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O filme Replicas e a localização da consciência

O filme “Replicas” (Cópias – de volta à vida) parte de um pressuposto do qual eu não comungo, mas que está de acordo com o entendimento da quase totalidade dos cientistas e neurobiólogos do mundo inteiro: a de que nossa consciência reside em nosso cérebro.

O roteiro trata de um cientista que trabalha em um projeto de transplante de consciência. A ideia é conseguir com que todos os dados, incluindo a memória, as sensações e a autoconsciência, sejam possíveis de ser transmitidos de um cérebro orgânico a um outro sintético. Pega-se uma pessoa recém-falecida, sem avarias cerebrais, e “ressuscita-a” em um outro cérebro, sob um outro corpo, criando assim uma réplica autoconsciente.

A premissa subjacente do motivo do filme é a de que a nossa consciência está limitada ao nosso cérebro. Portanto, se houver um desenvolvimento de uma tecnologia capaz de transferir os dados de um cérebro para o outro, isso permitiria que a vida das pessoas fossem continuadas, ainda que em cérebros e corpos diferentes*.

Sinceramente, eu não acredito nisso. Penso que temos uma consciência que está fora e além do corpo; que até depende do corpo para se manifestar nesta vida, mas que supera em muito nossa biologia.

Alguns estudiosos, como o dr. Larry Dossey, chamariam isso de Mente Una, outros de consciência coletiva. Eu não sei se eu iria tão longe, mesmo não descartando completamente a hipótese de uma participação em algo que esteja além do indivíduo

Eu apenas penso que nossa mente não está confinada no cérebro e que existe além dele, talvez anterior a ele, e que sobreviverá a ele de qualquer maneira.

Por causa disso, eu entendo que o cérebro atua mais como um instrumento, um órgão executor da consciência, que auxilia a consciência para que ela se manifeste nesse mundo, mas que, exatamente por isso, se torna um limitador dela.

Diferente da percepção comum, apesar de entender a importância do cérebro para a ordenação dos dados tratados pela consciência, penso que ele acaba restringindo-a, como um canal apertado por onde ela precisa passar.

Por isso, acredito que o pressuposto do filme é inaplicável, pelo menos na dimensão proposta por ele.

Talvez, um dia, seja possível até transmitir dados entre cérebros, mas transplantar a consciência penso ser um objetivo inalcançável.

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* Uma outra série com uma premissa semelhante chama-se Altered Carbon.

Meia-noite em Paris

Estaria, o homem de cultura, determinado a sofrer com a chamada “Síndrome da Era de Ouro”, condenado a enxergar o passado sempre como uma época superior e a lastimar todas as coisas que, imagina, eram melhores e foram perdidas? A pergunta que a estória de Woody Allen, Meia-Noite em Paris, faz são estas. De uma maneira um tanto surreal, com uma leveza surpreendente para o casting de atores escolhidos e sem perder a estética de um filme moderno, ele brinca com a ideia de seu personagem, um escritor apaixonado pela literatura dos anos 20, poder viver, ainda que por alguns instantes, naquele período visto como mais atraente e estimulante.

E quantos de nós, muitas vezes, não temos saudade do que não vivemos, derramando pesadas reclamações sobre nossa própria época, acreditando que tudo hoje está perdido, restando, talvez, se refugiar nos documentos que nos remetam aos tempos áureos, quando as pessoas eram mais felizes, mais inteligentes e mais satisfeitas?

De fato, quase não há como fugir de tais sensações. Isso porque a pessoa que pensa, que medita sobre a realidade, acaba, por conta de sua sensibilidade e perspicácia, captando as mazelas da vida, percebendo que muitas coisas não estão no lugar que deveriam estar. Inescapavelmente, o homem que reflete acaba por olhar para trás, para o passado, mesmo aquele que ele mesmo não viveu, e o toma como uma época melhor que a sua, quando o mundo parecia mais harmonioso, menos superficial e mais inspirador.

Ao fazer isso, porém, acaba não notando que tais sentimentos não são próprios de seu tempo, mas de todos os tempos. Os intelectuais do passado também se lamuriavam pelas virtudes abandonadas pelos seus contemporâneos. Desde os pensadores romanos, como Cícero, Marco Aurélio, Sêneca e Varrão, passando por toda a intelectualidade ocidental até os dias de hoje, a exclamação O Tempora O Mores*, fora exprimida por cada um, de sua própria maneira, em sua própria língua, em seu próprio tempo.

Também não percebe que, ao lançar para o passado todas as virtudes e todos os bens, acaba por abandonar sua própria realidade, deixando de a ter como uma oportunidade para fazer o que deve ser feito. Não que as degradações não sejam progressivas, nem que, cada vez mais, o mundo não pareça inexoravelmente mais corrompido e insolúvel. Porém, apesar de tudo, este é seu tempo, esta é sua vida e aqui estão suas possibilidades e, principalmente, oportunidades. Negar isso, de alguma forma, é negar a si mesmo, de uma maneira que, ao invés de fazê-lo superior, torna sua existência vazia e sem sentido. O que uma pessoa é depende do que ela faz com que está a sua disposição, em seu momento presente, e é sobre isto que ela deve trabalhar a fim de transformar sua presença neste mundo minimamente relevante.

Eu mesmo acho minha época deprimente. Não sou nem um pouco entusiasta de minha geração. A impressão que tenho é que o mundo fora melhor sempre e que, neste instante, quando existo, ele vive sua fase mais degradante. Mas, seria, por isso, a fuga para o passado a solução para este mal? Certamente, não.

No entanto, se os males presentes são reais e se simplesmente retornar a um passado fantasiosamente glorioso não é a solução, como manter a esperança na existência humana e torná-la, ao menos em si mesmo, algo de valor? A resposta do filme, que talvez tenha ficado escondida para alguns olhares menos sensíveis, é que há valores universais que permanecem e são neles que iremos encontrar os fundamentos para a própria existência. Talvez, no roteiro, isso tenha sido simbolizado pela própria Paris, cidade das luzes, mas é certo que havia algo mais ali. Não são apenas as luzes de uma cidade que permanecem, mas os olhares é que se renovam. E se Paris, de alguma maneira, mantinha seu charme, é porque, apesar das mudanças, permanecia nela algo inalterável. Assim é a vida! Podem ocorrer mudanças e degradações visíveis, mas sempre haverá valores fundamentais que permanecerão. E são sobre estes que o homem sábio fincará seus alicerces.

* Ó Tempos! Ó Costumes! Exclamação de Cícero contra a depravação de seus contemporâneos.

O vazio da nossa geração

É interessante a quantidade de filmes, desde os anos 90, que tratam da falta de sentido. São roteiros sem trama, sem estórias, que apenas mostram a completa ausência de razão para a vida. Normalmente, com personagens jovens, que refletem como esta atual geração não sabe para onde vai, nem quem é, esses filmes me parecem ser, simplesmente, o espelho do nosso tempo.

As gerações mais afetadas por essa ausência de sentido são daquelas pessoas nascidas entre o final dos anos 60 e o comecinho dos 80. Eles são os herdeiros daqueles idealistas que queriam mudar o mundo, que balançaram o planeta com suas bandeiras de libertinagem e amoralidade e legaram para seus filhos nada mais do que ilusão.

Os filhos do amor livre viram seus pais traírem a si mesmos. Estes se tornaram o oposto do que diziam ou, simplesmente, se afundaram naquela visão utópica da vida, que na realidade mostrou-se bem menos florida do que eles mesmos acreditavam. São pais sem autoridade, sem força e sem visão. Abandonaram os princípios e agora que precisariam deles não sabem o que fazer.

Quando esses novos roteiristas apresentam essas películas niilistas percebe-se quase um desespero, uma tentativa de encontrar por detrás dessa total falta de razão algum sentido oculto. Mas que sentido pode haver em uma existência sem fundamentos e sem transcendentalidade? Infelizmente, para esses autores, não há sentido mesmo.

Não há onde buscar algum motivo para a vida quando seus alicerces foram lançados longe. O resultado, então, é a completa falta do que falar, a dificuldade em enxergar algum rumo.

Paradoxalmente, sempre quando assisto alguns desses filmes, eles me fazem pensar talvez até muito mais do que pretendem seus próprios criadores. Me fazem refletir o esforço que a minha geração tem feito para entender a si mesma e o quanto ela tem falhado nessa busca. Me fazem entender, enfim, que enquanto ela não olhar para trás, onde estão os fundamentos de toda a existência e para o alto, onde está a razão de todo o ser, ela vai continuar meditando sobre o nada que é como se apresentam seus próprios dias.