Há um certo tipo de reverência em relação a Deus que, em vez de exaltá-lo, serve apenas para afastá-lo. Sempre existiram homens que, no intuito de preservar o divino de blasfêmias e irreverências, acabaram por escondê-lo das pessoas, tornando-o um ser distante e diáfano, imperceptível e quase inconcebível.

É verdade que há aqueles que tratam Deus como se fosse uma mera figura mitológica, enquanto outros, na ânsia de demonstrarem intimidade, referem-se a Ele como se estivessem falando de um homenzinho qualquer. Porém, esses equívocos não justificam lançá-lo a tão altos céus que o mero fato de mencioná-lo pareça uma heresia.

Pelo contrário, apesar de sua infinita grandeza, Deus fez questão de aproximar-se dos homens, tornando-se, pode-se dizer, verdadeiro amigo deles. De uma maneira que constituiu-se loucura para os antigos gregos e escândalo para os judeus, Ele não permaneceu impassível em seu trono, mas rebaixou-se amorosamente, como um pai ao dobrar-se a brincar com seus filhos.

Por isso, ninguém deve temer dirigir-se a Deus, pois Ele está pronto para ouvir os homens. Na verdade, a reverência, tão exigida pelos mais escrupulosos, está muito menos na forma que no coração daquele que levanta sua voz e pensamento aos céus.

Há gente que, apesar dos sinais exteriores de respeito, possui uma alma tomada de intenções maléficas. Seus atos, então, são o pior tipo de blasfêmia, porque intentam ocultar do próprio Deus a verdadeira face de seus corações. Outros, porém, às vezes falham na forma, mas têm a certeza que dirigem-se a um Pai bondoso e esperam dele nada mais que sua ação misericordiosa.

Não que os ritos e as fórmulas sejam maus – longe disso! Porém, nada são quando praticados por quem apenas os repete sem considerar o verdadeiro objetivo para que foram criados. E é por causa disso que Deus disse que estava cansado daquilo que ele mesmo entregou, a saber, os sacrifícios e as festas. É que Ele sabia que eles haviam tomado o seu lugar e se tornado um fim em si mesmos.

A grande conquista cristã foi exatamente a abertura do céu. O que Cristo adquiriu foi a possibilidade de um contato mais íntimo e espiritual com o Criador. Querer impedir isso com a desculpa do risco da blasfêmia e da irreverência é como a noiva que nega-se a entrar na câmara nupcial alegando pudor – pode parecer virtuosa, mas erra no essencial.