Cercado pelos vitrais da catedral e acariciado pelo som da voz do ministro, sente-se seguro. Enquanto outros estão por aí, perdidos nas delícias deste mundo, ele cumpre com suas obrigações devocionais. Todo o ornamento ritualístico e o exercício da fé lhe garantem a paz. Sua consciência está aplacada pela certeza de ser um homem piedoso.

Enquanto a puta chora seus pecados pelas manhãs e o bêbado promete que vai mudar de vida, o fiel, satisfeito consigo, nem sequer considera que lhe falte algo. Ao ouvir que é preciso imiscuir-se numa relação mais profunda com a divindade, ignora o conselho, como quem acabara de escutar uma poesia em língua estrangeira.

A religião, nele, desvia-se de seu papel de aplainadora do caminho que conduz ao céu para servir de instrumento para o apaziguamento da consciência. Ela encontra o indigente e, em vez de estender-lhe a mão e oferecer-lhe socorro, convence-o de que está tudo bem, ornando-o com uma roupa bonita e uns acessórios vistosos.

Antes dela, o mendigo ao menos poderia olhar para si mesmo e, contemplando sua miséria nua, convencer-se de sua necessidade. Porém, agora, com as vestes emprestadas da religião, não consegue sequer enxergar sua pobreza. Sente-se rico, apesar de desafortunado. Convence-se de que é próspero, apesar da alma esquálida pela falta de alimento espiritual.