A sociedade está dando claras amostras de como ela é frágil e que basta uma ordem dada pelas autoridades para quase todo mundo sair correndo em direção daquilo que acreditam poder preservar suas vidas confortáveis.

Sim, porque a histeria coletiva que toma conta das pessoas é menos por um senso de sobrevivência do que pelo medo de ter restringidos os luxos que o mundo contemporâneo oferece.

Percebam como são as pessoas com melhores condições materiais as que mais histéricas ficam. São nas sociedades mais acostumadas à abundância que os mercados esvaziam mais rapidamente. Quanto mais as pessoas acreditam que têm a perder, mais elas se sensibilizam contra os fatores que podem causar a diminuição de seus confortos.

E quando eu digo isso, englobo até pobres, que também tem seus pequenos confortos, dos quais, ainda que incomparavelmente menores que os dos ricos, não querem abrir mão.

A pergunta que eu faço é: por que diante de tantos outros fatores de morte, muito mais violentos, as pessoas não se movimentam em massa para tentar proteger-se?

Simples! Por que esses outros fatores, apesar de serem mais letais, estão controlados socialmente, não afetando a vida cotidiana. Como são fatores que já foram absorvidos pela sociedade, ninguém deixa de viver sua vida normalmente. Por mais que as mortes por acidentes de carro, por exemplo, sejam absurdas, elas não afetam o dia-a-dia. Ninguém precisa abrir mão de nada por isso.

No entanto, diante do surto de uma nova doença, ainda que de letalidade inferior a outras, ninguém sabe o que fazer, levando a um efeito em cascata de desespero. Algo que cresce exponencialmente, não pela experiência de proximidade da morte, mas pela sensação de descontrole e pelo sentimento de falta de previsibilidade.

A consequência disso é que, ao testemunhar as atitudes transloucadas de auto-preservação dos outros, as pessoas começam a sentir que suas próprias vidas serão afetadas. Mas o medo delas não está no perigo de morte, que elas enfrentam todos os dias, em situações muito mais perigosas, mas da perda dos seus confortos diários.

Estamos tão acostumados com uma vida abundante, cheia de mimos e pequenos luxos que tornou-se impensável abandoná-los, ainda que por um tempo limitado. Ninguém quer ficar sem carne, sem papel higiênico, sem água quente, sem cerveja, nem que seja por alguns dias. Por isso, correm para os supermercados e enchem seus carrinhos para garantir que, durante a eventual crise, seus modos de vida não sofrerão o mínimo de impacto.

E tal atitude vai contagiando, de maneira muito mais rápida do que qualquer epidemia, o comportamento alheio, até tornar tudo um verdadeiro caos.