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Enfadonhas Certezas Políticas

Outro dia fui convidado para participar de um seminário sobre política. Depois das palestras, sempre há aquele momento que oradores e plateia se juntam para conversar mais pessoalmente. Não me furtei a isso. No entanto, confesso, não consegui ficar mais do que vinte minutos no local.

No dia seguinte, encontrei-me com meus alunos de filosofia e foi como um bálsamo. Passei o dia inteiro com eles e ficaria mais. A diferença é que enquanto aquelas pessoas do dia anterior tinham certeza de tudo, teoria sobre tudo, respostas exatas sobre as questões mais complicadas do mundo e as soluções para os problemas mais complexos da sociedade, meus alunos tinham principalmente dúvidas.

Pessoas muito certas do que falam costumam ser chatas porque não há espaço, no diálogo com elas, para o aprendizado. Há apenas a exposição do que se pensa que se sabe. Geralmente, quem participa de movimentos políticos já escolheu um lado, possui uma ideologia pronta, tem uma visão de mundo bem estabelecida. Uma conversa de cinco minutos com qualquer pessoa desse tipo, por isso, torna-se enfadonha, pois não passa de um desfile de teorias e convicções.

Toda vez que troco palavras com pessoas ligadas à política me frustro. Não porque não gosto de falar sobre política – pelo contrário –, mas costumo fazer isso tentando levantar mais suspeitas do que certezas. Consciente da dificuldade que existe na colheita dos dados que devem formar meu conhecimento, prefiro tomar as informações como temporárias e suspendo os julgamentos o máximo que eu posso. No entanto, isso é visto nos meios políticos como falta de engajamento, como isenção. Neles, se a pessoa não tiver muito claro o que está ocorrendo no mundo, quem são os inimigos a se combater e os objetivos a se buscar ela é vista como alguém que mais atrapalha do que ajuda.

Na política, não há muito espaço para questionamentos. Simplesmente, você precisa entrar nela já certo de todos os movimentos que ocorrem na sociedade, com todas teorias sobre as forças que existem bem estabelecidas em sua mente. Qualquer vacilo quanto a tudo isso é sinal de fraqueza.

A militância política é o exato oposto do que se espera de uma personalidade filosófica. Esta, apesar de buscar a verdade e perseguir a certeza, tem como princípio a dúvida e como primeira lição o mapeamento da própria ignorância. Uma mente filosófica compreende a complexidade do mundo e sabe que os fatos são sobrepostos. Por isso, ela entende que as primeiras impressões que tem sobre o que acontece geralmente não refletem a verdadeira natureza das coisas nem a essência dos fatos.

Se a filosofia propõe mais perguntas do que oferece respostas não é porque se delicia na dúvida, mas por querer encontrar uma verdade que seja inabalável e sabe que, para isso, tem de rastrear os dados com muito cuidado e parcimônia.

Não é por acaso que minhas conversas com os alunos de filosofia são deliciosas: elas não possuem aquela certeza apressada de quem acha que pode entender o mundo com base em algumas informações confusas. O verdadeiro estudioso de filosofia é humilde, no sentido mais exato desse termo, sabendo sua posição no mundo e seu estado atual de conhecimento, estando, assim, mais abertos ao aprendizado mútuo. Por isso, apesar de não haver certeza sobre muitas coisas, os diálogos com eles são muito mais frutíferos.

Vacilos humanos

É proibido ter dúvidas. Seja qual for o meio do qual façamos parte – negócios, intelectualidade, religião – parece que a incerteza é condenável.

Aprendemos que o sucesso é para os que não titubeiam, a verdade daqueles que possuem uma convicção inabalável.

Demonstre um mínimo de indecisão e será tachado de fraco, incrédulo, burro.

Somos todos humanos, mas o que esperam de nós é uma qualidade sobre-humana. Querem que sejamos aquilo que a nossa natureza não consegue ser.

Nosso estado natural é sempre vacilante, porque ser assim faz parte da nossa estrutura e das nossas possibilidades.

O que caracteriza a mente normal são as dúvidas, os conflitos, o vacilo. Só os loucos não duvidam de nada, só os psicopatas não hesitam.

Por isso, toda afetação de certeza absoluta, de segurança inabalável, só pode ser fingimento ou alienação.

Nós não podemos saber tudo, nem ter certeza de tudo. Cada pensamento, cada ato, cada palavra dita, vêm carregados de indefinições e obscuridades e mistérios que nos dão a única opção de esperar que um dia se resolvam.

Assim, resta-nos seguir em frente aprendendo a conviver com essas limitações.

Aliás, esta é a grande arte do ser humano: desenvolver a capacidade de erigir suas obras sobre terreno movediço.

O fogo do altar científico

Um abandono gradativo do senso comum caracteriza a forma de pensar do homem inteligente da modernidade. Em sua pretensão de ser racional, passou a fiar-se mais em sua cabeça – mas uma cabeça que parece plainar solta pelo mundo. O que ele sabia deixou de ser o que simplesmente sabia, seja de que forma fosse que tivesse vindo a saber. Passou a valer somente o conhecimento que podia explicar, principalmente se pudesse fazer isso pelas estritas regras do discurso lógico.

Obviamente, esse racionalismo logo deparou-se com diversas limitações. Ele constatou que muitas provas precisavam ser materializadas, pois muitas coisas exigiam mais do que uma mera explicação. Em vez, porém, de recuar à sabedoria anterior, que, sobre muitas coisas, sabia que sabia e satisfazia-se com isso, os racionalistas foram ainda mais longe e acrescentaram ao raciocínio a exigência de experimentação.

Tudo aquilo que era um ingênuo e imediato conhecimento da verdade ficou suspenso, até que a sapiência pudesse testá-la materialmente e explicá-la discursivamente. Deixou de existir a evidência direta e a verdade tornou-se um conceito. A certeza transformou-se em algo raro, difícil de ser obtido e completamente dependente de elementos externos.

A verdade ficou tão difícil de ser comprovada que era óbvio que o próximo estágio seria a própria desconfiança sobre sua existência. Fizeram tantas exigências para a certeza, que chegou um momento que ela já não se mostrava, tornando tudo duvidoso.

Mas os homens modernos eram racionais demais para simplesmente tornarem-se céticos; confiavam demais em sua inteligência para simplesmente tornarem-se cínicos. Transformaram-se então em cientistas e elevaram sua deusa, a Ciência, como magistrada universal de todos os juízos.

Hoje, só é verdade o que a Ciência diz que é. Não importa a convicção subjetiva, a evidência direta, o senso comum – o que não passa pelo fogo do altar científico não tem sequer o direito de reivindicar seu lugar no mundo.

A certeza dos relativistas

Há uma confusão que reside na mente de alguns iluminados que se consideram exemplos de fé inabalável: entender o vacilo do outro como relativismo. Insensibilizados pela própria arrogância e confundidos pela própria ignorância, acusam quem mostra algum tipo de hesitação, tipicamente humana, de serem propagadores de relativismo. No entanto, relativismo não se confunde com dúvidas ou vacilos de fé. Enquanto estes se manifestam por situações relativas à experiência, como algum tipo de frustração ou pessimismo, o relativismo caracteriza-se por uma certeza intelectual: a de que tudo é relativo. Continue Reading