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Nosso baile de máscaras

Uma moça colocou em seu instagram uma foto de comida saudável, acompanhada da seguinte frase: “firme em meus objetivos”. Porém, logo no primeiro comentário, surge seu esposo, dizendo: “a porção de fritas com bacon de ontem à noite que o diga”.

Isso é rede social, meus amigos: não sobrevive a um sopro sequer da vida real.

Ainda assim, há muita gente usando as redes sociais de maneira equivocada, dando a elas a credibilidade que não deveria dar. Olham para os perfis e suas postagens como se aquilo representasse alguma verdade; como se ali houvesse alguma sinceridade.

O resultado óbvio é a frustração, pois enquanto acompanham o exibicionismo das pessoas mais inteligentes, mais ricas, mais fortes, mais bonitas, mais bem-sucedidas, mais saudáveis e mais admiradas, ao mesmo tempo sentem-se burras, pobres, fracas, feias, fracassadas, doentes e rejeitadas.

É um efeito inescapável. Julgar o próprio valor com base no que vemos nos outros sempre foi nosso esporte preferido. No fundo, todos temos um pouco de Madame Bovary, lamentando nossa vida medíocre enquanto inveja o glamour alheio.

Na verdade, precisamos das comparações. Em tudo delas dependemos. Se vamos vender um carro, precisamos saber qual o preço dele no mercado. Ser considerado inteligente depende da época em que se vive. Até a percepção da beleza varia com o tempo e lugar. Sendo assim, as redes sociais acabam sendo um tipo de parâmetro para as pessoas analisarem a si mesmas, afinal, quem se encontra ali parece alguém de verdade, gente como eu e você, que não tem pudores de abrir sua vida para o mundo.

Porém, nisto encontra-se o erro: usar para efeito de comparação algo que não é real. Afinal, redes sociais são mera ilusão. Nada, praticamente nada, do que vemos nela é verdadeiro. Nem mesmo as fotos tiradas pela sua prima, nem o texto escrito pelo seu professor, nem no que sua mãe coloca ali dá para confiar.

Nada, em uma rede social, é espontâneo porque ninguém consegue ser espontâneo quando se expõe socialmente. Nossa relação com a sociedade nunca foi, em nenhuma época, sincera. Sempre quando foi necessário expor-se para a sociedade, as pessoas adornaram-se com suas fantasias. Nos bailes antigos, nos coquetéis, nos casamentos, nas festas de aniversário, nas reuniões na empresa, ninguém jamais é absolutamente espontâneo nesses momentos.

Nas redes sociais não é diferente. Elas apenas trouxeram a possibilidade de apresentar-nos diante da sociedade sem sair de casa. No entanto, a dinâmica permanece a mesma. Continua sendo uma forma de mostrarmos para o mundo uma versão idealizada de nós mesmos, uma versão aceitável, uma versão vendável, uma versão que permita que as portas da sociedade se abram para que possamos entrar por elas e conquistar o que nós queremos.

Essa necessidade de assumir uma persona social existe até como forma de auto-proteção. É na sociedade que as oportunidades surgem, que os negócios aparecem, que precisamos ganhar a simpatia até para podermos sobreviver. Expor-se nela como somos, com todos os nossos defeitos e fraquezas seria uma medida estúpida, quase um suicídio.

É verdade que, de vez em quando, alguns desavisados ou heróicos acabam expondo seus lados reprováveis. No entanto, isso é exceção. É o resultado da ampliação do acesso ao instrumento. E tal atitude acaba cobrando seu preço. A regra porém é a falsificação. A norma é o fingimento.

Por isso, referenciar-se nas redes sociais para julgar a própria vida é um erro. Quem faz isso acaba deprimido, frustrado, decepcionado. Olhar para si mesmo após acreditar que o que aparece em uma rede social é verdadeiro é como querer castigar-se propositadamente. É quase masoquismo.

Obviamente, não é preciso abandonar as redes sociais, mas tratá-las conforme sua verdadeira natureza: uma fantasia, uma ilusão, um espaço de diversão descompromissada. As redes sociais são o nosso baile de máscaras e cada um veste a sua para viver o seu próprio momento de relevância e alegria.

Hipocrisia religiosa

É muito comum ouvir gente bem intencionada dizer que prefere não frequentar uma igreja porque percebera que ali as pessoas geralmente agem de maneira muito diferente do que fora daquele ambiente. Com isso, pretende dizer que os religiosos são hipócritas, pois não são aquilo que aparentam ser, mas fingem ser o que não são.

Se a hipocrisia consiste em aparentar uma virtude que não se possui, então os cristãos seriam uns grandes mentirosos. Se eles, quando se reúnem, cantam, oram e manifestam ares espirituais, mas fora dali cometem os mesmos pecados de todo o resto da humanidade, a única conclusão plausível é que tratam-se de verdadeiros falsários.

O que, porém, aqueles que tecem essas críticas não percebem é que os homens e mulheres que ajuntam-se para praticar sua religião são pecadores como quaisquer outros e, mais ainda, têm plena consciência disso, pois é isso mesmo que a doutrina que seguem lhes ensina. Inclusive, vivem em constante tensão por isso, pois percebem o quanto é difícil agir de acordo com a fé que professam. Não é à toa que muitos crentes desenvolvem conflitos terríveis dentro de si mesmos.

A verdade é que a maioria dos cristãos esforçam-se por viver uma vida de moralidade e o melhor jeito de fazer isso é não se acomodando em seus erros, mas tentando aplicar um comportamento de acordo com sua pregação. Isso, porém, não acaba com a luta constante que cada um desenvolve. Pelo contrário, quanto mais eles esforçam-se por parecer santos, mais acirrada fica a batalha contra o pecado que está em sua natureza. O problema é que invariavelmente esse esforço é confundido, pelo outros, com falsidade, pois expõe os dois lados antagônicos da mesma pessoa.

Claro que, às vezes, isso acaba descambando para uma atitude que prima mais pela aparência do que pela verdade, mas isso ocorre menos por hipocrisia do que pela necessidade de mostrar-se correto diante da sociedade. Não é incomum, por exemplo, interpretarem, erroneamente, o trecho das Escrituras que diz que deve-se fugir da “aparência do mal”, como um chamado a manter as aparências antes de tudo. O problema é que a melhor tradução para essa passagem é todo tipo de mal (inclusive o aparente), o que significa que o fiel deve evitar o mal com todas as suas forças, o que é bem diferente de preocupar-se com a imagem que ele está transmitindo para as outras pessoas. De qualquer forma, a origem dessa atitude é menos por falsidade do por zelo, ainda que equivocado.

Outra questão que colabora para essa aparente hipocrisia é a necessidade de dar bom testemunho da mensagem que carregam. Todo crente considera-se um representante do Reino e tem o sincero receio de escandalizar as pessoas. Assim, esforça-se para mostrar-se bom e moral, ainda que caia muitas vezes exatamente nos mesmos pecados que cansa de dizer que devem ser evitados. Pensa que é melhor parecer bom do que resignar-se na maldade, o que não está de todo errado.

Se, todavia, dentro da igreja, essas pessoas agem de maneira aparentemente mais justa, isso conta menos contra elas do que a favor do próprio ambiente eclesiástico. Isso prova que nele, pelo menos, há um incentivo real para o bom comportamento, para a busca do que é importante, para a chamada a uma vida de santidade. Mostra que mesmo pessoas cotidianamente falhas podem ser conduzidas a atitudes superiores.

O fato é que hipocrisia não é viver em conflito com o que se prega, nem ter um comportamento incompatível com o que se acredita, a não ser que tudo isso seja deliberado. Enquanto a pessoa vive a tensão entre a natureza decaída e a moral superior, não se conforma com essa realidade e não se resigna com seus pecados, pode até ser passível de reprimenda, mas não pode ser chamada de hipócrita.