Dentre as diversas características da Reforma Protestante, ninguém pode negar que muitas delas possuíam caráter revolucionário. No entanto, há pelo menos uma que era essencialmente reacionária: sua concepção filosófica (ou anti-filosófica).

Segundo Chesterton, Lutero fora a ponta final de uma vingança agostiniana. Grosso modo, ele quis dizer que no monge alemão eclodira uma previsível reação platônica, após séculos de uma revolução tomista-aristotélica.

A Igreja Católica, até a Idade Média, possuíra uma tendência platônica, o que, com Santo Agostinho, solidificou-se. Quando São Tomás de Aquino faz a conciliação de Aristóteles com Cristo, isto foi tido, por parte da Igreja, como uma revolução, senão uma heresia.

É bom lembrar que os estudos aristotélicos, naquela altura, vinham sendo feitos principalmente no Oriente, em especial, entre os filósofos islâmicos. Aproximar o estagirita da religião cristã parecia, para alguns, uma indevida associação com os adversários da fé.

Além disso, a concepção aristotélica parecia bem menos mística que a platônica (o que, de alguma forma, era verdade) e tida, por setores eclesiásticos, como um rebaixamento espiritual do sentimento religioso.

Ainda assim, o tomismo firmou-se. Mais ainda, passou a representar a perspectiva oficial da Igreja Católica. Tomás substituiu Agostinho; Aristóteles venceu Platão.

No entanto, os “derrotados” nunca se deram totalmente por vencidos. Houve, por todo o tempo do outono medieval, um sentimento agostiniano subjacente, que ansiava por retomar seus dias de glória e assumir, outra vez, o posto de verdadeiro sentimento católico.

Por todo o tempo entre Tomás de Aquino e Martinho Lutero, várias manifestações e personagens surgiram carregando e propagandeando essa visão mais sentimental, menos intelectualizada, mais mística, menos racional; enfim, mais platônica e menos aristotélica da fé cristã. Isso sinalizava que, em algum momento, uma revolta definitiva seria inevitável. Então surge o monge agostiniano, anti-aristotélico, para libertar de vez um espírito sufocado sob três séculos de racionalismo escolástico, o qual, naquele momento, jazia imperturbável.

A Reforma Protestante fora, portanto, a manifestação final de uma força que se debatia há muito tempo. Porém, se ela desencadeou ações revolucionárias e deu origem a ideias revolucionárias, tinha, no seu bojo, uma concepção essencialmente reacionária. A Reforma quisera, antes de tudo, anular, no século XVI, a revolução filosófica que Tomás havia iniciado no século XIII.