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Ler não é um prazer

É tão bonita a imagem, que tanto se vê pintada em quadros, da pessoa lendo um livro, sentada gostosamente em uma poltrona, geralmente ao lado de uma lareira, com aquele aspecto sereno, pacífico, em um instante de tranquilidade e descanso.

Quem não costuma ler, ou lê apenas trivialidades, talvez acredite que essa descrição reflita a realidade. Mas quem realmente tem o hábito da leitura, principalmente de obras mais densas – que são aquelas realmente relevantes – sabe que não é a calma e o sossego que caracterizam esse momento.

Minhas ocasiões de leituras não costumam ser nada pacíficas. Para um observador externo, que me veja absorto, como que navegando sobre as palavras de um escritor, talvez pareça que se trata de alguém em uma ocasião de quietude e amenidade. Mal sabe ele que, na verdade, o que está ocorrendo ali é uma autêntica batalha. 

Todo leitor enfrenta muitas adversidades. A primeira delas é a desatenção. A natureza humana tende à dispersão, e para manter-se consciente em cada frase, em cada parágrafo, retendo a relação entre as ideias, é preciso concentração. Mas não existe concentração sem luta. O leitor que relaxa se perde; o que descansa se distrai. Por isso, não há de se falar, ao se referir à leitura, a um momento de repouso. Não, ele não é! Ler é sempre trabalhoso.

Não bastasse a energia despendida para a compreensão do que se está lendo, há ainda a necessidade de retenção do que se leu. Mas nossa memória é fugidia e, quando não forçosamente treinada, deixa escapar muita coisa. Por isso, o que torna a leitura mais extenuante nem é entender o conteúdo, mas manter na memória as ideias lidas. Sem essa retenção, a relação entre os pensamentos é quebrada e o sentido geral se perde. A absorção do conteúdo exige firmeza do leitor e não permite que ele relaxe, tornando a leitura um inescapável combate consigo mesmo.

Mas toda a dedicação para manter-se concentrado e reter o que se leu seria em vão se o leitor não se empenhasse em ir além da compreensão das ideias do escritor e tentasse pensar como ele. Ler apenas como receptor da mensagem, sem colocar-se no lugar do autor da obra, buscando repetir sua experiência e até replicar seu espírito, é praticar uma leitura parcial. Porém, esse exercício de reprodução da experiência mental do escritor exige uma entrega à leitura, que só é possível com uma disposição de alma que será certamente desgastante e cansativa. Quem, sabendo disso, ainda acredita que ler é uma atividade relaxante, não compreendeu nada do que se está tratando aqui.

Ler jamais será prazeroso. Pelo menos, não no sentido de prazer como aquela sensação agradável relacionada à satisfação de um desejo. Se há algum prazer na leitura, pode-se falar de um prazer diferido, que não é aquela sensação boa concomitante ao gozo da atividade, mas o resultado do sentimento de realização adquirido pela conquista do conhecimento. 

O problema da concentração nos estudos

Muito do problema da inteligência se encontra na concentração. Às vezes, mais do que ter a capacidade de guardar os dados, é preciso ter a capacidade de absorvê-los adequadamente, e isso significa não permitir que elementos externos criem ruídos durante esse processo. Continue Reading

O esforço necessário ao exercício intelectual

Uma vida de esforço intelectual não é glamourosa

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Em uma cultura como a brasileira, tão avessa às questões mais elevadas, o empreendimento intelectual costuma ser visto como uma forma fácil de se viver, que não exige esforço, que não resulta em suor. As pessoas tendem a valorizar o esforço físico, vendo este como verdadeiro trabalho, enquanto quem passa o dia atrás de uma mesa, ainda que seja escrevendo uma enciclopédia, não tarda a ser chamado de sedentário.

O que muita gente não entende é que o esforço físico é muito menos exigente do que o esforço intelectual. Para aquele, basta o hábito, o movimento e logo todo o corpo tende à obediência. O esforço físico demanda, apenas, o impulso inicial. Normalmente, todo o resto pode ser feito com automatismo. Existe a fadiga, é verdade, mas elas chega apenas após a repetição do ato. O corpo humano, animal, é feito para a ação. Assim, com um pouco de vontade, ele não demora a obedecer e a trabalhar.

O cérebro, porém, não é tão obediente, assim. Ele reclama por muito mais; ele exige atenção. A mente não é tão submissa, como é o corpo. É que o esforço intelectual parece ir de encontro à natureza, mesmo a humana. Pensar, raciocinar, refletir pertencem a um nível superior de existência, que não se coaduna, de maneira tão espontânea, à esta tão bestial. Assim, o esforço intelectual torna-se excessivamente trabalhoso. Como ele exige atenção constante, diferente do exercício físico, que pede apenas um impulso, seguido por atos instintivos, se torna muito mais difícil mantê-lo por um tempo prolongado. Basta ver que para a grande maioria das pessoas é muito mais cansativo escrever uma carta, com dez linhas, do que pintar uma parede. As academias sempre estiveram mais cheias que as bibliotecas, e isso não é por acaso.

Se alguém, portanto, pretende empreender uma atividade que lhe demande esforço intelectual constante, deve ter consciência que se defrontará com uma batalha muito difícil. Deve saber que não bastará boa vontade, mas precisará aprender como superar, ainda que temporariamente, a fragmentação para a qual todos estão sendo conduzidos. E se quiser vencer esse embate, será preciso conhecer a natureza humana, com suas tendências e estrutura, além de compreender como o cérebro trabalha, seus caminhos, seus truques e suas reações.

Diferente do que muita gente pensa, uma vida de esforço intelectual não é glamourosa, que pode ser exercida nas pausas, nos momentos de recreação. Pelo contrário, ela exige entrega e, se for desenvolvida com seriedade, dificilmente sobrará muita energia para qualquer outra coisa.

Artigo publicado originalmente no blog Vida Independente

A entrega exigida do autor intelectual

A vida intelectual é um vai e vem constante de ideias que, como ondas, se aproximam e se afastam

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Para empreender uma vida intelectual produtiva, muita concentração é exigida. Não apenas aquela atenção necessária para o momento da produção, mas uma consciência quase intermitente das razões fundamentais e dos objetivos buscados. Como o trabalho intelectual, quase nunca, é fruto de um átimo, não basta separar momentos de isolamento e dedicação exclusiva, mas é preciso que a matéria da qual trata esteja constantemente na mente do autor.

Para que isso se torne realidade, o que ele deve achar é aquele pensamento essencial que será o alicerce de todos os outros. Sem ele, a produção intelectual é impossível. É por isso que é tão difícil esse empreendimento. Por isso, tão poucos enveredam por essa estrada. Eles sabem que não há nada mais tormentoso para o homem do que fazer com que seus pensamentos sejam claros e coordenados. O esforço exigido é muito grande. E não há nada no que sejamos mais preguiçosos do que no exercício mental.

Na verdade, a vida intelectual é uma vai e vem constante de ideias que, como ondas, se aproximam e se afastam. Às vezes, elas são nítidas e fortes, podendo ser descritas com fidelidade, outras vezes são apenas uma imagem pálida, distante, que dão apenas uma sugestão do que realmente são. Como o autor, porém, não sabe se na hora do seu trabalho essas ideias estarão próximas e nítidas ou distantes e indiscerníveis, seu desafio é, mesmo nos instantes de descanso, tornar tais pensamentos mais constantes e mais claros, a fim de que possam ser colhidos a qualquer momento.

O que eu quero dizer é que quem produz algum trabalho intelectual não pode ficar à mercê da inspiração ou do insight. Eles são úteis e, muitas vezes, são o início de um trabalho relevante. Mas a obra intelectual, mais que o compartilhamento de momentos de genialidade, é o desenvolvimento de algo grandioso, que se revela aos poucos, até se mostrar como uma obra sólida e bem trabalhada.

De fato, um trabalho intelectual é mais do que o reflexo de uma inteligência arguta, mas o produto de uma mente insistente, que, o tempo todo, procura dar cores nítidas a ideias que, em princípio, são apenas pensamentos lívidos.

Por isso, diz-se que a vida intelectual é uma entrega. Quem decide por ela, não mais tem a paz dos ignorantes, que amortecem seus cérebros, evitando exercitá-los na tentativa de compreensão da realidade. Quem escolhe a vida intelectual deve saber que, a partir desse momento, terá a tensão como companheira, pois os elementos a serem concatenados são diversos, os recursos para juntá-los, escassos, e a energia para unificá-los, reduzida.