Quando o que impera é o caos e a desordem, toda polidez e toda afetação servem apenas para disfarçar a bagunça que existe por detrás delas.

Pode perceber: se a sociedade está confusa, são exatamente os mais desonrados que exigem o cumprimento estrito das regras litúrgicas.

A liturgia é uma máscara perfeita para os cafajestes. É por meio dela que disfarçam suas impudicícias. Pela polidez fingem ser nobres e pela linguagem formatada, confiáveis.

As regras de comportamento não são ruins em si mesmas, pois têm sua função na sociedade. São elas que indicam a posição de cada um e orientam como cada qual deve se dirigir ao outro. No entanto, para que a liturgia cumpra sua função, é preciso que a ordem social já exista. Afinal, ela não ordena nada, apenas informa como as relações se dão. Seu papel é tornar conhecida a organização da sociedade, não estabelecê-la.

Só que quando a sociedade está em crise, com seus papéis sociais confusos, seguir a liturgia é comer comida estragada com talher de prata, seguindo regras de etiqueta; é esconder a podridão com afetação.

A linguagem formatada e a polidez montada são o refúgio preferido dos malandros. Por meio delas, simulam bondade, honra e sensibilidade. No entanto, tudo não passa de performance. Não é por acaso que instituições onde prevalece a linguagem mais artificial (Direito, política, religião e universidade) costumam ser um abrigo perfeito para psicopatas, que usam das fórmulas para passarem-se por normais.

Os veneráveis, excelentíssimos, egrégios, ilustríssimos, eminentes, distintos, nobres, caros e respeitosos senhores desta pátria têm sido, na verdade, seu câncer. São eles que, fingindo ser parte lídima do corpo, corroem-no por dentro.

Um país, onde prevalece a confusão, que privilegia as regras de etiqueta só faz perpetuar a desordem. Obviamente, sem deixar de retratar tudo como seguindo na mais absoluta normalidade.