia me deu um embrulho no estômago.

Essa loja da Livraria Cultura foi meu ponto de visita periódico, quando das minhas andanças pela Avenida Paulista. Nunca me neguei a caminhar várias quadras para passar o dia entre seus milhares de livros, em meio às rampas e escadas que nos levam às suas diversas seções.

O ambiente daquela livraria sempre me pareceu mágico. A grandiosidade do seu acervo, seu espaço generoso, com a pomposidade de sua decoração, cheia de luzes, carpetes e um tom dourado que dominava tudo oferecia uma experiência única para quem andava por ela, sentava em suas poltronas ou se esparramava pelo chão para folhear um livro.

Havia ainda seu cafés e seu teatro que completavam a magnitude daquele local que abrigou tantos lançamentos, tantos eventos, tantos espetáculos.

O fechamento da Livraria Cultura do Conjunto Nacional é o fim de uma era, quando os livros representavam mais do que o conhecimento neles contido, mas toda a experiência que proporcionam aos seus amantes. Entrar em uma livraria, em um sebo ou em uma biblioteca é como parar no tempo; é se transportar para longe da frieza do mundo; é como adentrar num universo paralelo, onde a barulheira, a correria e a fugacidade cotidianas não têm vez.

Essa experiência, porém, parece estar se extinguindo. A artificialidade promovida pela tecnologia está substituindo a humanidade naquilo que esta tem de mais precioso: sua relação direta com as coisas e com as pessoas. Hoje, há menos contato, menos conversa, menos permissão para, simplesmente, deixar-se levar pelo gozo de um livro, sentado despreocupadamente ante as prateleiras de uma livraria.

O fechamento da Livraria Cultura é um símbolo de uma realidade que está além dos próprios livros, mas que afeta toda a sociedade. Estamos, de fato, sendo menos humanos, principalmente quando nos afastamos cada vez mais das experiências reais, das coisas reais e das pessoas reais.

Choro pelo Monopólio Perdido

A velha imprensa anda muito agitada com a concorrência, principalmente aquela vinda de um setor que ela não domina: a internet. Quase em uníssono, os grandes nomes da mídia tradicional estão reclamando que as redes têm proliferado notícias falsas e violência verbal. Diante disso, insistem que medidas firmes sejam tomadas.

O interessante é que essa mesma velha imprensa que anseia por restrições se gaba de promover a diversidade e não cansa de louvar a democracia. Parece até que o objetivo dela é que todos tenham voz.

No entanto, bastou que ideias contrárias às suas começassem a se multiplicar e seu espírito democrático arrefeceu-se. Assustaram-se quando perceberam que muita gente tinha um discurso diferente do seu e não sabem bem como lidar com isso.

As empresas jornalísticas mais conhecidas do país, negando sua própria imagem de defensoras da liberdade, tomaram a dianteira dos pedidos de aplicação de ações contundentes contra as mídias independentes, com o objetivo de silenciá-las. Apontando, de maneira generalizada, aqueles que trazem notícias e emitem opiniões fora do círculos tradicionais, de promoverem a radicalização e de espalharem mentiras, apoiam os poderes estabelecidos para que a censura seja imposta.

Nos tempos que essa mesma mídia tinha o controle das narrativas, parecia estar tudo bem. Naquela época, ela acusava o governo de cerceamento e queria a liberdade plena. Qualquer ameaça ao direito de falar o que se bem entendia era visto, por ela, com horror e a possibilidade da imposição de procedimentos que o limitasse era rechaçada veementemente.

Enquanto havia apenas as mesmas concepções, compartilhando as mesmas ideias, elegendo os mesmos heróis e criando seus vilões, tudo andava em paz. Quando havia uma perspectiva única, que fazia com que apenas uma visão de mundo fosse exposta, ninguém falava nada. Bastou, porém, pensamentos diferentes e contrários aqueles que sempre foram ditos começarem a aparecer e o esperneio passou a ser geral.

A velha mídia acostumou-se a construir narrativas e não ser contestada por isso. Ela passou décadas criando as histórias que iriam moldar a mentalidade da sociedade sem ser questionada seriamente sobre suas intenções. Quando, então, a tecnologia começou a permitir que outras histórias surgissem, novas opiniões aparecessem e interpretações diversas sobre os fatos fossem dadas, suas mentiras e vieses começaram a aparecer, incomodando-a sobremaneira. Muitos de seus motivos foram expostos e isso lhe fez perder grande parte de sua credibilidade. Por isso, todo esse desespero.

Não é por acaso que esses velhos escravizadores das narrativas tentam passar a imagem de estar havendo uma radicalização, uma afronta ao debate civilizado. Como o contraditório lhes prejudicou, tentam fazer parecer que essa profusão de ideias diferentes não é a mera exposição de pensamentos livres, mas abusos da liberdade de expressão.

De fato, essa imprensa não quer diversidade, ela quer o monopólio para continuar direcionando as mentes, como sempre fez. Mimada que foi por mais de três décadas de uniformidade na linguagem, assustada com a constatação de que há ideias fortes e contundentes do outro lado, está desesperada ao ver que as mesmas pessoas que sempre foram subjugadas às suas narrativas agora só querem saber o que falam os veículos alternativos.

Isso não significa que não haja abusos na mídia independente. Pelo contrário, há uma profusão de veículos que só servem para confundir o debate público. No entanto, os males causados por estes não são piores do que as meia-verdades e desvirtuamentos praticados por aqueles que se aproveitam da imagem construída de fonte confiável.

A verdade é que esses que reclamam que a liberdade está sendo ameaçada não querem liberdade alguma. O que eles querem é o retorno do antigo monopólio. O que eles querem é impedir que ideias diferentes das suas circulem livremente e atinjam – como têm atingido – cada vez mais leitores. Até porque sabem que suas mentiras, agora que sua credibilidade está destruída, já não estão mais protegidas.

Nem Tudo é Importante

Pela saúde da minha vida social, eu aprendi a falar sobre qualquer assunto. Isso evita aquele desgaste de parecer metido simplesmente por não participar de determinadas conversas. Confabulo sobre filosofia, artes e história; mas também falo sobre futebol, política e, claro, mal dos outros. Tudo pela boa convivência.

A única diferença entre boa parte das pessoas e eu é que elas falam sobre tudo isso com o mesmo entusiasmo. Contam um detalhe qualquer de sua vida cotidiana com a mesma paixão de que discutem um dogma de fé. Tudo parece ter igual importância. Enquanto isso, os temas triviais são tratados por mim apenas como uma concessão que faço para não me afastar demais da sociedade. Obviamente, neste caso, não demonstrarei euforia.

Sinceramente, não me importo de ter de conversar sobre assuntos vulgares. Entendo que eles fazem parte da vida e inclusive servem para aliviar um pouco as pressões do dia-a-dia. Até gosto de falar sobre esportes e política, mas confesso que faço isso sempre com um pouco de desdém, como quem comenta vídeos engraçadinhos de cachorros fofinhos no instagram. O problema é que falar desdenhosamente de assuntos que outros tratam como importantes não é nada simpático. Não tem como não parecer arrogante ao fazer um comentário desinteressado sobre algo que o outro tem como se fosse da mais alta relevância. Assim, minha estratégia para manter uma boa convivência acaba dando n’água.

Defrontar-se com as questões da vida como se tudo tivesse o mesmo peso já seria um problema, no entanto, as pessoas fazem ainda pior: mostram-se entusiasmadas ao falar do lance polêmico da última rodada do campeonato carioca, da fofoca política da semana ou de algum fato corriqueiro de sua vida comezinha, enquanto ficam profundamente entediadas quando são apresentadas a algum tema mais abstrato, filosófico, que exija um pouco mais de reflexão. São fervorosas nas ninharias ordinárias e letárgicas diante das coisas superiores.

Todavia, eu não posso fugir de uma verdade óbvia: as coisas têm importâncias diferentes e, por isso, merecem tratamentos diferentes. Não vejo nada demais em fazer comentários jocosos sobre um amigo sem-vergonha, mas é claro que isso não pode me empolgar mais do que um bate-papo sobre um artigo do Olavo de Carvalho. Se eu tratar tudo com a mesma animação, isso não significa que sou feliz, mas é um forte indício de que seja um perfeito idiota.

O problema é que as pessoas não hierarquizam as coisas. Para isso, elas precisariam saber o que as coisas são, ou seja conhecer a natureza delas, identificar a essência de cada uma. Sem isso, tudo se apresenta como um emaranhado indistinguível e inordenável, como um amontoado de bugigangas que se sobrepõem sem razão e sem sentido. Então, perde-se a noção do tempo, energia e atenção que cada coisa merece.

Só quem hierarquiza aquilo sobre o que se debruça não se prende ao que não merece mais do que uma olhada de soslaio. Porém, se tudo, para a pessoa, tem a mesma importância ─ o que pressupõe seu desconhecimento das essências ─ resta-lhe reagir através do único elemento que lhe está disponível: a sensação que a coisa lhe provoca ─ o que explica seu entusiasmo ao falar de sua vida diária ou do seu time do coração e seu tédio quando o assunto se eleva além do nível da paixão.

Quando o que define o comportamento é a sensação e não a inteligência, aquilo que mexe com a emoção, com os sentimentos pessoais, com os interesses mais mesquinhos acaba provocando mais fervor do que aquilo que realmente importa. Assim, torna-se muito mais comum as pessoas serem capazes de brigar por seu político preferido ou mesmo por uma sua opinião qualquer ─ mesmo sobre os assuntos mais irrelevantes ─ mas manterem-se inertes diante de pecados mortais e crimes de todo tipo.

Sabendo disso, não tem como não achar que muito do palavrório acalorado com o qual me deparo por aí não passe de fogo fátuo. Sendo assim, minha falta de animação diante de alguns temas acaba sendo inescapável. Espero, portanto, que meus amigos me compreendam se eu não me mostrar muito empolgado por causa de uma discussão política qualquer.

Sejam Céticos

O sentimento religioso e a necessidade de fé é o combustível que alimenta os manipuladores. A urgência que as pessoas têm de seguir alguém torna-as um instrumento perfeito para que sejam direcionadas para onde os manipuladores desejam.

Não é à toa que Deus ensinou que não se deve confiar na força do próprio braço, mas resumiu esse conselho à frase “maldito do homem que confia no homem”. O problema é depositar uma confiança cega na própria humanidade, que é falha e volátil.

A fé é uma força dispensada para ser lançada sobre aquilo que é infalível. Por isso, o cristianismo ensina que se deve ter fé em Cristo, que é o próprio Deus. Assim, fora dele tudo seria incerto e inconfiável.

A lição que fica é que, quando se trata de depender dos outros, de seguir as instruções dos outros, um pouco de ceticismo sempre é aconselhável. A fé é virtude apenas quando voltada para o inerrante, a desconfiança só é pecado quando direcionada para o infalível.

Mas existe uma necessidade natural de fé e é isso que leva as pessoas a buscarem guias humanos. Então, elas ingressam em movimentos não – como é aconselhável – de uma maneira cética e cuidadosa, mas com fé, até com ardor religioso. A partir daquele momento, tudo o que é dito ali é certo, tudo o que vem de fora, errado.

As pessoas costumam substituir os antigos guias por novos guias, param de ouvir os velhos conselhos para seguir os novos conselhos, trocam as antigas verdades absolutas por novas verdades absolutas. Não há suspeita, apenas troca de crença.

Aqueles, então, que têm uma visão do processo, que entendem como funciona a alma humana e possuem objetivos escusos, para os quais as massas tornam-se imprescindíveis, usam-nas a seu bel-prazer, manobrando as mentes como bem entendem.

Nossos tempos, com seu excesso de informação e conexões imensas, são propícios, como nunca se foi, para todos os tipos de jogos manipulatórios. Por isso, se eu pudesse, daria apenas um conselho: “sejam céticos!”.

Guerra Silenciosa

A sobrevivência em tempos anormais se dá de duas maneiras: pela completa alienação ou pela plena consciência.

Eu jamais poderia aconselhar alguém a alienar-se dos problemas e questões mundanas, porque isso seria um contrassenso. A alienação é um tipo de ignorância e, a partir do momento que a pessoa tenta se alienar, ela automaticamente, pela consciência do problema, não conseguiria.

Resta, então, para aqueles que não pretendem viver na ignorância, tomar plena consciência da situação que estão e, a partir disso, traçar as estratégias que pretendem seguir para sua sobrevivência.

O primeiro fato que se deve tomar consciência é de que os tempos atuais não são normais. Não estamos (ainda) sob uma ditadura total, mas em um processo que tenta implantá-la. Este processo acontece em meio a uma guerra silenciosa entre os poderes do Estado. Uma guerra que envolve interesses, projetos e ameaças veladas entre as forças institucionais e que, sendo uma guerra, não temos como prever seu desenlace.

O que me interessa, primordialmente, é que nós, pessoas comuns, estamos em meio a esta guerra, sob esse fogo cruzado, que por enquanto é apenas retórico e de ações institucionais. No entanto, não podemos dizer quais serão os próximos andamentos e como isso nos afetará mais diretamente.

A guerra contemporânea é, antes de tudo, psicológica e os soldados dela, sem saber, muitas vezes somos nós. Mas, sendo psicológica, atuamos nessa guerra inconscientemente e acabamos agindo não necessariamente para atingir os nossos interesses, mas daqueles que nos manipulam.

Por isso, ter consciência dessa realidade é o que nos permitirá agir com sabedoria, orientando-nos em nossos atos e palavras, norteando-nos em nossos passos e ensinando-nos sobre o momento de agir e de esperar, de falar e de calar, de ser claro ou obscuro, de ser direto ou estratégico. Tudo para que não nos tornemos nem instrumentos nem alvos.

Fascistas e Nazistas

Uma opinião política é perceptivelmente dada sem qualquer noção da realidade quando usa das expressões ‘fascista’ e ‘nazista’ para acusar os grupos políticos de direita. Isso porque essas expressões não descrevem a direita, mas apenas serve para identificá-la, sem qualquer relação verdadeira, com algo odioso.

Talvez aja um outro motivo um pouco mais trivial nessa acusação: esconder aquilo que os próprios acusadores são e sua relação com aquelas ideologias. A direita, que é acusada de fascista, nada tem de tal. Por outro lado, a esquerda, possui diversas propostas e concepções que se identificam imediatamente com o fascismo e com o nazismo.

O lema essencial do fascismo era “Tudo pelo Estado; nada fora do Estado; nada contra o Estado”. Para ele, o Estado deveria agir como um grande Leviatã, comandando tudo, dirigindo tudo, cuidando de tudo, tornando os cidadãos como meros seus vassalos. Quem vai negar que é a esquerda que suscita esse tipo de veneração do Estado? Afinal, é exatamente ela que trabalha para o seu fortalecimento e discorda daqueles que pretendem diminuir sua atuação e influência.

Outro ponto dos fascismo, e que é comum ao nazismo, é o desprezo à liberdade individual, muito caracterizado pelo desarmamento universal. Inclusive, uma das primeiras providências do governo nazista foi desarmar toda a população civil. Todos sabemos que são os esquerdistas que militam pelo desarmamento civil. Porém, não pensem que eles fazem isso por uma preocupação com a violência social, fato que eles sabem que não tem relação com o armamento das pessoas comuns e não criminosas. Os esquerdistas, na verdade, não suportam ver o indivíduo cuidando de sua própria vida, de sua família e de sua propriedade, porque, pela eles, quem tem que ter o monopólio da violência é o Estado.

A última característica que eu gostaria de pontuar é a relação, principalmente dos nazistas, com os judeus. Os nazistas odiavam judeus. Por outro lado, fizeram acordos e alianças com os grupos muçulmanos. Entre a esquerda e direita, hoje, todos sabem, quem tem boa relação com os judeus são exatamente estes, enquanto aqueles até militam abertamente contra Israel. Atualmente, quem assumiu a aliança com os palestinos foram os esquerdistas, que não cansam de condenar a existência do país israelense, num mal disfarçado antissemitismo.

Apontando tudo isso, não estou afirmando que fascismo e nazismo são de esquerda, menos ainda de direita. No entanto, está mais do que demonstrado que, observadas objetivamente as propostas e as ideias, não há nenhuma dúvida que as da esquerda são muito mais assemelhadas àquelas promovidas pelas condenáveis ideologias do século passado.

Resistência da Natureza à Ideologia

Estamos submersos num mar ideológico. Desde o século XIX, parece que tudo o que envolve a sociedade e a política só pode ser considerado sob a perspectiva de doutrinas determinadas, de visões de mundo exatamente estabelecidas, fora das quais resta a indefinição e a desorientação. Aceitamos as ideologias como necessárias e hoje já não se consegue pensar o mundo sem elas. Parece que se as ideologias, por uma obra dos deuses, sumisse das cabeças dos homens, não saberíamos mais o que fazer e sucumbiríamos.

O resultado da aceitação incondicional da ideologia é que ela nos tem sufocado. Cada vez menos há espaço para a espontaneidade, para a liberdade, para a auto-determinação. Viver neste mundo ideologizado exige que nos acoplemos a princípios que não são de nenhuma maneira nossos, mas estão nos sendo impostos desde mentes que nada têm a ver conosco.

Asfixiados pela pressão das ideologias que não nos agradam, decidimos então que precisamos escapar delas, mas escolhemos combatê-las de frente. Como aceitamos que elas são necessárias, decidimos confrontá-las com nossas próprias ideologias. Por isso, a sociedade contemporânea, principalmente no século XX, transformou-se num palco de pelejas ideológicas. Cada nação, cada região, cada grupo pareciam possuir seu próprio corpo doutrinário e os conceitos muito bem definidos de como os povos deveriam ser conduzidos.

Independentemente da cor ideológica que, em cada momento histórico, saiu vencedora, quem sofreu todas as vezes foi a humanidade. A imposição de uma ideologia sempre torna-se um fardo para as pessoas, pois impõe sobre elas convicções que não são as de todas. Uma ideologia transformada em ação governamental transforma-se em opressão, invariavelmente.

Isso porque toda ideologia, por definição, é artificial. Sendo uma visão de mundo desenvolvida por uma mente finita, com perspectivas particulares e pontos de vista peculiares, possuindo uma ideia de como a sociedade deveria ser ou o que pode ser feito para melhorá-la, assume a condição de tecnologia, o que a caracteriza como uma artificialidade.

Do lado oposto da artificialidade ideológica encontra-se a natureza, com sua espontaneidade e força de resistência. Por isso, toda vez que a ideologia tenta se impor encontra dificuldade. É próprio da natureza se debater quando se sente sufocada. Faz parte de seu instinto de sobrevivência. Por isso, movimentos atuais, como o Brexit, a campanha de Trump e mesmo de Jair Bolsonaro, mais do que ideologias concorrentes àquelas que vinham sendo impostas, são as comunidades se estrebuchando, como que em um último movimento desesperado da natureza para libertar-se daquilo que lhe vinha estrangulando. E, com efeito, foi o único movimento de resistência que obteve algum sucesso nesse sentido.

De fato, o melhor adversário da ideologia é a natureza. Em especial, a natureza humana, com sua espontaneidade e instinto, é a única força capaz de se levantar contra as injunções das doutrinas políticas transformadas em plataformas governamentais. Não que seja um problema em si mesmo possuir ideias políticas e mesmo convicções de como a sociedade poderia ser dirigida. O problema é quando essas ideias são enfiadas a seco na vida de todo mundo. Neste caso, mesmo uma boa ideia pode se tornar uma violência.

Por isso, eu jamais escrevo em defesa de uma ideologia qualquer. Tudo o que eu digo, em termos políticos, é em defesa da natureza humana, das pessoas mesmo, em suas individualidades, costumes, hábitos e, consequentemente, diversidade. Não defendo uma ideia, mas um sujeito: o homem.

O Pior dos Elitismos

Na história de todas as civilizações, em todas as épocas, sempre manifestou-se um elitismo, pelo qual um grupo de pessoas especiais e com responsabilidades superiores destacaram-se como os diretores do povo. Não há nada de errado com isso. Pelo contrário, é natural e faz parte da própria estrutura da sociedade determinados poderes serem exercidos por uma minoria.

Há, porém, um outro tipo de elitismo, este sim pernicioso, que é velado e, a despeito de apresentar-se como o defensor daqueles que considera inferiores, trata-os, na verdade, quase como incapazes, senão como imbecis. Como, por exemplo, quando um político afirma que em um eventual mandato seu o povo vai poder voltar a comer carne e tomar sua cervejinha no final de semana. O que ele está querendo dizer com isso? Os mais apressados dirão que ele está preocupado com os pobres, mas não é preciso ser muito perspicaz para perceber que, nesta afirmação, há uma inferiorização das pessoas, ao tratá-las como meros seres que sobrevivem satisfazendo suas necessidades mais básicas, seres que não podem e nem querem nada mais do que aquilo que permite sua baixa posição social.

O que me impressiona é ver como esse tipo de discurso foi normalizado, impedindo de se perceber nele um elitismo da pior espécie, a saber, um elitismo que acredita que somente alguns poucos privilegiados têm direito de viver uma vida superior, enquanto todo o restante da população seria incapaz dela e nem mesmo a deseja, contentando-se apenas com pão e circo. Ter como ponto alto de uma campanha eleitoral a promessa de que a satisfação de necessidades tão básicas será motivo de orgulho é reduzir o povo a uma condição apenas um pouco superior a de animais.

Quando eu escrevi sobre o POPULISMO ELITISTA, quis deixar claro que o pobre não é pobre por opção, nem sua vida é uma idealização de qualquer coisa. Apenas os ricos a glamourizam, porque não são obrigados a viver nela. Para o pobre, a pobreza é prosaica. No entanto, se ele puder escapar dela, jamais negará tal oportunidade. Para o elitista da pior espécie, porém, a pobreza é um estado definido e quem nela vive não deveria sequer ter o direito de fugir dela, mas, no máximo, transformá-la em algo um pouco mais agradável, talvez regada a churrasco e bebida.

Obviamente, mesmo um bom governante nem sempre consegue colocar em prática atos que ajudem o pobre a superar sua condição. Os elementos envolvidos são muito complexos para qualquer pessoa achar que esse é um problema solucionável facilmente. Porém, todo governante tem a obrigação de não atrapalhar essa busca. E não há pior maneira de ser um entrave para que o pobre deixe de ser pobre do que tratar seu estado de pobreza como uma condição inescapável e, pior, como a forma de vida realmente desejada por ele.

O pior elitismo é aquele que promove uma forma de vida inferior como aquela desejada pelos inferiores, da qual eles nem sequer vislumbrariam superar. O pior elitista de todos é aquele que decreta que o que as pessoas desejam é a carne e a cerveja do final de semana, enquanto ele mesmo não se contenta com nada menos do que as posições sociais mais altas, inclusive o posto mais alto de poder de uma nação.

Respeito ao Passado

No passado, os homens viviam em ambientes limitados, que os forçava à adaptação. As gerações nascidas neste mundo industrial e capitalista, porém, já vêm à luz cercadas de possibilidades, tendo à sua disposição mais bens que mesmo os mais abastados de tempos anteriores jamais puderam sonhar.

Viver num mundo próspero é muito bom, mas também gera nos felizardos que nele nascem a sensação de que toda essa abundância é natural, fazendo parte da própria estrutura da realidade. São como primitivos caídos na civilização, como dizia Ortega y Gasset, sem qualquer noção do quanto de trabalho deveu-se tudo aquilo que a civilização construiu.

O fato é que todo desenvolvimento se dá sobre uma linha contínua, sem sobressaltos, na qual cada etapa se sustenta pelas etapas que se passaram e sem as quais não poderia acontecer. Por isso, se podemos desfrutar de tanta coisa boa e se há tantas possibilidades disponíveis para nós, é porque houve um caminho até aqui pavimentado pelos homens e mulheres das eras anteriores.

Sendo assim, tudo o que existe hoje é fruto de trabalhos que, muitas vezes, se iniciaram séculos antes, fazendo da sociedade na qual vivemos apenas a fase atual de uma construção iniciada há muito tempo. Somos nada mais do que a conquista dos homens do passado. Somos a culminação de seus esforços.

Até mesmo os erros dos antepassados contribuíram para chegarmos até aqui, pois com eles aprendemos e pudemos corrigir a rota para as melhorias necessárias.

Fala-se muito de respeito ao passado, mas esse respeito começa pelo reconhecimento da dependência que temos dele. Não é apenas um amor à tradição por ela mesma, nem um apego aos tempos antigos, mas uma admissão do quanto os que viveram antes de nós foram necessários para sermos quem somos e termos o que temos.

Apenas essa forma de enxergar essa relação com o passado é que nos faz gratos e, ao mesmo tempo, promete que seremos respeitados por aqueles que nos sucederem.