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Não sou politicamente incorreto

Eu não tenho nenhum prazer em ser politicamente incorreto. Este é apenas um rótulo que dão àqueles que não falam o idioma de quem se pensa justiceiro social. No meu caso, porém, não há qualquer alegria em não me expressar nessa língua.

A única coisa que eu quero é ter a liberdade de descrever as coisas como as vejo. Se vejo homem, digo homem; se vejo mulher, digo mulher; se vejo branco, digo branco; se vejo preto, digo preto. Só isso! Não sou politicamente incorreto, apenas falo como gente normal.

Às vezes, dou-me até o direito de usar algumas figuras de linguagem, mas nunca com intenção de agredir, acredite! É que a linguagem não pode ser apenas descritiva. Dizer “o negão é gente boa” é muito mais humano e sincero e real do que falar “o afrodescendente é uma pessoa justa”. Nem mesmo chamá-lo pelo nome tem o mesmo efeito. É frio, é distante…

A linguagem precisa ser mais do que uma sequência de palavras corretas. Ela contém a própria alma humana nela. As expressões que se escolhe, nas circunstâncias que se apresentam, falam mais do que qualquer uso pretensamente correto.

É bem possível chamar alguém de afrodescendente sendo agressivo, como referir-se ao amigo como negão com todo amor do mundo.

A comunicação é a expressão do espírito, o meio que ele usa para expor-se. Por isso, querer restringir a expressão é, no fundo, o desejo de restringir o espírito. Controlar a linguagem é apenas mais uma forma de aprisionar a alma.

Mas espírito humano não pode ser encaixotado. Por isso, o controle das intenções por meio da restrição linguística é uma ilusão. No entanto, pressupõe uma ideia que já havia sido prenunciada na década de 30, por Edward Sapir e Benjamin Lee Whorf, que inverteram o senso comum, que entendia que o pensamento moldava a linguagem, e propuseram exatamente o contrário: a linguagem seria a responsável por moldar o pensamento.

A partir daí, o comichão totalitário aguçou-se. Todos aqueles grupos que sonhavam em controlar a sociedade acreditaram encontrar na manipulação da linguagem uma forma de modelar a mente das pessoas.

Portanto, todo esse movimento politicamente correto, apesar do verniz de compaixão pelos mais fracos, carrega, sim, uma verve autoritária e manipulatória. Ele não quer tornar o mundo mais justo e amoroso, mas formatar as consciências, segundo os preceitos que ele próprio determina.

A loucura de cada um

A comunicação, por definição, pressupõe que entre o emissor e o interlocutor existe algo comum. Ela seria impossível, inclusive, se não houvesse isso. Se cada pessoa vivesse em seu próprio mundo, com suas próprias definições e com suas próprias percepções, seríamos todos autistas e, certamente, não haveria a civilização como a conhecemos.

Ainda assim, a ideia de verdade absoluta foi rejeitada. Falar dela tornou-se anátema em um mundo absolutamente relativista. Dizer que existe algo que é imutável, que todos deveriam reconhecer, na mentalidade de hoje é ser intolerante.

Com isso, o que cada pessoa carrega é a sua própria verdade. Uma verdade íntima, pessoal, personalizada. Uma verdade tirada de não sei onde, pois, se não há uma verdade última, a convicção de cada um só pode ter saído de suas próprias entranhas.

O que vemos é um multidão de gente fechada em sua própria visão de mundo, com suas próprias certezas e arredia a qualquer ideia de universalidade. Todo mundo batendo no peito e dizendo: “Está é a minha verdade”.

Claro que tudo isso em nome da tolerância e da diversidade. Porém, com a absoluta convicção de que qualquer ideia de absoluto é intolerável.

Essa gente não vê que esse negócio de “a verdade de cada um” não existe. O que cada um possui não é a sua verdade, mas a sua versão dela.

Será que é tão difícil entender que, para que haja o mínimo de convivência e o mínimo de comunicação, é necessário que existam realidades compartilhadas e reconhecidas por todos? Mais ainda: que para se construir uma sociedade tão complexa como a nossa esses pontos em comum têm de ser a maior parte das nossas vidas? Que o que há de divergência são variações personalizadas de uma mesma coisa é que é por isso que ainda é possível discutir sobre o assunto?

Existe uma verdade, sim, que todo mundo compartilha. E ela é invariável, perene e absoluta. Ela é a fonte onde todos bebem. Alguns acham que não bebem, mas estes são como o idiota que só porque a água que toma vem do filtro, acha que ela foi criada pela empresa que fez o filtro.

A questão não é apenas que existe algo comum, mas que este comum é quase tudo em nossa vida. Aquelas opiniões pessoais, as convicções íntimas, as visões de mundo idiossincráticas são, no máximo, perspectivas em relação àquilo que compartilhamos.

O fato é que aquele que nega a verdade absoluta não é louco, apenas burro. Pois até o lunático depende das verdades comuns para formatar suas fantasias.

Babel pós-moderna

Toda a cultura e toda a vida intelectual, em uma sociedade, depende da existência de uma constante troca de ideias e do intercâmbio incessante de pensamentos. As grandes concepções, os juízos mais engenhosos, não teriam valor algum se permanecessem isolados nas mentes de seus autores. Para que pudessem contribuir para o desenvolvimento da civilização, foi necessário terem sido compartilhados por seus criadores e, concomitantemente, absorvidos, compreendidos e aplicados por seus interlocutores.

Pressupõe-se, portanto, que, para a formação da civilização, aqueles que se depararam com as mensagens dos gênios, que ouviram as palavras das grandes mentes, compreenderam aquilo que estava sendo transmitido e, por isso, puderam colocar em prática o que deles fora apreendido. E é nessa comunhão entre emissor e interlocutores que reside a base para a construção de qualquer sociedade.

Sem esquecer que mesmo os sábios, transmissores das grandes ideias, foram, eles mesmos, influenciados e impactados por mensageiros anteriores, dos quais receberam outras grandes ideias e os quais tiveram a capacidade também de compreender.

Vê-se assim que toda a sociedade está fundamentada em um acordo tácito em relação aos sentidos das palavras, os seus significados, suas implicações e suas referências. É dessa maneira porque, se não fosse, o que uma pessoa dissesse não poderia ser imediatamente compreendido pela outra, impedindo que essa sociedade se desenvolvesse, afinal, esse desenvolvimento depende necessariamente da cooperação e esta só ocorre por meio da troca constante de conteúdos racionais.

Em todas as sociedades foi assim. Por mais que sempre houvesse algum tipo de variação dos sentidos e alguma diferença na interpretação que se dão às palavras e expressões, em geral, as pessoas nelas inseridas sempre possuíram referências, visões de vida, linguagem e compreensão semelhantes. Foi isso que permitiu que cada sociedade se desenvolvesse a sua maneira.

Atualmente, porém, já não é mais assim. Chegamos em um momento quando a impressão que se tem é que os tempos de concórdia acabaram, que a unidade de visão está se esvaindo e cada qual passa a ser determinador daquilo que existe, segundo sua própria maneira de enxergar o mundo.

O que eu quero dizer é que está havendo uma relativização tão gigantesca em relação ao sentido de todas as coisas que, cada vez mais, as pessoas enxergam-nas diferentemente umas das outras. Ainda que se refiram a elas com os mesmos nomes e ainda que pareçam estar falando sobre um mesmo fato, cada palavra, cada expressão, cada ideia parece evocar em cada pessoa percepções tão diversas que sequer parecem tratar-se de uma e mesma realidade.

E isso acontece não apenas por causa da relativização, mas tem origem em uma deterioração cultural que faz com que os indivíduos não possuam o instrumental intelectual mínimo para compreender o que é dito, senão segundo suas parcas capacidades e estreita visão.

Mistura-se, então, esses dois elementos venenosos, o rebaixamento cultural e a relativização, e temos a fórmula perfeita para uma sociedade fragmentada, individualista, no pior sentido desse termo, onde cada qual vive dentro de sua própria realidade e a comunicação torna-se cada vez mais difícil.

O resultado disso é a progressiva dificuldade dos concertos, dos acordos, das contribuições mútuas para o progresso dentro dessa sociedade. Quanto mais as pessoas não parecem falar a mesma língua, mais complicado fica que alimentem-se mutuamente com boas ideias e contribuam para o a manutenção e avanço dessa civilização.

Nosso mundo, por causa dos efeitos dessa discórdia linguística, semântica e simbólica, tem o sério risco de involuir, de retornar pouco a pouco à barbárie, quando os homens viviam essencialmente para sobreviver e ainda não haviam desenvolvido a razão suficientemente para construir uma sociedade que se parecesse com aquilo que convencionamos chamar de civilizada.

Retórica desperdiçada

Até meados do século XX a retórica fora jogada à margem dos estudos da linguagem, naquele afã pela busca de uma forma de dizer que pudesse ser rastreada cientificamente. Viu-se, porém, com o tempo, que isso, além de impossível, era simplesmente um desperdício das possibilidades que o estudo da arte do bem falar permite.