A Loucura do Pensamento Moderno

Os pensadores modernos, otimistas com a capacidade humana de decifrar o mundo, decidiram, por si mesmos, apoiando-se em suas percepções, raciocínios e observações, apresentar, cada um, sua própria versão da realidade.

Para isso, negaram os princípios tradicionais da cultura onde estavam inseridos, e Chesterton, em seu livro ‘Ortodoxia’, identifica aí uma característica insana. Afinal, “quem pensa sem os apropriados primeiros princípios fica louco“. 

Mas, segundo Chesterton, a insanidade moderna não se caracteriza – como seria de se esperar – de raciocínios sem sentido. Pelo contrário, como nos loucos, que são “em geral, grandes argumentadores”, há sentido até demais nos argumentos modernos. Há, neles, um excesso de coerência, mas uma coerência interna, que parte dos seus próprios pressupostos, e segue justificando-os, movendo-se sempre em sentido circular.

Chesterton lembra-nos que “o louco costuma ter um raciocínio expansivo e exaustivo com reduzido bom senso“, ou seja, um raciocínio coerente consigo mesmo, ainda que apartado da realidade; é um raciocínio “tão completo como a do sensato, [apesar de não] tão abrangente“.

A partir dessa insanidade do pensamento moderno, Chesterton identificará sua limitação, que “esclarece muita coisa, mas deixa muita coisa de fora”; seu simplismo, que lhe dá uma aparência de perfeição, porém como uma “bala [que] é exatamente tão redonda como o mundo, mas não é o mundo“; e sua obsessão “no sentido de que toma uma explicação superficial e a leva muito longe“.

Por fim, Chesterton ressaltará aquilo que mais aproximará as filosofias modernas da loucura: sua autoconfiança, já que elas costumam apresentar-se como a resposta definitiva às questões a que se propõem e não costumam aceitar oposição. No entanto, só “os loucos nunca têm dúvidas“ e, não por acaso, “os homens que realmente acreditam em si mesmos estão todos em asilos de lunáticos“.

Para Chesterton, a enfermidade da filosofia moderna se encontra exatamente naquilo do que ela mais se orgulha: sua racionalidade. Até porque, o louco “não é alguém que perdeu a razão, mas alguém que perdeu tudo, exceto a razão“.

A Revelação da Verdade

O livro Ortodoxia, de Chesterton, é uma contraposição ao espírito filosófico da modernidade; uma resposta à sua artificialidade e à sua insanidade. O próprio autor confessa que, em sua juventude, foi contaminado por essa maneira de pensar. Explica que tentou desenvolver sua própria compreensão da realidade; buscou desenvolver suas próprias teorias; e acreditou que poderia explicar, por si mesmo, a realidade.

Na verdade, muito do pensamento moderno nasceu da vontade de superar um filosofia alicerçada na Revelação; de mostrar que as ideias anteriores estavam tomadas de superstição; de que o homem não precisa de Deus para compreender a realidade; de buscar uma explicação para a realidade que fosse original.

O próprio Chesterton, usando a si mesmo como exemplo do espírito moderno, conta-nos que, no fervor de sua mocidade, também tentou ser original, desbravando realidades supostamente não abarcadas por ninguém. Como ele diz, criando sua própria heresia, da mesma maneira como fizeram todas as ideologias modernas, como também aquelas filosofias que tentaram explicar o funcionamento do mundo por meio de um princípio qualquer.

No fim das contas, Chesterton descobriu que suas descobertas não eram descobertas, mas verdades que já haviam sido reveladas. Quando ele pensou que havia encontrado novas explicações, percebeu que elas já haviam sido dadas pela revelação.

"Forcei minha voz com penoso exagero juvenil ao proferir minhas verdades. E fui punido da maneira mais adequada e engraçada, pois mantive as verdades: mas descobri, não que não eram verdades, mas simplesmente que não eram minhas".

Justino dizia que tudo o que já havia sido falado de verdadeiro, em todas as épocas, por todas as pessoas, pertence ao cristianismo. Chesterton está querendo transmitir a mesma ideia. Seu objetivo não é se opor à filosofia moderna, mas pontuar que ela não é original, pois seus acertos já se encontram todos naquilo que a “religião civilizada” ensinou.

O cristianismo, diferente das filosofias e ideologias modernas, não é uma versão da realidade, mas sua própria apresentação. Ele lança sobre nós o peso de existência inteira, do experimentável ao transcendente, o visível e o invisível, o imediatamente compreensível e aquilo que está além do que pode ser entendido atualmente.

Por isso, sentimos, neste mundo, uma dupla sensação, de familiaridade e perplexidade. Diante da infinitude que o cristianismo nos apresenta, ao mesmo tempo que convivemos com tudo aquilo que foi criado considerando nossa vida, tornando as coisas próximas de nós, temos de aceitar o incompreensível, o milagroso, o misterioso também como parte da existência.

"Como podemos imaginar ficarmos ao mesmo tempo assombrados com o mundo e, mesmo assim, nele nos sentirmos em casa?"

Diferente de boa parte do pensamento moderno que, partindo de princípios muito bem delineados, encontra explicação para tudo, fechando-se numa perspectiva lógica e hermética, o cristianismo abarca o conhecido e o desconhecido, fala daquilo que faz parte da vida comum, do homem simples, mas também dos milagres, dos grandes destinos. Isso porque não se trata de uma ideia, mas da realidade mesma, com sua amplitude e complexidade.” Ouvir” O cristianismo não é ter resposta para tudo, mas aceitar tudo como parte dessa existência bela e espantosa, às vezes com pleno sentido, outras completamente misteriosa.

Por isso que aquele que busca compreender a verdade não pode fechar-se em sua própria percepção do real, nem alimentar a arrogância de acreditar que pode, por si mesmo, entender tudo. Se for intelectualmente honesto vai perceber que muito daquilo para onde suas especulações conduziram já havia sido dado pela Revelação.

"Tentei fundar uma heresia só minha; e quando lhe dei o último acabamento descobri que era a ortodoxia"

"Alimentei a fantasia de escrever um romance sobre um navegador inglês que cometeu um pequeno erro ao calcular sua rota e descobriu a Inglaterra".

Chesterton, simplesmente, quer deixar claro que quem procura a verdade, com sinceridade, vai acabar se deparando com o que ele chama de Ortodoxia, que nada mais é do que a Revelação cristã. Afinal, toda explicação correta nela encontra abrigo.

A Quarta Teoria Política

Desde o século XVIII, utopias e ideologias revolucionárias sucederam-se, constituindo-se invariavelmente de elementos antiliberais e anti-individualistas. Todas elas se levantaram contra as forças do mercado, a autonomia dos indivíduos, a livre competição e a liberdade, de maneira geral. Mostraram-se, invariavelmente, coletivistas e apostaram num sistema social planificado, executado por meio de um poder centralizado, formado por uma elite iluminada.

O professor Alexander Dugin as tem como modelos a serem seguidos, propondo que se dê, de alguma maneira, continuidade ao que elas começaram. No entanto, ele identifica nesses movimentos características modernas, as quais rechaça, propondo que sejam abandonadas. Assim, o Eurasianismo acaba se apresentando como uma espécie de evolução das ideologias predecessoras, porém sem os elementos modernos que as caracterizaram.

O Eurasianismo denomina a si mesmo de Quarta Teoria Política porque, segundo sua interpretação, houve três movimentos políticos anteriores e que, agora, chegou a hora da manifestação do quarto movimento. O primeiro desses movimentos teria sido o liberalismo, que é o que dá origem ao capitalismo e, consequentemente, ao globalismo. Nele, o ator político principal é o indivíduo. Todos as ideologias posteriores vão se levantar contra ele, inclusive, o eurasianismo. Em seguida, viria o comunismo, que se caracterizaria por ser, além de antiliberal e anti-individualista, coletivista. Seu ator político principal é a classe. No entanto, o comunismo, segundo a visão duginiana, teria falhado por ser ateu, materialista e por querer se sobrepor às nacionalidades, por meio de uma união comunista internacional. O próximo movimento seria aquele que o professor Dugin chama de Terceira Via, que nada mais é do que o fascismo que se manifestou na Itália e na Alemanha. Este teria uma característica anti-individualista também bastante forte e isso é louvado no eurasianismo. Seu ator político principal é a nação. O defeito do fascismo, porém, estaria em sua xenofobia e racismo.

Após essas três teorias políticas, a Quarta Teoria Política, representada pelo eurasianismo, seria como uma evolução delas. Na verdade, seria como uma lapidação, principalmente do comunismo e do fascismo. O que o eurasianismo propõe é que simplesmente tome-se as ideias anticapitalistas, antiliberais e anti-individualistas dos dois movimentos anteriores, além de seu coletivismo e de sua índole revolucionária, apresentando uma nova versão ideológica, abrindo mão apenas daquilo que diz ser moderno neles e incompatível com a Tradição.

Fica claro, portanto, que a Quarta Teoria Política nada mais é do que mais uma manifestação revolucionária. Ela possui o mesmo espírito destrutivo dos movimentos ideológicos anteriores. Apesar de afirmar que pretende estabelecer um respeito ao tradicionalismo, propõe o fim do mundo como o conhecemos. À maneira revolucionária, deseja que não se deixe pedra sobre pedra do modo de vida atual (inclusive suas conquistas democráticas e a favor da liberdade do indivíduo), para o restabelecimento de um tipo de sociedade que se supõe ter existido num passado longínquo.

No entanto, que novidade há nisso? Não foi exatamente isso que todos os movimentos revolucionários propuseram? Não é essa crítica à forma de vida contemporânea e o sonho de trazer de volta algo de uma Era de Ouro, quando tudo parecia ser melhor e mais saudável, que estão contidos nos escritos dos socialistas utópicos, desde o século XVI?

Além do mais, apesar do professor Dugin se apresentar com um tipo de apóstolo antimoderno, ele mesmo está tomado de modernismo. Apesar de possuir uma retórica tradicionalista, seus valores basilares são todos modernos. 

Em primeiro lugar, o professor Dugin afirma que sua concepção do indivíduo é absorvida de Heidegger (um filósofo moderno). O sujeito da Quarta Teoria Política deve ser encontrado no conceito heideggeriano de “Dasein” (ser aí/aqui). No entanto, o “dasein” é tipicamente um conceito moderno, pois configura o indivíduo não como um ser metafísico, ontológico, nem individuado, mas como potencialidade, basicamente. É um conceito existencialista, que praticamente despreza o ser enquanto ser permanente – o que não deixa de ser uma compreensão bastante moderna.

Outro conceito defendido pelo professor Dugin é a multiculturalidade. O tempo todo ele reclama da unipolaridade do imperialismo americano e reivindica a dissolução desse etnocentrismo. Porém, isso também é um conceito bem moderno, diferente da perspectiva tradicional que, baseada na centralidade da religião, era mais universalista.

Além disso, o professor Dugin é saudosista de um tempo que não conheceu, mas acredita ter sido superior em diversos aspectos. Porém, essa é outra concepção característica da modernidade que, desde o Renascimento (pré-moderno), busca, de alguma maneira, a restauração de formas antigas. O próprio Rousseau propunha algo desse tipo. Praticamente todos os socialistas utópicos propuseram isso. Hitler propôs isso. Apenas o marxismo tentou evitar cair nesse saudosismo, mas nem ele pôde evitá-lo, quando pensou no comunismo como um sistema de vida semelhante aos tempos primitivos, quando não havia divisão de classes. De qualquer forma, esse saudosismo é mais um elemento moderno existente numa ideologia que se apresenta antimoderna.

Com tudo isso, considero demonstrado que o Eurasianismo (denominado de Quarta Teoria Política) é uma teoria contraditória, pois, apesar de sua retórica tradicionalista, não passa de uma ideologia revolucionária e apesar de seu apelo antimodernista não deixa ele mesmo de ser essencialmente moderno.

A Sociedade Holística

O que atrai a simpatia de muitos conservadores brasileiros para o discurso duginista é o seu constante apelo à Tradição. O professor Dugin se apresenta como um verdadeiro apóstolo da filosofia perene e diz querer salvar o mundo da modernidade que o está destruindo.

Segundo o professor Dugin, esses valores modernos têm como princípio o mais puro individualismo, que é a causa de toda competição, egoísmo e materialismo que os caracterizam.

Isso, segundo ele, gera uma sociedade fragmentária, na qual não há qualquer senso de cooperação, nem identificação coletiva. Uma sociedade sem fraternidade e sem unidade.

As mais afetadas por essa influência ocidental sobre todo o mundo seriam as identidades nacionais que, corrompidas pela mentalidade individualista e competitiva que o Ocidente disseminou, enfraqueceram-se.

Por isso, Dugin entende ser importante resgatar um tipo de sociedade que ele chama de holística, a qual se caracteriza por ser, à maneira de comunidades antigas, mais orgânica e hierárquica.

Na visão do professor Dugin, esse tipo de sociedade holística é naturalmente mais fraterna, mais ordeira e mais voltada para a preservação daqueles valores que o mundo moderno destruiu.

Portanto, a proposta eurasiana acaba sendo coletivista. O mundo que ela quer erigir não preza, definitivamente, pela autonomia do indivíduo. Pelo contrário, sua preocupação concentra-se na unidade social e na identidade coletiva, bem à maneira fascista.

Por isso, o eurasianismo vai propor abertamente o confronto direto contra o Ocidente e contra aqueles valores que Dugin vai dizer que, por meio do projeto globalista, têm corrompido o mundo inteiro. Sua luta é, de fato, contra a liberdade que o mundo ocidental propugnou desde o advento de suas democracias liberais.

O truque eurasiano, porém, é identificar toda a libertinagem que há no mundo com a liberdade que o Ocidente promove. Parece que toda depravação que existe é oriunda do Ocidente e que o Oriente é um oásis de puritanismo. O que ele esquece é que o Ocidente sempre foi sustentado por princípios claros de comportamento, baseados em seu alicerce cristão, enquanto toda a liberalização sempre foi patrocinada exatamente por aqueles mesmos que estão do outro lado, promovendo ideologias coletivistas e revolucionárias.

Inclusive, o professor Olavo de Carvalho adverte-nos que a corrupção ocorreu principalmente do Oriente para o Ocidente, através da infiltração que os governos comunistas fizeram, direta e indiretamente, nas instituições ocidentais.

Além do mais, o professor Olavo vai lembrar-nos que os defensores dessas sociedades coletivistas não possuem qualquer moral para julgar o Ocidente, afinal foram exatamente essas sociedades, por meio de seus governos, que cometeram as maiores atrocidades da história. Especialmente a Rússia, com o seu projeto comunista soviético, foi a responsável por milhões de mortes no século XX.

Sempre é bom destacar que o coletivismo possui uma retórica encantadora. Desde o princípio, ele declara que busca liberdade, igualdade e fraternidade. Na prática, porém, mostrou-se intolerante e violento, sufocando qualquer tipo de manifestação livre do indivíduo, além de justificar toda forma de totalitarismos que, com a desculpa de agir pelo bem comum, fazem dos cidadãos seus escravos.

Na verdade, apenas o individualismo (no sentido filosófico desse termo) é capaz de gerar um ambiente solidário. Isso porque apenas ele permite a expressão da fraternidade espontânea. Afinal, é o individualismo, como a forma de vida que protege o cidadão da tirania governamental e coletiva, que respeita a integridade da pessoa humana.

Por isso, quem imagina que o sonho eurasiano representa algum tipo de libertação dos povos ou de promoção da liberdade do indivíduo engana-se completamente. Ele não passa de mais uma ideologia totalitária, com a mesma retórica de fraternidade e igualdade que todos os movimentos revolucionários usaram desde pelo menos o século XVIII.

Vítima do Projeto Globalista

Na ideologia eurasiana, os Estados Unidos aparecem como os pivôs de um projeto de dominação global, que pretende implantar, no mundo inteiro, seu estilo de vida, seu modelo econômico e sua democracia liberal.

Porém, o eurasianismo entende que esse modelo americano nada mais é do que a expressão do indvidualismo, a encarnação da mentalidade materialista, a manifestação do racionalismo iluminista e a dinâmica da sociedade aberta popperiana.

O eurasianismo conclui, então, que essa exportação forçada do modelo americano representa a corrupção do mundo, com o consequente enfraquecimento das manifestações tradicionais dos povos e fragilização das soberanias nacionais.

O professor Olavo de Carvalho, porém, em sua contestação, lembra, antes de tudo, que o projeto de dominação global, arquitetado por ocidentais, não é o único existente, mas concorre com outros dois, a saber, o Russo-Chinês e o Islâmico.

O projeto Islâmico nada mais é do que uma consequência da própria teologia muçulmana, interpretada politicamente, que convoca seus fiéis a expandir a fé islâmica por todo o mundo, nem que seja à força; o projeto russo-chinês, do qual o eurasianismo é sua expressão mais atualizada, nada mais é do que a continuidade da velha utopia comunista, com algumas adaptações, mas conduzido pelos mesmos personagens – afinal, toda a elite russa é composta por ex-membros da nomenklatura soviética, que saíram da URSS milionários e mais poderosos do que nunca.

Quanto ao projeto de dominação global ocidental, o professor Olavo de Carvalho não nega sua existência, inclusive atribuindo a ele o nome de Consórcio, mas contesta a interpretação do professor Dugin de que esse é um projeto americano. Segundo o professor Olavo, os Estado Unidos, especialmente seu povo, são uma vítima do Consórcio, que os usa – de sua prosperidade e poderio militar – para a consecução de seus próprios objetivos.

Isso porque o americano médio é nacionalista e cristão. Sua cultura é baseada na valorização do indivíduo e em sua proteção contra os poderes deste mundo. A Constituição Americana é totalmente fundamentada nesses princípios, inclusive reconhecendo os direitos dos cidadãos diante de seu próprio governo.

Sendo assim, esse nacionalismo americano acaba sendo um entrave para as pretensões do Consórcio, que são alicerçadas numa ideia coletivista. Os globalistas insistem, por meio dos movimentos que patrocina, que, antes de tudo, importa a coletividade e os interesses do todo. O ambientalismo é o exemplo notório desse tipo de mentalidade, que sufoca o indivíduo em favor de um suposto direito coletivo.

O povo americano configura-se como um obstáculo que os globalistas precisam superar e fazem isso, antes de tudo, tentando corromper sua cultura. Portanto, diferente do que afirma o professor Dugin, não são os Estados Unidos que corrompem o mundo, mas os globalistas, muitas vezes em conluio com outros grupos – inclusive os russos, com a notória infiltração cultural marxista e institucional comunista – que fazem de tudo para corromper os Estados Unidos. O fato é que o projeto globalista esforça-se por sufocar o nacionalismo americano, enquanto usurpa suas riquezas e usa de suas instituições.

Na verdade, todos esses três projetos de dominação: o russo-chinês, o islâmico e o globalista, possuem um inimigo comum: o cristianismo, conforme expressão de fé de pessoas individuais e independentes das forças governamentais. Todos esses projetos expressam um ódio extremo pelo individualismo cristão. Para eles, a fé não pode se ruma expressão do homem em sua individualidade, mas, quando não for simplesmente extinguida, deve servir aos interesses do Estado.

Por isso, não dá para se empolgar com qualquer proposta vinda dos ideólogos russos. Nós que valorizamos a fé individual e a liberdade de consciência não podemos nos iludir com qualquer proposta oriunda de quem acredita que essa autonomia é um problema.

Breve Introdução ao Eurasianismo

Há uma guerra acontecendo, com o potencial de acarretar sérias consequências a todo mundo. Diante disso, acredito ser importante fazer uma análise mais aprofundada sobre as razões ideológicas que existem por trás das ações do governo de Vladimir Putin, e que estão além dos motivos geopolíticos e econômicos declarados.

Nem todo mundo sabe, mas Putin possui como que um conselheiro permanente em assuntos estratégicos. Alexandr Dugin é a mente por detrás de muitas das decisões do presidente russo e o principal responsável por fornecer para o governo uma estrutura ideológica que lhe dê sustentação.

Há dez anos, o professor Dugin – que possui alguns admiradores aqui no Brasil – foi convidado para um debate, por escrito, com o professor Olavo de Carvalho. O debate, então, transformou-se em um livro, chamado “Os Estados Unidos e a Nova Ordem Mundial”. Nele, a ideologia duginiana foi exposta e devidamente contraditada pelo professor Olavo. Nas próximas linhas, farei uma síntese daquilo que Dugin expôs, para que possamos começar a entender o seu pensamento.

Segundo o professor Dugin, depois do fim da guerra fria, nasceu uma Nova Ordem Mundial, baseada na cooperação entre os EUA e a URSS. No entanto, com a dissolução desta, os Estados Unidos passaram a buscar o controle hegemônico da política e da economia mundiais. Para isso, eles apostariam em três vias concomitantes: a do Império Americano (da preferência dos neocons), a da unipolaridade multilateral (da preferência dos democratas) e o do simples e direto governo mundial (delineada nas mesas do CFR).

Tudo isso porque, conforme pensa Dugin, os EUA enxergam a si mesmos como o pico da civilização e o fim da história. Com isso, entendem-se obrigados a impor uma ordem global unilateral, tendo seu estilo de vida como o modelo a ser seguido em todo o mundo. Nessa tentativa de imposição, os EUA estariam promovendo um período de transição, que seria a passagem do liberalismo para um tipo de pós-humanismo, com a destruição de qualquer entidade social holística e com a fragmentação e atomização da sociedade.

O que Dugin quer dizer é que os Estados Unidos querem impor o seu estilo de vida, baseado na competição, no individualismo e no materialismo sobre todo o mundo, sufocando as formas mais tradicionais e naturais de existência, dissolvendo as identidades nacionais e desprezando as raízes culturais dos povos.

Porém, explica Dugin, contra essa ordem americana, existem grupos que se opõem, propondo configurações globais alternativas. Um deles seria o mundo islâmico e outro o neo-socialismo. Porém, há também o eurasianismo, o qual o professor representa. O Eurasianismo propõe simplesmente a divisão do mundo em grandes espaços, com a união de nações através da comunidade de valores e princípios. Seria, então, um mundo repartido em blocos ideológicos, cada um possuindo seu próprio estilo de vida e, consequentemente, sua própria maneira de viver, incluindo aí, seu próprio sistema econômico. A proposta eurasiana é o rompimento com a ordem político-econômica global, como ela vem sendo desenhada, para apresentar um modelo alternativo, que, se diz não querer dominar o mundo inteiro, certamente quer ter autonomia para dominar as nações que estiverem sujeitas à sua própria ordem.

Sendo assim, é um objetivo manifesto da ideologia eurasiana fazer com que a Rússia rompa com o sistema global atual. Isso significaria, segundo sua perspectiva, a libertação em relação ao imperialismo americano e uma verdadeira independência daquilo que é considerado por ela como uma imposição de uma forma de vida que é uma afronta às tradições e história russas.

Há diversas teorias que sustentam a ideologia eurasiana e que precisam ser compreendidas com mais profundidade. Por ora, é preciso entender que se trata de uma ideologia revolucionária, com elementos socialistas e fascistas, que tem como objetivo não apenas romper com uma ordem imposta desde fora, mas que pretende criar uma nova ordem, da mesma maneira autoritária.

O Preço da Ordem e da Segurança

Muitos sonham com uma sociedade totalmente ordenada e plenamente segura, pois entendem a ordem e a segurança como valores absolutos.

Ninguém pode negar que a ordem e segurança são necessárias, mas quando se tornam absolutas destroem nossa humanidade.

Se tudo está ordenado, tudo é previsível, impedindo a manifestação da criatividade; se tudo está seguro, tudo está sendo monitorado, cerceando completamente a liberdade.

Como a criatividade e a liberdade são expressões da razão e a razão é o que nos faz humanos, pode-se dizer que em um mundo totalmente ordenado e completamente seguro nossa humanidade é mitigada.

Ordem e segurança são necessárias, mas precisam ser temperadas.

Sempre é bom lembrar que o Inferno de Dante era um lugar muito bem organizado e completamente vigiado.

É estranho dizer isso, mas, se quisermos nos manter humanos, precisamos preservar alguma desordem e insegurança.

Direito de Duvidar

Em outros tempos, os inteligentes eram os contestadores. Lembro-me de como se valorizava a pessoa não conformada e que não se rendia às imposições do sistema. Hoje, parece que as coisas mudaram.

Gente bem instruída tem defendido que existem coisas óbvias demais para serem contestadas. Não se engane! Elas não estão se referindo a Deus ou a algum absoluto metafísico, mas a questões naturalmente discutíveis, como experiências científicas, interesses financeiros e jogos políticos.

São pessoas educadas, que têm aceitado – quando não instigado – a censura prévia daqueles que ousam questionar algumas certezas que não parecem certas o suficiente.

Não satisfeitas, acusam os questionadores de obtusos. Afinal, para os censores, há realidades evidentes demais para que se permita levantar dúvidas sobre elas.

No entanto, nada é óbvio para quem olha com atenção.

Somente uma pessoa inteligente é capaz de duvidar. Isso porque apenas alguém com o imaginário expandido tem condições de antever possibilidades, percebendo as diferentes formas como o objeto observado pode se manifestar.

Os inteligentes percebem que aquilo que se manifesta de uma maneira pode também se manifestar de outras. Por isso, para eles, não é que o óbvio não exista, mas se trata de exceção. Observe o mundo, tente identificar o indubitável e verá que quase nada se encaixa nessa definição.

Por isso, a dúvida, sendo necessária para quem pretende enxergar além das aparências, longe de ser uma característica de ignorantes, é, na verdade, um indício de sabedoria. Somente a pratica quem não tem ainda a mente cativa.

Não estou falando dos paranoicos que, por falta de capacidade de discernimento, criam uma realidade alternativa para onde não param de olhar e de onde tiram todas as explicações. Estes não duvidam de nada. Apenas trocam uma certeza pela outra.

Falo, sim, da importância de se preservar o direito de duvidar. Este que é um exercício típico de todos os grandes pensadores que, não conformados às certezas desta vida, ousaram levantar sua voz para desafiá-las.

Sem a dúvida não há ciência, nem evolução. Somente ela pode tirar a humanidade de suas certezas estacionárias e permitir seu amadurecimento. Quando não se permite duvidar, resta apenas a opressão das certezas fabricadas.

Verdade Sequestrada

A censura, hoje em dia, é velada e, ao mesmo tempo, ampla. Houve épocas que o próprio Estado praticava-a. Porém, os termos eram mais bem definidos. Não havia a defesa de uma verdade absoluta, como se faz agora, mas de um regime. Era como se o governo dissesse claramente: “nós acreditamos que certas ideias são nocivas à sociedade porque representam uma ideologia que quer derrubar o sistema presente. Por isso, vamos proibir que se faça qualquer tipo de propaganda, explícita ou não, a favor dessa ideologia”. Os termos estavam postos e eram exatamente conhecidos. E por trás dela não havia a pretensão de uma verdade inegável, apenas a defesa de um regime político mesmo. Pode parecer uma censura menos justificável, mas certamente era menos hipócrita.

O que ocorre atualmente é diferente. Expressões, opiniões e ideias estão sendo previamente impedidas de circular. Quem se arrisca, está sujeito às sanções, como banimento dos veículos de comunicação, impedimento de faturamento e, em alguns casos, até uma conversinha com o delegado federal. Alguns, aqui no Brasil, acabaram inclusive presos.

Qual a diferença, porém, dos princípios que sustentam os censores da atualidade em relação aqueles que estavam ligados a determinados regimes políticos? A censura de agora é baseada na suposta defesa de verdades que se apresentam como indiscutíveis. Não se alega o combate contra uma ideologia nem a proteção de um sistema de governo, diz-se simplesmente que os censurados mentem. A defesa da verdade é o motivo da censura. Porém, que verdade é essa que não suporta a contradição?

Por mais incrível que pareça, os censores dizem defender a verdade científica, aquela mesma que só pode ser alcançada após intensos debates e que sequer se pretende no direito de pronunciar-se dessa maneira, pois faz parte da sua natureza estar sempre aberta para a apresentação de dados contraditórios.

Estamos, então, diante do pior tipo de absolutismo. A censura praticada tem sido pior até do que aquela baseada na religião, a qual, pelo menos, possuía claramente delineada a doutrina defendida. Além do que, era uma doutrina explicitamente defendida mesmo por aqueles que eram censurados. A censura era como que uma correção a um grupo que acreditava na mesma coisa que seus censuradores. O objetivo era evitar a cisão, a heresia.

No mundo de hoje, por tratar-se de um mundo plural, isso não tem mais nenhum sentido. Não existem mais crenças comuns, nem doutrinas universais que suportem o banimento de heréticos. Independentemente do quanto isso é positivo ou negativo, cada pessoa, teoricamente, tem o direito de acreditar no que bem entende, falar sobre o que bem entende e até divulgar essas suas convicções, sem que isso devesse lhe causar qualquer tipo de prejuízo.

No entanto, já não são mais doutrinas, nem teses, nem ideias que sustentam a censura, mas a simples defesa da verdade, a qual ninguém sabe quem a definiu e nem de onde surgiu. Simplesmente, uma dita verdade é lançada na cara de todo mundo que, mesmo sem ter qualquer relação com ela, é forçada a engoli-la.

Isso é bem estranho, pois como se pode falar de uma verdade imposta em uma sociedade que cultiva o pluralismo e o relativismo? Parece claro que isso tudo não passa de um pretexto para defesa de outros interesses muito mais mesquinhos.

O fato é que quando uma verdade está de antemão definida, a ponto de sequer poder levantar-se qualquer tipo de objeção contra ela, sob pena de sofrer as mais duras penas, significa que a sociedade alcançou um estágio de totalitarismo inimaginável até para as épocas de governos ditatoriais. Isso porque nestes, pelo menos, os motivos do censor eram evidentes, enquanto, agora, são ocultos.

Vivemos um período contraditório e perigoso. Enquanto parece que praticamente não existem mais ideologias, nem doutrinas que possam ser usadas para cercear a liberdade das pessoas, a criatividade humana foi mais longe e sequestrou a própria verdade para fazer isso. Por mais que seja uma verdade que ninguém sabe dizer por quem foi definida, ela está lá, firme e inabalável, ajudando a calar aqueles que dizem também querer revelá-la.

A verdade só se insinua onde a razão caminha livre. Essa que estão dizendo defender não pode ser a verdade, mas um simulacro, uma falsária que, mantendo a verdadeira encarcerada, toma seu lugar, porém, sem as sutilezas e complexidades da original, mas com rigidez, intransigência e brutalidade.

A Importância da Política

Em ano eleitoral, é bom preparar-se para testemunhar a diminuição sensível da diversificação dos temas tratados nos fóruns de debates espalhados pelos diversos meios de interação social. Chega um momento em que quase nenhum assunto parece mais ter relevância senão aquele que se refere exclusivamente à corrida pelos votos.

Nem é prudente tentar, nessas épocas, arriscar-se por materiais que não cuidem especificamente dos embates políticos do momento. Quem se dispõe a fazer isso tem muitas chances de ser rechaçado como um “alienado” ou alguém insensível ao problema primordial que a sociedade experimenta.

No entanto, apesar de reconhecer a importância da política, estou certo de que, dentre as coisas mais importantes, ela, sem dúvida, é a menos importante.

A política é o meio pelo qual os homens perseguem seus objetivos sociais. Seu caráter, portanto, é intermediário. O poder, que é o objetivo imediato da política, nada mais é do que o instrumento para agir na sociedade, a fim de melhorá-la.

Se a política é hipostasiada, porém, deixa de haver uma finalidade no seu exercício. Aqueles objetivos que se encontram além dela e que fazem parte de sua razão de ser deixam de existir, tornando-se, eles mesmos, meios de disputas. O que aguardava o efeito da ação política passa a fazer parte agora da própria política.

Os elementos absorvidos no jogo político, então, são destituídos de sua própria essência. Eles já não se mantêm instalados naquele nível do conhecimento que procura entender o que as coisas são. Sua natureza perverte-se, pois passam a fazer parte de um ambiente retórico, onde o que importa é a persuasão e as coisas, no máximo, podem ser tratadas como verossímeis.

A hiperpolitização rebaixa tudo ao campo das disputas verbais, transformando cada detalhezinho da existência em um potencial material de conflito. Todo fenômeno insinua-se como arma e seja qual for a forma como a realidade se manifesta, parece que sempre reclama posicionamento em um dos lados da trincheira.

Quando tudo se transforma em política, a própria política não tem mais razão de ser. A partir do momento que não há mais objetivos fora dela, todas as coisas passam a fazer parte do jogo de poder interminável, insolúvel e inescapável.