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Argumentação é engenharia

A construção do argumento não é um trabalho de arte, mas de engenharia. Não é uma criação, mas uma edificação.

Por isso, proponho uma mudança de perspectiva nesse assunto. Comece a pensar o argumento não como algo que exige sua expressão criativa, mas seu cálculo, sua capacidade de ordenar as coisas.

Quando o argumento é visto como obra artística ele perde sua verdadeira essência. Ao tentar montar inventivamente um argumento, em vez de erigi-lo logicamente, o máximo que a pessoa consegue é amontoar as ideias. Às vezes, faz isso até de maneira criativa, mas não deixa de ser um amontoado. 

Não é à toa que as pessoas têm dificuldade de argumentar. Elas tentam parir o argumento, como se fosse algo a surgir de dentro delas e não a ser encontrado fora delas. O único resultado óbvio disso é a confusão.

É preciso entender que o argumento não tem origem no espírito humano. Um argumento não é o reflexo de nossa alma artística. Na verdade, o argumento existe antes de se pensar nele. Mas ainda, o argumento existe antes mesmo de nós mesmos existirmos. O argumento, na verdade, tem vida própria, autônoma. 

Por isso, o primeiro papel do argumentador é evocar os elementos do argumento, revelando a ordem que já existe entre as ideias. Por exemplo, o argumento “os homens pensam e os animais não, por isso, o pensamento é o traço distintivo do homem em relação aos outros seres” já existe na realidade. Quem o expressa não inventou nada, apenas replicou uma realidade já existente. Mesmo que ninguém jamais o houvesse expressado ou mesmo pensado nele, ainda assim, ele existiria. Por esse motivo, quem argumenta não inventa nada, somente traz à consciência algo que estava aguardando ser descoberto ou relembrado. 

O papel do argumentador é semelhante ao de um arqueólogo. Ele perscruta o argumento, descobre-o, evoca-o e reconstrói-o. O argumentador constata uma realidade e compartilha aquilo que constatou.  

Isso não significa que não haja um trabalho criativo a ser feito no processo de argumentação. No entanto, essa é uma atividade posterior. A linguagem, o estilo e os elementos persuasivos são acréscimos à revelação da ordem argumentativa. São como a arquitetura, a decoração e a arte do discurso, enquanto a ordem argumentativa é a engenharia.

Portanto, tenha em mente que, quando se constrói um argumento, em um primeiro momento, não são solicitadas suas habilidades criativas, mas suas capacidades lógicas. É um processo de ordenação, não de arte.

O paradoxo do argumento pragmático

O valor de algo não pode ser medido simplesmente pelos benefícios que ele parece oferecer. Este é o método que Perelman chamou de argumento pragmático. Porém, esta metodologia anula-se a si mesma.

É que esses tais benefícios precisam ser valorados também, e qual é o método usado para isso? O que fundamenta dizer que tal ou qual benefício é mais benéfico?

Se usássemos o princípio utilitário para isso, precisaríamos identificar também os benefícios que os benefícios oferecem, e assim indefinidamente. Isso não teria fim, pois, para se manter fiel ao sistema do argumento pragmático, em nenhum momento se poderia dar valor absoluto a nada.

O pragmatista vê-se preso em um paradoxo: ou ele se mantém fiel ao seu método e não pode dizer que nada é melhor que nada, porque todos os benefícios aparentes precisam ser colocados à prova, observando-se quais são os benefícios que esses benefícios oferecem, e isso indefinidamente, ou então precisa abrir mão de seu método e dar valor absoluto a esses benefícios. Se ele fizer isto, já não estará julgando nada apenas pelos benefícios, mas pelo valor que as coisas têm em si mesmas.

A argumentação na busca da verdade

Certa vez, um amigo questionou-me se eu acreditava que meus argumentos estavam sempre certos. De pronto, respondi-lhe que sim. Afinal, se eu não acreditasse nisso, que motivo teria para expô-los?

Eu sempre gostei de argumentar. Para mim, é como um exercício: ao mesmo tempo que cansa, fortalece. É que a argumentação exige raciocínio, e também coerência . Isso demanda concentração, consumindo energia mental. Mas também tonifica o cérebro, tornando-o capaz de desbravar mesmo idéias que parecem as mais obscuras.

No entanto, a força intimida, e quem demonstra ter um raciocínio robusto e bem treinado é visto como uma potência ameaçadora. Talvez por isso meu amigo tenha feito aquela pergunta. Talvez ele, simplesmente, tenha se sentido ameaçado.

Até certo ponto, isso é compreensível. Argumentos, com sua obsessão por dar razão a tudo, são tentativas de desmascarar o erro. E as pessoas não se sentem à vontade quando seus erros, geralmente baseados em idéias prontas, são perturbados.

Um argumentador compulsivo como eu, às vezes, é visto como um chato. Não só isso. Quem insiste em apresentar motivos sempre que fala parece arrogante, como alguém que faz de tudo para mostrar que tem razão.

Porém, é preciso ver as coisas por uma outra perspectiva. Quem reclama de um argumentador não percebe a grandeza do ato de argumentar. É que, como afirma Chaim Perelman, “para argumentar é preciso ter apreço pela adesão do interlocutor, pelo seu consentimento, pela sua participação mental”.

Uma pessoa só se esforça por apresentar fundamento para o que diz porque acredita que seu ouvinte é inteligente o suficiente para entender o raciocínio, justo o suficiente para poder ser convencido e importante o suficiente para merecer tal esforço. No fundo, o argumento – seja ele qual for – é um elogio.

Quem dera as pessoas abandonassem um pouco suas certezas estabelecidas e suas sentenças pré-formatadas e começassem a usar da argumentação como um meio, não apenas de apresentar razões, mas também de compreender a realidade. Afinal, um argumento não nasce na boca do argumentador, mas começa em sua mente, em uma conversa dele com ele mesmo.

Por isso, não se deve desprezar um esforço argumentativo, afinal, o primeiro a ser convencido por ele é o próprio argumentador e é isso que faz da argumentação um instrumento indispensável na busca da verdade.

PENSAMENTO E EXPRESSÃO

Uma coisa é saber algo, outra é transmiti-lo. Isso porque o que se sabe, ou seja, o conteúdo dos nossos pensamentos, sobrevive sem ordem. 

O fato e que é podemos saber muitas coisas sem que este conhecimento esteja devidamente ordenado em nossa mente. Por outro lado, basta tentarmos transmitir o que sabemos para então nos darmos conta de que boa parte das certezas que carregamos parecem bem vacilantes quando tentamos explicá-las.

É que a comunicação, diferente do pensamento, não aceita o caos. O pensamento subsiste tranquilamente na confusão porque ele se contenta mais com o significado das coisas do que com seus nomes. Ele sintetiza os conteúdos de maneira que as palavras importem menos do que os que elas querem dizer.

A comunicação, porém, é mais exigente. Ela obriga que as ideias e palavras emitidas sigam com ordem, uma devidamente após a outra, de maneira que a mais sutil alteração dessa ordem tenha o poder de afetar todo o conjunto.

Não é por acaso que existem diversos profundos conhecedores em suas respectivas áreas que, apesar de tudo, têm uma dificuldade terrível de compartilhar aquilo que sabem.

Autismo intelectual

Boa parte das pessoas com quem tenho contato argumenta muito mal. No entanto, percebo que o maior problema delas não está na forma como concatenam suas ideias, mas argumentam mal porque ouvem muito mal.

Apesar de identificar não ser incomum que muitos desses argumentadores possuam deficiências cognitivas sérias, ainda percebo que o maior problema que carregam é um severo autismo intelectual.

E com autismo intelectual quero dizer de uma tendência a, mesmo quando participantes de debates e discussões, onde pressupõe-se que todos os envolvidos devem ser considerados em suas exposições, fechar-se dentro de sua própria cabeça, revolvendo-se unicamente em seus próprios raciocínios, ignorando completamente as razões do que é dito pelos outros.

E como é típico do autismo, o que os outros expressam não é compreendido em toda sua força argumentativa e lógica, mas apenas em sua expressão mais superficial, causando, no autista intelectual, uma reação que nada tem a ver com o objeto da disputa, mas apenas com o mundo interno que o acompanha.

Por isso, acredito que para o desenvolvimento de uma mente sadia e de uma inteligência capaz de participar ativa, coerente e eficazmente de debates intelectuais, antes de qualquer treinamento argumentativo, filosófico ou cultural, a pessoa deve aprender a ouvir.

Saber ouvir significa ter a atenção despertada para o que acontece ao redor, para o que existe para além de si mesmo, para o que os outros dizem e para os eventos que estão fora de seu mundo interior. Saber ouvir é o princípio de qualquer atividade intelectual porque só assim é possível alimentar a mente para futuro uso do material absorvido.

E para aqueles que se envolvem em discussões, saber ouvir é o primeiro passo para bem argumentar. Afinal, em um debate, não existem bons argumentos se não aqueles que atacam o problema em seu âmago e que abordam exatamente aquilo que o outro está tratando. Sem isso, há apenas uma taramelagem enfadonha, que geralmente só tem sentido e importância para o tagarela que está falando.

Tempos ilógicos

O discurso da atual geração é, muitas vezes, paradoxal. Exalta a liberdade, ao mesmo tempo que cria mil formas de censura; apoia a diversidade, enquanto tenta calar o adversário político; prega o amor, mas não demora a estimular o ódio contra seus opositores. Dar ouvidos ao que ela diz, portanto, é de enlouquecer. Tentar agradá-la é frustrante. Continue Reading

Debates virtuais

Há duas formas de confronto de ideias para quem se dispõe a debater assuntos políticos ou religiosos. Fazendo analogia com um combate real, as partes podem entrar em uma guerra de canhões ou em uma luta de espadas. Continue Reading