Categoria: Sociologia

Professor Reflexivo

Um professor de escola pública não precisa comportar-se como um burocrata; nem um professor de escola particular precisa ser um mero cumpridor das ordens do seu patrão. Pedagogia não é seguir manuais e cartilhas e o fiel cumprimento de um planejamento não garante uma boa aula. Professores que apenas seguem o roteiro programado não se desenvolvem, não aprimoram sua didática e não ajudam seus alunos a evoluir.

Pedagogia é um processo humano, essencialmente interativo, que se aprimora na experiência, exigindo o ajuste constante, com a eliminação do que não está dando certo e melhora do que funciona. Por isso, o professor jamais deve se acomodar nos métodos que lhe foram ensinados, mas buscar sempre aprimorar sua didática.

No entanto, não existe aprimoramento sem reflexão. Por isso, um professor comprometido com sua vocação reavalia-se constantemente, pois é isso que permite com que suas práticas didáticas estejam sempre em harmonia com as necessidades dos seus alunos, com as circunstâncias que os envolvem e com os objetivos propostos para seu desenvolvimento. São essas reavaliações que proporcionam o ajustamento do método à realidade, afastando o que fracassa e promovendo o que funciona. Sem contar que o processo de desenvolvimento pedagógico é ininterrupto, pois sempre é possível melhorar mesmo aquilo que já está dando certo.

Donald Schön, pedagogo norte-americano que escreveu sobre o professor reflexivo, elencou os três tipos de reflexões que os professores devem fazer: (1) a reflexão da prática, que é a avaliação da didática em si mesma, pela verificação da aplicação do método pedagógico e sua eficácia imediata; (2) a reflexão sobre a prática, que envolve a análise da método pedagógico, seus objetivos, seus motivos, sua razão de existir, permitindo uma crítica sobre sua própria aplicação e (3) a reflexão sobre a reflexão sobre a prática, que envolve a crítica da própria existência do método didático e de sua relação com as circunstâncias, permitindo a avaliação do método, em relação a sua relevância e sentido diante da realidade prática que se impõe.

O fato é que o professor que realmente tem a intenção de sempre oferecer o melhor para os estudantes com os quais interaje não se esquiva do processo de constante reflexão sobre seu trabalho, mas, por um exercício de autoanálise, pela observação crítica do próprio trabalho, pelo fortalecimento do conhecimento teórico e, obviamente, pela experiência prática, torna seu exercício pedagógico cada vez mais eficiente, torna realidade o que jamais deve escapar de suas vistas: o constante aprimoramento dos alunos.

Soberania Diluída

Na história ocidental recente, foram os governantes que abriram as portas de seus gabinetes para os representantes das grandes fortunas. Houve um verdadeiro conluio entre burocratas e empresas, mas quem colocava sobre à mesa o plano geral e o objetivo a ser perseguido pela nação era o líder político. Hitler, Mussolini e mesmo Woodrow Wilson davam as cartas no jogo econômico, ainda que, para o empresário, houvesse vantagens inegáveis nesse consórcio.

A alcunha capitalismo de Estado vem do reconhecimento dessa proeminência do governante e formata o imaginário geopolítico dos analistas, que insistem em vislumbrar, ainda hoje, a existência de uma parceria entre as grandes corporações e os governos.

No entanto, fica cada vez mais evidente que o que era conluio foi suplantado por uma sujeição estatal aos monopólios que, se não era imprevista, ao menos revelou-se supreendente.

Os governos transformaram-se em meros chanceladores das vontades das corporações globais, recebendo delas, por meio de entidades supra-estatais, que fingem representá-los, mas que servem apenas para submete-los, os pacotes de ações a serem colocados em prática, dentro dos respectivos territórios nacionais. Boa parte das leis propostas e sancionadas, apesar de, exteriormente, seguirem os devidos ritos de aprovação, não são nada além do que o resultado de um teatro burlesco, que finge ser honrado, mas que serve apenas para certificar como vontade popular o que não passam de artigos rabiscados em escritórios de agências globais.

Não é possível, portanto, esperar que os Estados, quando essas grandes corporações, fazendo pouco caso dos direitos individuais dos cidadãos, suprimem suas liberdades fundamentais, protejam-nos. Teoricamente, seriam eles os únicos capazes de frear a sanha arbitrária desses monopólios planetários, mas, com a subserviência – com algumas poucas exceções – dos governos atuais, a tendência é que as soberanias nacionais sejam, cada vez mais, diluídas no caldeirão globalista, de maneira a fazer com que todos os países percam suas idiossincrasias, identidade e, principalmente, vontade própria.

Aos comuns mortais resta simular normalidade, tomando parte nessa encenação democrática, lambendo as migalhas de benefícios que caem da mesa dos poderosos ou fugir para as montanhas, sejam estas reais ou figuradas.

Revolta da Normalidade

A Nova Sociedade, proposta pela elite poderosa, e na qual seremos obrigados a viver, é um simulacro de realidade. Nada nela é genuíno; tudo é uma ilusão; uma imitação grosseira do real, fazendo com que nossos sentidos e percepções sejam o tempo todo enganados.

Isso porque a concepção de seus idealizadores é antimetafísica. Isso significa que nesse novo mundo nada pode ser considerado permanente, nada é perene. Na verdade, é uma sociedade essencialmente materialista, dissociada de qualquer transcendência e que valoriza apenas sua própria capacidade de transmutar-se naquilo que seus manipuladores desejarem.

Essa artificialidade faz com que a imposição dessa nova forma de vida só possa ocorrer por meio de violações graves à natureza humana, o que provoca reações naturais contrárias, contra as quais o projeto precisa se debater.

É por esse motivo que o plano traçado pela elite é delineado para ser implantado gradativamente, numa penetração contínua no seio da sociedade.

No entanto, a reação acaba sendo inevitável e, às vezes, toma proporções inesperadas, como foi o caso dos avivamentos patrióticos ocorridos na Inglaterra, nos Estados Unidos e no Brasil. Estes são movimentos que se caracterizaram por ser um tipo de revolta da natureza humana, da tradição e da normalidade contra o vilipendiamento que ela vinha sofrendo pela imposição de uma nova ordem social artificial.

Esse é o motivo porque governos como de Trump e Bolsonaro são tratados, pelas forças da elite bilionária globalista, como acidentes de percurso que precisam ser corrigidos rapidamente.

A elite, então, diante dos obstáculos oferecidos pela reação conservadora, a fim de conter aquilo que ela considera retrocessos e retomar suas conquistas, se vê obrigada a abandonar a paulatinidade da implantação dos seu projeto e a promover mudanças mais extremas, chamadas de saltos dialéticos. Faz isso por meio de crises, tragédias ou revoluções capazes de proporcionar mudanças mais dramáticas.

O problema é que saltos, por sua própria natureza, não são facilmente calculáveis em seus efeitos, o que faz com que as políticas globalistas acabem sendo retomadas com ainda mais violência e velocidade.

Assim, após um pequeno alívio reacionário, a multidão, que pôde desfrutar o gosto da esperança de ter seu mundo normal de volta, agora tem de se preparar para uma agressão ainda mais feroz a esse mundo e a tudo aquilo que ela valoriza e deseja preservar.

Defesa das Pequenas Liberdades

Reclamar da perda de pequenas parcelas de liberdade soa como instransigência. Afinal, há certos direitos que, ao abrirmos mão deles, parecem não fazer nenhuma falta. São pequenas liberdades vistas como pequenos luxos que, ao serem retirados, não aparentam suprimir nada de substancial.

No entanto, permitir que pequenas liberdades sejam arrancadas sem um motivo convincente é o que pavimenta o caminho para o totalitarismo. Se não somos capazes de defender nossas liberdades triviais, mesmo aquelas que nos parecem irrelevantes, chegará o dia que todas elas nos serão tiradas.

Logo, a defesa da liberdade não deve ser um princípio, ou seja, não deve variar conforme o conteúdo afetado. Não é porque certo direito não nos é importante e, talvez, nos pareça renunciável, que é certo achar normal ter de abrir mão dele.

Um direito suprimido dificilmente é retomável; uma obrigação imposta dificilmente é retratada. Além disso, a necessidade governamental por impor regras é insaciável e ininterrupta. Por isso, cada lei que suprime liberdades, por menos relevantes essas liberdades nos pareçam, é um passo adiante na longa marcha estatal para dentro do nosso espírito.

Uma pequena liberdade suprimida significa o Estado tirando de nós um pouco do que somos, do que pensamos, do que fazemos, até tornar-nos meros autômatos, seres pasteurizados, formatados para sermos aquilo que os poderes deste século acham que devemos ser.

Por isso, a liberdade a ser preservada não é a liberdade específica, aquela importante segundo a minha perspectiva, mas a máxima liberdade possível e aceitável. Ainda que a liberdade alheia me desagrade, o certo é defendê-la até o fim.

A verdade é que, em um tempo onde nossas liberdades nos são tiradas, não todas de uma vez, mas gradativamente, lutar por cada uma delas é urgente. De fato, esta é a única luta que importa, pois ela representa a verdadeira resistência contra os grandes poderes do nosso tempo.

Liberdade Casuísta ou por Princípio

O problema da liberdade provavelmente é o problema crucial do nosso tempo. Em um mundo complexo, onde as ações humanas inter-relacionam-se cada vez mais, surge constantemente o questionamento sobre o quanto determinadas liberdades individuais podem afetar a vida das outras pessoas.

Certos de que muitas atitudes dos indivíduos afetam direitos alheios, os próprios cidadãos mostram-se ávidos por servir de fiscais do comportamento de terceiros, criando uma sociedade policialesca, onde tem predominado a ideia de que as restrições são necessidades crescentes, a fim de impedir que as pessoas ajam de maneira a prejudicar as outras.

No entanto, a lista do que pode ser considerado prejudicial é imensa. Para cada ato sempre haverá alguém para entender que ele é nocivo e, por isso, deve ser proibido.

A diversidade de opiniões e perspectivas é grande, fazendo com que a quantidade de exigências por restrições também o seja. Assim, as regras multiplicam-se, as proibições intesificam-se, tornando o espaço para a manifestação livre bastante limitada.

A verdade é que todo mundo diz defender a liberdade, mas faz isso geralmente pelos motivos errados. Defendem a liberdade, mas não em relação àquilo que lhes parece desagradável. Nestes casos, não titubeiam em exigir a repressão.

No fim das contas, pouco resta da própria liberdade daqueles mesmos que quiseram impedir que o que não lhes agradava pudesse ser realizado. Isso porque da soma de todas as exigências de restrições o resultado seja que quase nada seja permitido.

Essa é a diferença entre a defesa da liberdade por princípio ou de maneira casuísta. O defensor casuísta considera que o que não lhe agrada deve ser impedido. Quem defende a liberdade por princípio, por outro lado, tem consciência de que não é porque algo lhe pareça prejudicial deva ser proibido.

No fundo, um defensor, por princípio, da liberdade sabe que uma proibição aplicada hoje pode ser-lhe agradável, mas também pode se tornar a desculpa para que alguém requisite que uma liberdade sua seja restringida também amanhã.

Por isso, todo mundo deveria defender a liberdade, antes de tudo; a proibição deveria ser exceção. No entanto, acontece exatamente o contrário, principalmente porque quase ninguém consegue perceber a implicação disso em sua própria vida.

A Linguagem Diversionista dos Frankfurtianos

Os pensadores da Escola de Frankfurt passaram todo o tempo da existência do Institut esforçando-se por passarem a imagem de moderados. Em seus escritos, abusaram dos eufemismos e da linguagem diversionista, sempre com o intuito de tornar a adesão ideológica de seus membros escondida por trás das expressões escolhidas. Palavras como socialismo, comunismo e marxismo eram constantemente evitadas. Em seu lugar, era comum usarem pensamento progressista, sociedade avançada, materialismo histórico, forças construtivas da humanidade etc.

Diante disso, muitos leitores tiveram dificuldade de captar a intenção apologética dos frankfurtianos. Não perceberam que por trás de toda pretensa erudição e rigor metodológico havia, antes de tudo, o objetivo de tornar o socialismo aceito pela sociedade. Mais ainda, os próprios estudos eram feitos fundamentados nas premissas marxistas.

Assim, a Escola de Frankfurt tornou-se uma das maiores influências intelectuais do Ocidente.

Nada disso teria acontecido, porém, se aqueles que os leram e interpretaram atentassem para o fato de que a linguagem é o adorno pelo qual o autor escolhe como vai expor o conteúdo de seu pensamento, podendo ser fiel a ele, tornando-o mais belo e assimilável, mas sem alterar sua essência, ou ser uma vestimenta nobre em corpo de mendigo, servindo apenas para dar aparência de riqueza a algo que é miserável.

A verdade é que, para entender a profundidade do pensamento de alguém, o pior método é apegar-se à linguagem escolhida pelo autor. Na verdade, o verdadeiro trabalho do intérprete consiste em desbastar a mata linguística que costuma esconder o sentido real que se encontra por trás dela.

Quem ignora isso, não está apto para captar a verdadeira natureza do discurso, tornando-se vítima da confusão promovida por uma linguagem muitas vezes escolhida para confundir mesmo.

Na verdade, se as pessoas prestassem mais atenção ao conteúdo, em vez de ficarem deslumbrados com a linguagem usada pelo autor, muito menos lixo seria propagado por aí.

Inocência ou missão

Os pensadores da Escola de Frankfurt foram bastante razoáveis ao criticar o fascismo e o stalinismo, revelando a natureza autoritária do Estado governado por essas duas ideologias.

No entanto, enquanto faziam isso, continuavam acreditando nas promessas socialistas, desenvolvendo seu pensamento sob as categorias marxistas, ignorando que o socialismo que todos eles defendiam, inapelavelmente, sempre acaba desembocando em um governo autoritário.

A impressão que se tem é que eles não viam que o socialismo é um proposta de sociedade que impõe um determinado tipo de ordem que exige planejamento e direcionamento detalhados. O socialismo pressupõe planificação e dirigismo.

Não há, portanto, como implantar uma sociedade socialista sem que seja por meio de uma ditadura. Inclusive, Marx tinha plena consciência disso ao pressupor a ditadura do proletariado.

Não é por acaso que o socialismo sempre transforma-se em ditadura.

Os frankfurtianos não perceberem isso, ao mesmo tempo que criticavam o Estado autoritário, conduz-nos a duas conclusões possíveis: eles eram muito ingênuos, cegados pela fé ideológica, ou seu papel era exatamente tornar o marxismo palatável para o mundo.

O espírito de Frankfurt

Quando o muro de Berlim veio abaixo, quase todos que testemunharam aqueles acontecimentos esperavam que as ideias que o sustentaram ruíssem também. No entanto, aconteceu exatamente o contrário: enquanto a União Soviética sumia do mapa, o marxismo, que era seu espírito, espalhou-se, possuindo almas por todo o mundo.

O comunismo, que parecia decrépito no final dos anos oitenta, aparece completamente vitalizado no século XXI. De intelectuais a políticos, além de quase toda a expressão cultural vigente, praticamente não há ninguém, nem setor algum, que esteja livre da influência marxista, se não nos objetivos políticos, pelo menos na sua forma de pensar.

A verdade é que o comunismo permanece bem vivo, certamente até mais forte do que antes. Após o fim da Cortina de Ferro, ele revigorou-se de tal forma que, hoje, é o pensamento dominante no mundo.

Como ele conseguiu isso?

Quem salvou o comunismo foi a Escola de Frankfurt. Ela, que desde os anos 30 serviu de fonte de debates e reflexões sobre o marxismo e sua relação com a sociedade, depois que, por causa das circunstâncias relativas à ascensão nazista na Alemanha, mudou-se para os Estados Unidos, conseguiu difundir suas ideias, de maneira que elas penetrassem profundamente no imaginário das pessoas e em sua cultura.

As ideias dos pensadores da Escola de Frankfurt penetraram fundo nos corações e mentes porque, por um lado, conseguiram preservar o ideal marxista sem ferir seus fundamentos, por outro, deu novo ânimo ao movimento, libertando-o das amarras que não permitiam que ele se expandisse.

A verdade é que o comunismo, com a implantação do regime soviético na Rússia, tornou-se, cada vez mais, um sistema hermético e doutrinário. Fundamentados nas ideias estabelecidas na Primeira e Segunda Internacionais, o regime estabeleceu-se, fechando-se dentro de si mesmo, tornando o comunismo uma ideia desapegada do resto da humanidade. Comunistas eram aqueles seres estranhos, que viviam em uma terra estranha, com ideias mais estranhas ainda.

Foram os intelectuais judeus-marxistas da Escola de Frankfurt, como Horkheimer, Adorno e Marcuse que deram vigor a um movimento (que sempre existira dentro do comunismo) de revisão dessa maneira cerrada de ver as ideias comunistas e passaram a divulgar seus pensamentos.

Mal vistos pelos marxistas ortodoxos, os intelectuais de Frankfurt, pouco a pouco, conseguiram aproximar o marxismo da vida real das pessoas que viviam no Ocidente, tornando-o algo palatável, em princípio, até o ponto de fazê-lo agradável e desejável.

O sucesso das ideias frankfurtianas se deram por diversos motivos. O primeiro deles foi o fato de oferecerem uma opção anti-dogmática do marxismo. A forma doutrinária de pensar o marxismo foi fortemente criticada pelos intelectuais da Escola de Frankfurt, que promoveram um pensamento mais flexível das ideias marxistas. Isso elevou-o para algo menos materialista, em seu sentido mais estrito, e acrescentou um aspecto espiritual a ele (entendendo-se aqui espírito como algo ligado à intelectualidade e consciência humanas). Assim, o homem, que no marxismo ortodoxo era visto praticamente como mero efeito das condições materiais da sociedade, ganhou dignidade, com uma certa valorização de sua subjetividade, transformando-o em autor da obra revolucionária, não apenas resultado dela. Com toda essa mudança de perspectiva, outros setores da sociedade, além do proletariado, puderam ser agregados ao movimento responsável pela implantação do comunismo, dando poder de penetração das ideias socialistas por todo o Ocidente.

Claro que isso não aconteceu do dia para a noite. Enquanto existia a União Soviética, esse marxismo liberal de Frankfurt se estabelecia de maneira um tanto sorrateira, algumas vezes com o próprio aval de Moscou, outras em formas que iam além do que o próprio núcleo do Politburo podia controlar.

O fato é que, enquanto o comunismo soviético ia se degradando, dia após dia, o outro comunismo, saído das penas dos intelectuais da Escola de Frankfurt ia se expandindo, apoiado pela longa marcha pelas instituições, com influência das ideias promovidas por Antonio Gramsci.

O comunismo então foi se moldando para seduzir novos adeptos, inclusive aqueles ligados a setores antes completamente rechaçados pelo movimento, como religiosos, minorias, marginais, espiritualistas e mesmo grandes capitalistas.

Quando a União Soviética cai de vez, junto as estátuas de Lenin derrubadas, o espírito do novo comunismo se liberta de vez, agora sem as amarras do corpo doutrinário que lhe limitava.

Hoje, quase mais ninguém está livre da influência das ideias marxistas. Graças à Escola de Frankfurt, elas se tornaram tão amplas e maleáveis que quase nenhum setor da sociedade pode dizer que consegue manter-se completamente protegido delas.

Inclusive, a maleabilidade é tal que até permite com que comunistas neguem essa sua condição, usando as ideias de Frankfurt para parecer que são críticos do comunismo, quando, na verdade, estão apenas usando do mesmo expediente da escola: criticar um aspecto exterior da ideologia para fortalecer seu espírito.

O PCO e a defesa do indivíduo

O que faz comunistas, como os membros do PCO – Partido da Causa Operária, defenderem, da mesma maneira como fazem conservadores e direitistas, liberdades individuais, falar contra a obrigatoriedade da vacina, criticar o uso de bandeiras identitárias e o politicamente correto e ainda defender o armamento da população?

Dizer que fazem isso como forma de enganar as pessoas, a fim de cooptá-las para seu movimento, é uma resposta bastante simplista, meramente psicologista, e que não explica seus verdadeiros motivos. Para compreendê-los, é preciso antes entender a concepção deles sobre a composição política do mundo.

Quando eu comecei a estudar, de maneira mais sistemática, a filosofia marxista ortodoxa (vertente da qual o PCO faz parte), a primeira impressão que tive é que o que era dito ali não estava totalmente errado. Em termos filosóficos, esse marxismo fala muito em objetividade, realismo, contra o subjetivismo – tudo de maneira que parece estar de acordo com o melhor que existe do pensamento tradicional.

No entanto, apesar das aparências e até das semelhanças pontuais, os motivos do marxismo ortodoxo são completamente outros. Seu realismo é o de um mundo totalmente materializado, sem qualquer abertura para o transcendental; seu objetivismo é de uma realidade fechada, na qual o homem é apenas um efeito; seu anti-subjetivismo é somente uma confirmação de seu próprio materialismo e anti-espiritualismo.

Isso quer dizer que, às vezes,certas semelhanças de concepções são apenas aparentes. No caso dos conceitos filosóficos, são semelhanças meramente semânticas.

Em relação aos assuntos menos filosóficos, apesar de superficialmente algumas ideias manifestadas pelo PCO serem idênticas aquelas que os conservadores e direitistas defendem, os fundamentos são completamente outros.
O PCO é um partido trotskista. Isso quer dizer que ele faz parte de uma ala ainda mais radical do marxismo do que a maioria da esquerda que atua, hoje em dia. Até por isso, sua visão de mundo é bem mais dogmática e dualista do que o esquerdismo globalista que conduz a política mundial. Para um membro do PCO, todos os governos atuais – e os Estados dirigidos por eles – fazem parte de um fascismo reacionário e representam os interesses do capitalismo burguês inimigo do proletariado. Sendo assim, tudo o que os governos fazem não passam de ações opressivas do Estado contra o trabalhador. Sob esta perspectiva, a vacinação obrigatória, o politicamente correto e o desarmamento da população seriam meras maneiras que o Estado burguês teria de oprimir ainda mais o indivíduo, tornando seu governo cada vez mais forte. O PCO, portanto, não está exatamente preocupado com indivíduo, mas em denunciar as ações do que ele considera ser um Estado fascista.

Os trotskistas do PCO não criticam o Estado da mesma maneira que os conservadores e direitistas. Estes defendem a liberdade individual por princípio, independentemente do espectro político que o governo representa. Os trotskistas, por outro lado, acusam os atos específicos desse Estado, não porque entendem que os direitos individuais são indiscutíveis, mas simplesmente por considerarem o atual Estado um representante de uma classe inimiga. O PCO, na verdade, defende os indivíduos por estes viverem sob governos que eles consideram fascistas. Se o governo fosse trotskista, a conversa seria outra.

Mentalidade autoritária

Existem pessoas que têm obsessão por controle. Ficam ouriçadas com a mera oportunidade de poder criar regras para impor sobre os outros. Não deixam ninguém em paz, nem permitem que decidam o que é melhor por si mesmos. Possuem compulsão regulatória, tornando a vida alheia um inferno.

No entanto, esse impulso normatizador não existe por acaso, mas tem fundamento filosófico. Marxistas e positivistas, a despeito de suas diferenças, concordam que só pode ser considerado racional aquilo que pode ser controlado. E como só pode ser controlado o que pode ser planejado, então, entendem que uma sociedade, para ser considerada racional, tem de ser totalmente dirigida.

Para marxistas e positivistas, um mundo livre, que se auto-regula de maneira espontânea, é um escândalo. Tomam-no por irracional. Acreditam, sinceramente, que uma civilização deixada à mercê de si mesma se autodestruirá. Por isso, a ideia de livre-mercado lhes é tão assustadora.

O fato é que um governo esquerdista ou positivista jamais permitirá que a sociedade siga seus próprios passos. Ele precisa direcioná-la, dirigi-la, planificá-la. Se não fizer isso é, em sua própria concepção, como se não a estivesse governando.

Até mesmo o simples indivíduo que possui mentalidade semelhante vai exigir que o governo intervenha sempre. Ele espera que as autoridades planejem, organizem e executem cada vez mais ações. Sua percepção é que um bom governo precisa estar o tempo todo regulamentando, dirigindo, direcionando tudo.

Obviamente, alguém que pense que o mundo precisa de cada vez mais regulamentações terá a tendência de desenvolver uma mentalidade autoritária. Ao entender que a racionalidade de uma sociedade depende de ordem e planejamento, quando tiver poder, certamente se tornará um déspota. Aliás, esse é o destino de todos os governos de esquerda – e dos positivistas também.

E como nossa cultura, hoje em dia, é forjada exatamente por essas duas ideologias, todo mundo se torna um autoritário em potencial. Todos só pensam em regulamentos, decretos, leis, ordens e portarias para melhorar a sociedade. Basta observar como, a cada problema que surge, não tem um cidadão que não espere que uma nova regra seja criada.

Só não percebem que o mundo que estão forjando pode até ser mais organizado, mas uma organização cada vez mais parecida com a disciplina de uma prisão.