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Um chamado à aventura

Por todo lado, vemos pessoas com medo, desesperadas por se manterem seguras diante de uma ameaça invisível. Mesmo com provas e mais provas de que a maioria delas está diante de um perigo muito pequeno, ainda assim preferem não se arriscar. Este é o resumo da nossa civilização.

As pessoas tornaram-se frágeis porque desejam ansiosamente por segurança. Elas querem controlar tudo – seu ambiente, sua saúde e seu futuro – e isso faz delas fracas. Elas acreditam na possibilidade de uma sobrevivência segura. Aliás, apostam todas suas fichas nisso. Trabalham incessantemente para isso. Seu objetivo é atravessar esta vida com o mínimo de percalços, arriscando-se o menos possível, tentando ser o mais previdente que seu meio materializado lhes permite ser.

No entanto, a mensagem do cristianismo, que é o fundamento dessa civilização, afirma exatamente o contrário. Muito diferente de um chamado incondicional à cautela, ela faz uma verdadeira apologia à aventura.

Isso incomoda profundamente a mentalidade moderna, inclusive a de muitos religiosos, que sustenta que o sentido da vida é atravessá-la com estabilidade, ancorados na previsibilidade e suportados por certezas inabaláveis.

O próprio Cristo dá um ponta-pé nas estacas que sustentam a crença em uma vida segura e chama os homens para um mergulho no imponderável. Os nascidos do espírito são como o vento – ele diz. E o vento caracteriza-se por não se saber de onde vem, nem para onde vai. O vento sopra onde quer – completa.

A vida, na verdade, é um passo rumo ao desconhecido. Não foi feita para quem espera poder, nas horas de maior perigo, olhar para trás. Não foi feita para aqueles que fazem o que têm de fazer apenas quando estão certos de que, se algo der errado, terão para onde voltar. Não foi feita para quem age apenas depois de garantir-se que terá suporte se as coisas não sairem como o esperado.

Essa mensagem é uma dissipadora da ilusão materialista que vivemos. Ela toma esse universo artificial que criamos em nossa volta, e que nos passa a impressão de controle e cálculo, mas esconde a natureza misteriosa que existe por detrás dele, e o reduz a pó. Ela mostra que esse mundo visivelmente ordenado e normatizado, sobre o qual as pessoas depositam sua confiança, exaltando sua Ciência, Medicina, Engenharia, Direito e demais conquistas que a mente humana foi capaz de desenvolver, não passa de uma folha de papel no parapeito da janela, levada pela primeira brisa que soprar.

O chamado é para que você se lance com coragem e com disposição para enfrentar o que tiver de ser enfrentado. E o medo e a incerteza que essa aventura poderiam suscitar serão facilmente suplantados pela libertação e força que apenas uma vida sem garantias pode oferecer.

O ensinamento é para que você não se deixe confundir pela ilusão de segurança que este mundo oferece. Assim, não espere dele sua paz, nem sentido algum, menos ainda qualquer tipo de salvação.

Sua vocação é uma aventura. Aceite-a e você nunca mais será prisioneiro de nada, nem de ninguém.

Entre os riscos e a miséria

Quem tenta proteger aquilo que lhe parece importante, evitando o risco, só tem uma coisa que vai proteger, com certeza: sua própria mediocridade.

É que o apego àquilo que se tem vira medo, pois transforma tudo em ameaça. Por isso, quem é demasiado amante de si mesmo tem pavor de se expor. Todos, para ele, transformam-se em juízes, críticos desesperados por apontar seus erros e defeitos.

Os olhos de quem quer preservar a si e o bens que lhe pertencem estão sempre voltados para dentro. As rápidas espiadas que dá para fora são apenas para identificar o que pode lhe roubar. É como carregar jóias no meio da rua: não tem mais paz.

O problema é que quem tem como meta manter as coisas como estão, não apenas deixará de conquistar o que poderia, mas até o que possui arrisca-se a perder. Isto porque, pela própria essência da vida, que é dinâmica, nada fica como está. Sendo assim, quando não há um movimento de implementação, de evolução ou de conquista, o que existe não permanecerá, mas se corromperá. Não faça nada e a casa onde você mora se tornará em ruínas num tempo breve.

Não adianta tentar viver sem riscos. Quem evita arriscar-se vai ter de se contentar com uma existência pequena. Nos riscos estão as grandes chances; neles residem aquilo que realmente tem sentido; sem eles, sobram apenas as pequenas coisas, aquelas que representam uma passagem quase inútil pela existência.

Há muitas possibilidades diante de todos. Reconhecê-las e agarrá-las é quase um dever. Como disse Quintiliano, “é vergonhoso desistir do que quer que se possa fazer”.

Essas possibilidades não são meras oportunidades, disponíveis para o caso de você querer aproveitá-las. São, de fato, como que portas destrancadas esperando para ser abertas. O que se encontra do outro lado não é certo, mas não atravessá-las é covardia.

Tudo o que vale a pena, o que faz sentido, o que tem valor, só pode ser conquistado assumindo riscos. A regra é esta: sem riscos, o que sobra é a miséria.

Considerar-se morto

Na contramão dos conselhos motivacionais, que dizem que é preciso dar valor à própria vida e agarrá-la com todas as forças, como se fosse o bem mais precioso que alguém pode possuir, eu afirmo que, se quisermos viver em paz e com abundância, devemos fazer exatamente o contrário.

Tudo aquilo a que nos apegamos, tememos afastarmo-nos; o que valorizamos em demasia, receamos perder; o que temos como muito importante, inquieta-nos ser atingido. E isso tudo torna-nos frágeis na medida em que ficamos com medo de arriscar o que consideramos nossos bens; tememos expô-los. Por isso, apegar-se a vida transforma-nos em covardes.

Lembrei de uma cena da minissérie Band of Brothers, que mostra dois paraquedistas americanos que haviam acabado de descer na Normandia, no fatídico Dia D. Um deles paralisado em um buraco, sem coragem para deixá-lo e enfrentar os inimigos, recebe, ocasionalmente, a visita de outro soldado, o qual estava em pleno combate, desafiando as hostes adversárias viril e audaciosamente. Então, o soldado covarde lhe pergunta: “Como você consegue? Você não tem medo de morrer?”. E o que ele ouve explica tudo: “É que quando eu desci aqui já me considerei morto”.

Da mesma maneira que aquele bravo soldado, quem pretende viver de maneira abundante, completa, sem perder tempo com os medos que paralisam e impedem de conquistar as coisas, precisa também considerar que já morreu.

Considerar-se morto, no caso, significa ter consciência de que o que o que nos rodeia não nos pertence e de que, a morte, é iminente e inapelável; é aceitar que tudo isso aqui é passageiro e pode terminar a qualquer momento; é saber que, como um soldado na batalha, um tiro pode acabar com tudo.

Quando se tem esse entendimento tudo aquilo que parecia importante diminui e o que fica é a consciência de que não vale muito a pena proteger-se demais, resguardar-demais, evitar as circunstâncias. Se já morri, não tenho o que salvaguardar.

Ao considerar-se morto, surge então um guerreiro. Ao viver como se nada fosse uma verdadeira perda, nada mais é uma ameaça e o que passa a prevalecer é a ousadia.

Por isso, quem quiser viver precisa antes morrer.