Esqueça, um pouco, o significado da expressão. Às vezes, isso é necessário para entender o conceito por detrás do que ela representa. Falo isso em relação ao tal Estado laico. Isso porque laikós, originalmente, referia-se ao povo, ou do povo. Porém, desde que o termo passou a ser usado em relação ao Estado, a intenção nunca foi de que significasse que tratava-se de um Estado do povo. Desde o começo, Estado laico teve mais relação com o leigo, que tem origem na mesma palavra grega, laikós. Mas aqui, leigo significa, principalmente, aquele que não faz parte do clero, do sacerdócio religioso. Sendo assim, Estado laico quer dizer, simplesmente, o Estado que está fora da religião, que não tem relação com ela e que não se submete a ela.

No entanto, a religião é do povo, é laikós. Religião não significa, exclusivamente, sacerdócio. Pelo contrário, a religião se encontra, principalmente, em meio às pessoas comuns. Mas se o Estado não se submete à religião, nem se compromete com ela, como fazer para respeitar o povo, em sua expressão religiosa?

O Estado laico, então, pretendendo-se superior a todas as religiões, dizendo-se protetor delas e moderador entre elas, diz assumir a função de não permitir que religião alguma se imponha sobre as outras e nenhuma religião seja aviltada por qualquer outra. Afirma, ainda, que deve impedir que qualquer confissão se utilize dos canais estatais para propagar sua doutrina, sua cosmovisão, seus pontos de fé. Assim, apresentando-se como moderador, o Estado laico arroga-se na obrigação de permitir que todos tenham o livre direito à manifestação, porém nos limites de seus próprios recursos e ambientes.

Então, surge o problema do espaço público. Porque é nele que as religiões proselitistas atuam, buscando angariar novos adeptos. E de acordo com sua ideologia, alguns Estados laicos já se manifestam impedindo a pregação pública. Usando de seu papel moderador, porém distorcendo sua ação, em vez de garantir a sadia disputa retórica entre as religiões, simplesmente as impede de falar além de seus próprios currais. Se bem que, tal proibição, acaba mesmo sendo uma consequência óbvia da laicidade estatal, prenunciada desde o começo, quando esse Estado, em vez de apresentar-se como mero defensor da liberdade religiosa, apresentou-se como juiz entre as religiões. Segundo a ideologia estatal, se o espaço é público, não pertence a ninguém em particular. Sendo assim, ninguém pode usá-lo para promover seus interesses particulares. Assim, ninguém pode pregar nele.

E se era óbvio que os espaços públicos seriam afetados pela proibição da pregação, quanto mais seriam os canais especificamente estatais, como as escolas públicas. É óbvio que a consequência da laicidade estatal seria a total proibição do ensino religioso confessional. Não esqueçam: o Estado laico não se apresenta apenas como defensor da religião, mas como moderador entre as religiões. Sendo assim, para se manter coerente, precisa impedir que qualquer uma delas tenha primazia, principalmente quando pelos próprios meios estatais.

Porém, aí, surge um problema mais sério ainda. É que o Estado laico não costuma se contentar em apenas atuar como agente passivo, permitindo e proibindo as manifestações religiosas conforme o ambiente e circunstâncias. Ele arroga-se na obrigação de também comunicar valores, transmitir ideias, defender visões e ideologias. Ele, então, longe de ser apenas um moderador, passa a ser atuante. Deixando de ser o mero garantidor das pregações, passa ele mesmo a ser um pregador. Bem distante da isenção apregoada, o Estado usa seus próprios meios para expor suas ideias.

O resultado disso não é apenas a proibição da exposição religiosa confessional nos espaços públicos, principalmente nas escolas públicas, mas sua substituição pela pregação estatal, como se fosse uma nova religião, superior e livre de concorrência. Não custa insistir: essa é a consequência lógica do Estado laico que, longe de ser do povo ou mesmo de representar o leigo, é apenas antirreligioso, permitindo a religião por motivo de conveniência política e não por convicção, nem vontade.

Se alguém, portanto, pretende defender que o ensino religioso confessional seja permitido, não adianta querer que isso seja feito por meio das escolas públicas e demais canais estatais. Isso seria ir contra a própria natureza do Estado moderno. Portanto, uma batalha perdida. A única solução, que seria do interesse de quem defende seriamente a liberdade religiosa, é exigir que o Estado se afaste de qualquer tipo de pregação ética, de transmissão de valores e de comunicação de ideias.

A religião é livre na proporção que o Estado é mudo.

Não adianta, portanto, exigir que se permita a pregação religiosa nas escolas públicas. Deve-se exigir que não haja pregação nenhuma, menos ainda estatal, nas escola públicas. Melhor: deve-se exigir que existam cada vez menos escolas públicas, que são, no fim das contas, a verdadeira fábrica de manufatura da idiotice ideológica moderna.