As razões mais óbvias servem para as pessoas mais óbvias. Porém, quem movimenta o mundo de verdade são aqueles que desafiam o óbvio e fazem aquilo para o que foram destinados. Se fizessem o óbvio, provavelmente cairiam na vala comum da mediocridade. Se seguissem os conselhos óbvios das pessoas óbvias seriam exatamente como elas: óbvias.

Há dois homens, de épocas diferentes, de personalidades diferentes, com estilos de vida diferentes, mas que se tornaram incrivelmente parecidos exatamente por fugirem da obviedade. Chesterton e Olavo de Carvalho possuem características que os diferenciam: um era obcecado pelos paradoxos da vida, o outro pela verdade nua e crua; um escrevia como se tivesse contando uma história, o outro dando uma aula; um considerava-se quase um poeta, o outro um filósofo; um não teve filhos, o outro os fez às pencas; um era inglês, em um época em que a Inglaterra era o grande poder global; o outro brasileiro, testemunhando um país sempre à margem do protagonismo mundial; um estava cercado de intelectuais de altíssimo nível, contra quem travara grandes debates, o outro viveu quase toda sua vida cercado de anões intelectuais, incapazes de discutir com ele e de sequer entender o que ele escrevia.

Tudo isso pode parecer decisivo para manter esses dois personagens afastados e aparentemente sem qualquer similaridade. No entanto, o que os torna semelhantes é muito mais decisivo do que suas diferenças. Ambos jornalistas, tornaram-se conhecidos por seus artigos nos periódicos de seu tempo. A principal atividade de ambos, porém, fora a crítica ao círculo intelectual de suas respectivas épocas. Ambos fizeram carreira destruindo intelectualmente aqueles a quem criticavam. Ambos acabaram envolvendo-se com as questões políticas talvez mais do que imaginassem ou desejassem. Escreveram diversos livros, porém nenhum dos dois desenvolveu uma doutrina dogmatizada, mas construíram uma filosofia que, compreendida em seu sentido amplo, deixa para a posteridade um material abundante para ser discutido e desenvolvido. Tanto o escritor inglês como o brasileiro possuem um pensamento original e, frasistas naturais, oferecem centenas de citações que se tornaram marcantes para seus leitores. Por fim, firmaram-se na fé católica na maturidade, mostrando um semelhante progresso espiritual nessa direção.

Ainda assim, não são essas grandes similitudes que tornam Chesterton e Olavo de Carvalho gigantes-irmãos. O que os torna realmente semelhantes é algo bem mais trivial: o fato de não aceitarem fazer o óbvio. No caso, o óbvio seria, como intelectuais e pensadores influentes, afastar-se um tanto dos afazeres considerados dispersivos, como os debates públicos e as disputas políticas e intelectuais de seu tempo; o óbvio seria ver tudo isso como perda de tempo para quem tem a contribuir com questões superiores. Mentes normais ficam incomodadas vendo potências intelectuais se distraindo com questiúnculas. Por isso, ver o Olavo escrevendo diariamente nas redes sociais pode parecer uma grande perda de tempo, da mesma maneira que parecia pra os contemporâneos de Chesterton quando o viam atolado em disputas que pareciam dispersões em meio à grande obra que ele poderia produzir – inclusive, ele ouviu constantes repreensões por isso.

No entanto, foi a própria esposa do escritor inglês, Frances (aliás, outro semelhança ente os dois escritores: como a mulher de Chesterton, Roxane Carvalho é uma guerreira ao lado de Olavo), quem explicou exatamente como as coisas se davam. Segundo ela, seu marido não mudaria, porque estava “empenhado em ser um alegre jornalista, em fazer a maior farra… Tudo o que ele quer é fazer a maior barulheira possível”.

Chesterton queria bagunçar o mundo intelectual de sua época. E como não comparar isso com a afirmação do próprio Olavo de Carvalho, que disse: “Eu vim foder com tudo!”?

O fato é que se tratam de dois homens que fizeram história. Os dois remexeram como seus respectivos mundos intelectuais. Os dois fizeram tudo aquilo que não se esperava deles. E assim colocaram tudo de cabeça para baixo. Com isso, enquanto um, tendo feito carreira há um século, deixou um legado de pensamento profundo, que até hoje é discutido por seus admiradores, o outro, que já é o responsável pela maior revolução cultural ocorrida em terras brasileiras, segue construindo seu patrimônio que ficará de herança para uma enormidade de pessoas que se interessam pelos mais diversos assuntos – de política à filosofia, de psicologia à espiritualidade.

Chesterton e Olavo têm muito mais em comum do que pode parecer, à primeira vista. No entanto, nada os une mais do que o fato de terem vindo ao mundo para chutar os alicerces do pensamento corrente.