Categoria: Sociologia

A Importância da Política

Em ano eleitoral, é bom preparar-se para testemunhar a diminuição sensível da diversificação dos temas tratados nos fóruns de debates espalhados pelos diversos meios de interação social. Chega um momento em que quase nenhum assunto parece mais ter relevância senão aquele que se refere exclusivamente à corrida pelos votos.

Nem é prudente tentar, nessas épocas, arriscar-se por materiais que não cuidem especificamente dos embates políticos do momento. Quem se dispõe a fazer isso tem muitas chances de ser rechaçado como um “alienado” ou alguém insensível ao problema primordial que a sociedade experimenta.

No entanto, apesar de reconhecer a importância da política, estou certo de que, dentre as coisas mais importantes, ela, sem dúvida, é a menos importante.

A política é o meio pelo qual os homens perseguem seus objetivos sociais. Seu caráter, portanto, é intermediário. O poder, que é o objetivo imediato da política, nada mais é do que o instrumento para agir na sociedade, a fim de melhorá-la.

Se a política é hipostasiada, porém, deixa de haver uma finalidade no seu exercício. Aqueles objetivos que se encontram além dela e que fazem parte de sua razão de ser deixam de existir, tornando-se, eles mesmos, meios de disputas. O que aguardava o efeito da ação política passa a fazer parte agora da própria política.

Os elementos absorvidos no jogo político, então, são destituídos de sua própria essência. Eles já não se mantêm instalados naquele nível do conhecimento que procura entender o que as coisas são. Sua natureza perverte-se, pois passam a fazer parte de um ambiente retórico, onde o que importa é a persuasão e as coisas, no máximo, podem ser tratadas como verossímeis.

A hiperpolitização rebaixa tudo ao campo das disputas verbais, transformando cada detalhezinho da existência em um potencial material de conflito. Todo fenômeno insinua-se como arma e seja qual for a forma como a realidade se manifesta, parece que sempre reclama posicionamento em um dos lados da trincheira.

Quando tudo se transforma em política, a própria política não tem mais razão de ser. A partir do momento que não há mais objetivos fora dela, todas as coisas passam a fazer parte do jogo de poder interminável, insolúvel e inescapável.

Tecnologia e Poder

Sempre gostei de novidades tecnológicas. Desde jovem, estive na vanguarda dos usuários dos aparelhos mais modernos. Com o tempo, porém, meu entusiasmo pela tecnologia foi sendo ponderado pela consciência do papel dúbio que ela exerce: de facilitadora das minhas tarefas cotidianas e de arma de opressão nas mãos dos poderosos.

A maneira como as invenções tecnológicas tornam a nossa vida mais fácil é evidente. Aliás, está na própria definição de tecnologia ter como objetivo fazer com que ações sejam facilitadas. Todo instrumento tecnológico existe para diminuir o esforço e a complexidade de uma ou várias tarefas humanas.

Há porém um outro lado da tecnologia que, dificilmente, as pessoas se dão conta: a maneira quase instantânea como qualquer uma de suas invenções torna-se instrumento de opressão na mão dos governos. Seja qual for o governo (de esquerda, de direita, fascista, liberal), ele jamais desprezará um instrumento tecnológico se este lhe permitir aumentar sua força e eficácia.

Todo governo (no sentido amplo, que envolve todo o aparato estatal e não apenas o poder executivo) é exercido por meio de normas, as quais, para serem cumpridas, exigem a coerção e a ameaça de punição por parte do Estado. A existência do Estado praticamente resume-se a isto: baixar determinações e zelar para que elas sejam cumpridas.

Obviamente, todo governo se depara com toda sorte de resistência às suas determinações. Todos os dias, há uma multidão que as ignora ou deliberadamente tenta descumpri-las. A resistência ao poder governamental é o que há de mais comum numa sociedade – praticamente a define.

Toda vez que um cidadão obtém sucesso em seu descumprimento das determinações governamentais, mais exposta fica a fraqueza do Estado – o que é inadmissível para, pois o Estado subsiste da autoridade e do respeito que se deve ter em relação a ele.

Para mostrar-se mais forte, então, o governo precisa que seus atos sejam cada vez mais eficazes. Sua capacidade de fazer com que os cidadãos cumpram – ainda que não queiram – as determinações legais estabelece muito do poder real, mas também da sensação de poder que o governo transmite.

A necessidade de eficácia exige instrumentos eficazes. Por isso, um governo não pode abrir mão de nenhum deles, quando lhe estão disponíveis, pois isso significaria abrir mão de algo que lhe faz mais eficaz, portanto, mais forte. Esse é o motivo de não haver ponderação no uso de qualquer recurso que permita o governo agir em favor de seus próprios interesses. Se algo está disponível para ser usado por ele, será usado por ele.

Negar o uso de um recurso que lhe aumente a eficácia é negar sua própria natureza coercitiva e punitiva. Por isso, toda tecnologia, torna-se, no momento mesmo que se torna aplicável, uma virtual arma nas mãos do governo. Ele apenas não a utilizará se seu uso for, por algum motivo, inconveniente.

As pessoas comuns, e mesmo as empresas, têm diversas restrições para usar tecnologias de ponta (custos, necessidade, aplicabilidade, possibilidade, permissão). Um governo, porém, não as tem, senão a inconveniência. No entanto, mesmo esta praticamente só se manifesta em governos democráticos, que têm de obedecer leis e dependem de votos. Governos ditatoriais, por seu lado, que não estão sujeitos à aprovação, nem estão submetidos a uma estrita ordem jurídica, nem a inconveniência possuem – ou as têm em casos muito específicos.

Sendo assim, o que pode impedir um governo ditatorial (ou com pendores despóticos) de fazer uso de um instrumento tecnológico, estando este disponível? O que o impediria de lançar mão de um aparelho qualquer se este lhe permite ser mais eficiente em sua missão coercitiva e punitiva? Quando testemunhamos alguns destes usando, sem nenhum pudor, a tecnologia, de forma a tornar a vida das pessoas mais restritiva, menos livre e mais submetida às determinações governamentais, não há nenhum motivo para escandalizar-se com isso. Afinal, o governo está apenas exercendo a sua natureza, da melhor maneira possível.

Tecnologia e poder estão intrinsecamente conectados. Toda tecnologia insinua-se para o governo, como que pedindo para ser usada por ele, o qual não titubeará em fazer isso. Por isso, apesar de gostar de tecnologia, não me empolgo com ela. Pelo contrário, toda vez que me deparo com uma invenção, logo me pergunto como o governo vai usá-la para suprimir, ainda mais, minha liberdade. E, cedo ou tarde, ele acaba fazendo exatamente isso.

Puritanos Seculares

Há algumas décadas, os jovens têm sido ensinados que a concepção de mundo de seus pais e antepassados é retrógrada, constituindo-se um estilo de vida pernicioso, que compromete o futuro da humanidade.

Aprenderam que eles são a esperança do sociedade, os responsáveis por livrá-la dos modelos preconceituosos e arcaicos que prevaleceram até aqui.

Sob essa missão, tornaram-se acusadores, censores, repreensores e juízes dos mais velhos e de suas ideias, sem o albergue de qualquer religião ou filosofia, mas de uma ideologia mundana e materialista.

Insuflados por uma nova moralidade, transformaram-se em fanáticos, agindo como puritanos seculares, prontos a condenar todos aqueles que não se dobram aos decálogos modernos.

Da minha parte, diferente de outros da minha idade, prefiro não me dobrar às exigências dessa trupe profana. Até porque eu sei que o mundo desenhado para ela é sem graça, tedioso e previsível – de tudo o que, há muito tempo, decidi me afastar.

Como Chegamos na Pós-Modernidade

“Estamos vivendo a pós-modernidade” – é o que escutamos por todos os lados. No entanto, o que isso significa? Mais ainda, como isso nos afeta e quais são as características desse período que o tornam tão marcante?

Stephen Hicks, em seu livro “Guerra Cultural”, traçou a linha histórica do pensamento ocidental que nos conduziu até aqui. Ele nos mostra, nessa obra, como as mudanças nas perspectivas filosóficas abriram caminho para o paradigma pós-moderno que vem tomando conta do nosso mundo.

Tudo começa no Renascimento, pois foi naquele período que a mentalidade medieval acabou anulada. Os pensadores renascentistas, na ânsia de superar a “ superstição” do período anterior, voltaram seus olhos para a terra e, aos poucos, foram deixando a perspectiva transcendental de lado.

No entanto, o Renascimento era a verdadeira idade intermediária, pois serviu de passagem da Idade Média, com sua concepção espiritual, para a Idade Moderna, com sua filosofia naturalista.

Na Idade Moderna, o centro desloca-se do espírito divino para a razão humana. A Filosofia passa a valorizar esta antes de tudo, demonstrando uma confiança quase irrestrita nas suas capacidades.

Disso, surgem as duas principais vertentes filosóficas desse período: o racionalismo e o empirismo. Cada uma com seus próprios paradigmas, mas ambas com a convicção de que a realidade pode ser conhecida por meio do exercício racional.

Com a confiança na razão vem a valorização do indivíduo, que é o seu portador autônomo. Portanto, a Idade Moderna vai caracterizar-se por exaltar o homem, principalmente, em virtude de seus atributos da inteligência.

No entanto, para que haja uma razão eficiente é preciso que exista uma realidade inteligível. Por isso, a Idade Moderna será marcada por seu realismo e objetivismo.

O Iluminismo, por fim, será o amadurecimento dessas concepções, tanto no sentido de cume de uma era como do início de seu apodrecimento. A partir dele, as instituições ocidentais modernas começam a ser estabelecidas e, ao mesmo tempo, a confiança na razão começa a ser questionada.

O primeiro solavanco dado contra a razão vem de Kant. Nele, a capacidade humana de perceber diretamente a realidade é colocada em dúvida, abrindo caminho para a tradição crítica que lhe segue e que, no fim de tudo, vai desembocar no pós-modernismo.

A partir de Kant, iluminismo e contrailuminismo seguem juntos. São ambos filhotes de uma reação à perspectiva religiosa, são ambos materialistas, ambos antropocêntricos, ambos revolucionários, ambos anti-tradicionalistas e ambos progressistas.

Até que alcançamos o século XX e suas duas Grandes Guerras, fazendo com que o que ainda havia de confiança irrestrita na razão recebesse o seu mais potente golpe. A partir dali, segundo as palavras do próprio Hicks, começa
uma troca de guarda. O contrailuminismo toma a dianteira. Ingressamos, gradativamente, no pós-modernismo.

Hoje, ainda nos encontramos em uma fase de transição. A perspectiva iluminista, com seu cientificismo e valorização da técnica permanece, porém, já não mais com aquela confiança irrestrita na razão. Cada vez mais, impõe-se uma visão relativista, subjetivista, irracionalista, voluntariosa e emocional de existência.

Pode-se dizer, portanto, de maneira bastante sintética, que o pós-modernismo é a culminação de uma oposição ao iluminismo, especialmente em sua confiança na razão. Quanto às outras características iluministas – a mentalidade revolucionária, o desprezo à tradição e a convicção de que o mundo pode ser transformado – o pós-modernismo as preservou e absorveu irrestritamente.

Por Que o Socialismo não Funciona

Na experiência pessoal, temos a convicção de que uma vida bem planejada é sempre superior a uma de conduta desregrada. O senso comum diz que quando algo é projetado com esmero, a tarefa, além de ser melhor realizada, ainda é realizada em tempo mais exíguo. Portanto, quem se planeja só tem a ganhar.

No entanto, a questão é: essa experiência que obtemos em nossa vida privada também pode ser aplicada à sociedade?

Os socialistas acreditam que sim, pois têm a convicção de que o planejamento é capaz de oferecer soluções para uma ordem social eficiente. Para eles, a sociedade tem mais chances de dar certo se for bem arquitetada. Por isso, propõem sociedades planificadas, prometendo que, dessa forma, será possível gerar riqueza para o sustento dos povos, superando, inclusive, os defeitos do capitalismo.

No entanto, toda planificação exige controle. Por isso, juntamente ao planejamento, os socialistas entregam uma sociedade totalmente dirigida, com pouco espaço para a liberdade individual, com um poder central forte e completamente comandada por uns poucos iluminados. O projeto, neste caso, transforma-se em prisão.

Friedrich Hayek identifica esse desvio socialista à sua racionalidade ingênua, tanto que a chama de “racionalismo construtivista”. Segundo ele, o problema fundamental do socialismo estaria em sua convicção na capacidade da razão humana avulsa de identificar os problemas e propor as devidas soluções. Ocorre que, em vez de soluções, o socialismo entregou tragédias. Lembremos que foram exatamente sob governos planificadores que surgiram as piores tiranias.

Explicando essa realidade, Hayek, em seu livro “Os erros fatais do socialismo”, oferece sua tese fundamental: de que o socialismo não dá certo exatamente porque uma ordem social planejada não é capaz de se tornar uma ordem social eficiente. O fato é que o planejamento social não pode garantir a posse do conhecimento acumulado nos séculos.

Planejar é uma tarefa individual, no máximo, a ser realizada em colaboração. De qualquer forma, depende que mentes individuais, conscientemente, proponham atos a serem executados para que certos resultados sejam alcançados. Na vida dos indivíduos, isso costuma funcionar bem; em ambientes controlados, como empresas e escolas, também costuma dar certo. O problema é quando se tenta usar do mesmo método em toda a sociedade. Ela não permite ser gerenciada dessa maneira. Sua complexidade, diversidade e ausência de propósito unificado fazem com que qualquer tentativa de direcionamento impeça o processo de desenvolvimento que lhe é próprio e que acontece de maneira espontânea.

O que Hayek argumenta é que nossos valores e nossas instituições são parte de um processo inconsciente de auto-organização. Como já se observa em outros sistemas complexos que se estruturam de forma não-linear, mas de maneira multifacetada e aparentemente irrastreável, a sociedade progrediu por meio do acúmulo de conhecimentos diversos, que se completam, se influenciam e se destróem mutuamente.

O que ocorre nessa ordem ampliada é que os conhecimentos, sem intervenções conscientes, circulam livremente, permitindo com que aqueles que se mostram mais eficazes permaneçam e os ineficazes sejam descartados. As ideias acumuladas na sociedade são auto-geridas dentro dela, mantendo, por seleção, aquelas que demonstram ser mais importantes e eficazes. Seria como um darwinismo dos conhecimentos, fazendo permanecer aqueles que se adaptam melhor às necessidades da sociedade.

Esses conhecimentos sobreviventes acabam se impregnando em nossas tradições e em nossa cultura, enriquecendo-nos com uma sabedoria que seria impossível acumular por meio de um controle centralizado. Aliás, esse é o grande problema do socialismo: ele não tem essa sabedoria espontaneamente acumulada – e jamais a terá. Por isso, a ordem ampliada sempre será superior.

Inclusive a moralidade, que tem papel essencial na estabilização social, na perspectiva de Hayek, não é instintiva, nem criada pela inteligência consciente, mas constitui uma tradição intermediária separada. Para ele, a moral se desenvolve concomitantemente à racionalidade, não como produto dela. Nisto, ele repete Hume, que dizia que “as regras de moralidade não são produtos de conclusões da nossa razão”. O que Hayek queria dizer é que a própria moralidade é parte da seleção natural que a sociedade faz com suas ideias, permitindo sobreviver aquelas que melhor se adaptam às suas necessidades.

Por isso, o socialismo jamais poderá dar certo. Como suas ideias não são conclusões derivadas do acúmulo de conhecimento, nem sua prática fruto de uma sabedoria desenvolvida no seio da sociedade, não passando de concepções avulsas de homens desapegados da tradição, ele estará sempre sujeito a todo tipo de equívocos. Não é por acaso que as tentativas de implantá-lo, além de não gerarem nem a sombra de riqueza que o capitalismo gerou, ainda estimulou as maiores mazelas, como genocídios, perseguições, tiranias e todo tipo de desequilíbrios.

O fato é que, se a civilização deve sua existência, prosperidade e estabilidade a uma forma específica de conduta, como aquela que a ordem ampliada lhe forneceu, não tem o direito de trocar isso por promessas vazias oriundas de mentes avulsas, com suas fraquezas e limitações. Seria como aceitar um pedaço de terra no deserto, com a promessa que ali se fará um grande latifúndio, em troca de uma fazenda próspera e bem equipada em terras férteis sob um clima tropical.

A verdade é que a civilização depende da ordem ampliada de cooperação humana, ainda que ela pareça incompreensível, à primeira vista, e desagradável, em alguns momentos. De qualquer forma, dela dependemos e somente nela podemos seguir com razoável segurança.

Incentivo forçado

Começou, aqui no Brasil, a implantação da exigência do chamado passaporte sanitário para o ingresso em lugares públicos ou privados abertos ao público.

Alegam, os governos e as instituições envolvidas, que não há com que se preocupar, pois nenhum direito está sendo violado, afinal, essa determinação tem o simples objetivo de estimular a população a regularizar sua situação em relação ao esquema de imunização disponibilizado pelas autoridades.

No entanto, um estímulo, por definição, é um incentivo oferecido com o objetivo de impulsionar alguém a fazer algo. O que as autoridades querem dar a entender é que estão simplesmente tentando persuadir as pessoas a tomarem os imunizantes.

Todavia, se é um mero estímulo, as pessoas deveriam ser livres para escolher participar ou não do esquema proposto. Só que, para que haja liberdade de escolha, é necessário que as opções propostas sejam minimamente proporcionais.

A oferta, porém, não deixa dúvidas: se a pessoa cumprir o determinado poderá manter todos os direitos, se não cumprir terá esses direitos suprimidos. Ou seja, não há proporcionalidade alguma. Portanto, não há liberdade de escolha, mas evidente coação.

Logo, poderia até ser possível discutir a eficácia dessa medida e até mesmo sua moralidade. Porém, que seus implantadores não sejam cínicos, fingindo se tratar de um mero estímulo, quase como se fosse uma campanha de conscientização.

Que sejam sinceros e assumam que se tratam de determinações impositivas, de medidas de repressão. Mas, talvez, isso seria esperar demais daqueles que sempre viveram de falácias.

O Revolucionário é um Conservador

A idéia que se tem de um revolucionário é de uma pessoa livre e desimpedida, que não tem apego a nada e que acredita que o que existe pode ser mudado todo o tempo. Para ele, não existiria o sagrado, as tradições não mereceriam ser preservadas e a própria realidade estaria em constante mutação. Sua missão, portanto, consistiria em livrar-nos do peso do passado, em derrubar os ídolos que nos oprimem.

No entanto, ao analisarmos mais profundamente, vamos observar que essa liberdade, desapego e altruísmo do revolucionário não passam de vínculo e interesse.

Quem tudo muda não pode chegar a lugar algum e o revolucionário, ao mesmo tempo que destrói o que não gosta, faz um grande esforço para preservar suas próprias convicções. Ele não quer acabar com tudo, apenas com aquilo que não lhe agrada.

O revolucionário, se quer que seu mundo ideal, pelo qual ele tanto luta, realmente um dia aconteça, precisa manter-se fiel aos planos traçados por seus idealizadores. Sendo assim, ele acaba, diante de sua própria ideologia e de sua utopia, agindo da maneira mais conservadora possível.

Um plano revolucionário continua sendo um plano. Ele possui metas e processos que precisam ser respeitados. Exige fidelidade e proteção. Por isso, quem o deseja precisa ser, em relação ele, um conservador, lutando para preservá-lo diante daqueles que querem impedi-lo ou desvirtuá-lo.

Portanto, não se enganem: o revolucionário não é um mero destruidor; ele quer erigir outra coisa no lugar do que destrói; quer por abaixo o mundo presente, só para impor, da maneira mais rígida possível, o mundo perfeito que existe apenas na sua cabeça.

O revolucionário é um iconoclasta, mas somente dos ídolos alheios. Os seus mantêm-se perfeitamente de pé e continuam a ser adorados por ele.

A Felicidade Nunca é Publica

Nossos problemas privados mais fundamentais jamais serão solucionados por quaisquer mudanças na política.

Ainda assim, o que mais vejo são pessoas acreditando que um futuro melhor virá por meio de ajustes públicos, depositando assim sua esperança nos movimentos políticos que se apresentam. Acabam vivendo quase exclusivamente imersas na esfera política, deixando toda sua vida – do pensamento à ação – ser conduzida por ela.

No entanto, quando foi que a eleição de qualquer político ou a implantação de qualquer ideologia fez a vida de alguém mais feliz? No máximo, pode impedir a desgraça, mas nunca dará os fundamentos para qualquer realização substancial.

Julian Marias percebeu isso, ainda sobre os escombros da Segunda Guerra Mundial, identificando a incerteza radical que tomara os homens de seu tempo nessa transferência para a vida pública da esperança por dias mais felizes, “como se uma coisa tão problemática, delicada e pessoal como a felicidade pudesse estar cimentada em alguma forma de vida pública”.

A verdade é que o excesso de política nunca pode dar pleno sentido à vida de ninguém; só leva ao fastio.

O Homem é o Lobo do Homem

Propus um desafio para meus alunos e, agora, vou revelar os verdadeiros motivos.

Transcrevi e célebre frase “o homem é o lobo do homem” e pedi para eles me dizerem de quem é esta frase, onde ela está escrita e qual o seu significado.

Não impus qualquer restrição e, assim, os alunos poderiam pesquisar em qualquer fonte.

As respostas não me surpreenderam.

Quase todos disseram que a frase era de Thomas Hobbes, escrita em seu livro Leviatã, e significava que o homem, por natureza, faz mal ao próprio homem.

Quem fizer uma rápida pesquisa na internet vai encontrar, em diversos sites, essas mesmas explicações ou algo parecido.

E aqui está exatamente o que eu quero mostrar: a importância, do estudioso sério, de buscar as fontes primárias, em vez de basear-se, exclusivamente, em informações de segunda mão.

A quantidade de imprecisões históricas é gigantesca; o número de interpretações equivocadas é imenso. Por isso, ler diretamente o autor, quando possível, é sempre recomendável.

Vamos ao caso de Hobbes!

Primeiro, a frase não é dele, mas de Platus, dramaturgo romano que viveu cerca de dois séculos antes de Cristo. A transcrição da frase original seria “Lupus est homō hominī, nōn homō, quom quālis sit nōn nōvit”, a qual pode ser traduzida por “O homem não é homem, mas um lobo, para um estranho”.

A informação da autoria aparece em diversos sites. Também, praticamente, todas as fontes indicam que a frase foi popularizada pelo pensador inglês, no século XVII. No entanto, geralmente, não é a frase completa a apresentada, mas a versão simplificada “o homem é o lobo do homem”.

Agora, começa o problema maior. A maioria dessas fontes pesquisadas indica que a citação fora feita em sua obra mais célebre, ”O Leviatã”. No entanto, isso está errado porque a citação fora feita em seu livro anterior, chamado “Do Cidadão”.

A citação feita, porém, não é literal. Hobbes, na verdade, faz quase uma paráfrase. Assim, ele escreve: “Ambos os ditos estão certos: que o homem é um deus para o homem, e que o homem é lobo do homem. O primeiro é verdade se compararmos os cidadãos entre si. E o segundo, se cotejamos as cidades”. O que o autor quis dizer aqui, considerando todo o contexto no Capítulo I do livro, onde se encontra essa citação, é que a violência que os homens condenam na atitude de seus governantes e concidadãos, praticam-na com os povos estrangeiros; que enquanto buscam paz na própria cidade, fazem guerra com as outras.

Percebe-se, portanto, que a citação de Hobbes envolve uma idéia muito mais ampla do que, simplesmente, a de que o homem é, por natureza e de maneira imutável, um inimigo dos outros homens. O pensamento é bem mais complexo e até ambíguo.

No entanto, transmitiu-se, por gerações, um pensamento bem mais simplificado, quase contradizendo o sentido da frase.

O que mais me interessa, aqui, porém, é mostrar como mesmo uma citação célebre e replicada por séculos pode conter imprecisões consideráveis de sentido e erros de localização, quando não em relação a própria autoria.

Isso mostra a importância, para o estudioso sério, de sempre procurar as fontes originais das idéias, para não ser apenas mais um mero repetidor de equívocos seculares.

Preservação da Nossa História

Aqueles que vibram com estátuas sendo derrubadas, fatos históricos rasgados dos registros, heróis renegados e incomodam-se com a livre circulação das idéias torcem pelo fim da própria sociedade onde vivem, pois o desprezo pelas experiências e pelo conhecimento acumulado é o prenúncio do declínio de uma civilização.

Assim faz o pensamento revolucionário, propondo sempre um recomeço, a inauguração de uma nova era, a reconstrução de uma sociedade livre das amarras do passado. Desde a Renascença, pelo menos, essa forma de pensar influenciou os homens mais inteligentes. Francis Bacon e Descartes, por exemplo, inauguraram um tipo de Filosofia que pretendia praticamente ignorar tudo o que já se havia conquistado para iniciar o exercício filosófico a partir apenas de si mesmos. Essa mentalidade filosófica impregnou-se na cultura intelectual e dominou o pensamento de boa parte daqueles que pensavam os questões sociais e também dos responsáveis por dirigir a sociedade.

Todos os movimentos com características revolucionárias, da Revolução Francesa, passando pela Revolução Bolchevique e a Revolução Cultural, na China, tiveram como primeira preocupação destruir todos os vínculos sociais com o passado. Seja a monarquia, a aristocracia, o cristianismo ou a mera cultura existente – tudo deveria ser posto abaixo para a implantação de algo completamente novo.

A idéia subjacente a isso é a de que se algo for tirado da vista cotidiana sairá da memória e do imaginário das pessoas e, assim, acabará esquecido, podendo ser substituído. Foi assim, quando Stalin recortou Trotski da foto que havia tirado o seu lado, imaginando que, dessa forma, estaria reescrevendo a história. No livro “1984” , George Orwell conta sobre uma fornalha, onde as matérias jornalísticas e os registros substituídos eram lançados, sendo condenados ao esquecimento perpétuo, na verdade, como se nunca houvessem existido.

Esse tipo de mentalidade impregnou-se na forma de pensar dos ativistas contemporâneos. Tanto que suas ações visam menos a propositura de algo que a destruição de um passado que, para eles, é indesejável. Quando os testemunhamos derrubando estátuas, reivindicando que nomes sejam retirados dos livros didáticos, suprimindo fatos históricos dos registros, condenando personalidades ao esquecimento estamos vendo a mentalidade revolucionária em plena ação. O que mais esses militantes querem é que toda nossa herança cultural seja esquecida e que, assim, eles possam construir uma sociedade, segundo a imagem e semelhança deles, a partir do zero.

Propostas como a de um “Great Reset” ou de um “Build Back Better” são manifestações mais poderosas desse mesmo tipo de mentalidade, pressupondo que é desejável e possível que as conquistas civilizacionais possam ser abandonadas em favor de um mundo completamente novo.

O problema, para os revolucionários, é que sua tentativa de apagamento do passado é absolutamente artificial. Eles até podem querer riscar da memória da sociedade personagens, fotos e idéias que lhes desagradam, no entanto, precisam conviver com o fato de que, por mais que se esforcem, o passado continuará existindo na mente e na alma das pessoas.

Uma geração não é formada apenas por ela mesma, com seus contemporâneos, mas tem dentro de si todas as gerações que a precederam. Suas idéias, formas de pensar, maneiras de raciocínio não são exatamente criadas por ela, mas praticamente recebidas prontas das gerações anteriores. Sua cultura não é uma criação sua, mas o resultado do acúmulo de tudo o que as gerações anteriores criaram. Se criam algo hoje, isso pressupõe não um partir do nada, mas daquilo que recebeu de herança e que lhe permite não ter que repensar diversas coisas que já foram pensadas. Isso, inclusive, a coloca em uma posição de vantagem em relação às gerações passadas, afinal, tem o privilégio de iniciar o seu pensamento já tendo os pensamentos das gerações anteriores dentro dela.

Pode-se dizer que o legado deixado pelos antepassados é o cimento que pavimenta a sua estrada. Por isso, preservar o passado é essencial. Isso não quer dizer que seja preciso concordar com tudo o que já foi dito e feito. Pelo contrário, é sempre saudável manter um olhar crítico sobre tudo aquilo que se recebeu. Não apenas seus acertos servem de direção, mas, talvez principalmente, seus erros sirvam de lição.

Inclusive, eu defendo que se preserve a memória de tudo o que nos aconteceu, como de todos os personagens (heróis, vilões, admiráveis ou execráveis) que passaram pela nossa história. Obviamente, essa preservação de memória pode vir acompanhada de ressalvas críticos e até de condenações. O que não se pode achar é ser possível apagar o passado.

A preservação da verdadeira história é essencial para a sanidade e estabilidade de qualquer sociedade. Por isso, defender sua memória daqueles que a querem destruir é um dever de todo cidadão. A existência futura da civilização depende disso.