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Nem direita, nem esquerda

Os militares não são de direita. Nunca foram.

Eu digo isso meio envergonhado, porque a informação que corrobora essa afirmação estava tão acessível que não tê-la visto antes foi um erro sério.

Quando eu ouvi o professor Olavo de Carvalho falando que o presidente Castelo Branco, em seu discurso de posse, em 1964, havia dito que seu governo lutaria contra a existência de uma direita reacionária, eu tomei um susto. Afinal, em nosso imaginário, o governo militar sempre fora retratado como a representação perfeita da direita brasileira mais truculenta que poderia existir.

No entanto, bastou uma busca muito rápida no site da presidência para constatar que o discurso do ex-presidente havia sido realmente aquele. Literalmente, ele disse: “Caminharemos para a frente com a segurança de que o remédio para os malefícios da extrema-esquerda não será o nascimento de uma direita reacionária, mas o das reformas que se fizerem necessárias”.

Vejam como a percepção que estamos tendo hoje, de que os militares brasileiros da atualidade não passam de burocratas, não anticomunistas, como imaginávamos, meros positivistas, não direitistas, como pensávamos, está certa.

Desde aquela época, os militares agem de maneira a escapar de qualquer filiação ideológica, fazendo da caserna um grupo capaz de aliar-se a qualquer um ou combater qualquer um, desde que isso colabore com sua visão desenvolvimentista tecnocrata.

De fato, não é apenas que a história se repita; às vezes, ela simplesmente não muda.

Velhos heróis, velhas raposas

Aqueles que direcionam a agenda cultural e política do Brasil, mesmo após mais de três décadas do fim do governo militar, insistem em lançar-se em um revisionismo histórico daquele período, mantendo uma obsessão por mostrar ao público o quanto os militares eram maus e eles mesmos, os revolucionários, vítimas perseguidas. Em vez de olharem para a frente – o que seria esperado de quem está no poder há, pelo menos, vinte anos -, insistem em permanecer com a mesma retórica e o mesmo discurso do tempo em que eram guerrilheiros, quando lutavam contra o poder constituído.

Essa atitude, porém, não ocorre pelo sincero objetivo de passar a história a limpo. O que eles querem, ao não permitir que 1964 termine, é manter viva a narrativa montada naquela época, pela qual são apresentados como heróis, mesmo que fossem meros guerrilheiros. O objetivo é, principalmente depois que ficou comprovado o quanto suas ações no governo foram caracterizadas pela corrupção e pela destruição das instituições do país, manter uma imagem positiva, não deixando que aquela aura heróica seja esquecida.

Não que tenham sido heróis de verdade – muito pelo contrário! – mas essa tem sido a história contada por eles mesmos aos brasileiros. São, pelo menos, três gerações que cresceram ouvindo que aqueles militantes – muitos deles terroristas –  lutavam pela liberdade e pela democracia enquanto eram caçados pelos malvados militares.

Só que o tempo passou, e os velhos ativistas tomaram o governo. E ficou claro que esses hoje velhos e decrépitos não passam de corruptos sedentos pelo poder. Assim, a única maneira de salvar algum tipo de admiração por eles e manter sua influência no debate político e intelectual acaba sendo não deixar que a velha narrativa morra.

Isso explica essa insistência por, em pleno encaminhamento para o final do primeiro quarto do século XXI, ficarem resgatando as histórias de quarenta ou cinquenta anos atrás, como se o país não tivesse mais nada com que se preocupar senão com os fatos ocorridos naquele tempo.

O que está claro é que o Brasil precisa olhar para a frente, mas está sendo impedido por essa gente que nos prende ao passado, com o único intuito de sobreviver, eles mesmos, como personagens relevantes da cultura brasileira.

Já passou da hora de superarmos essa situação, mas isso só será possível superando as velhas raposas que insistem em manter-nos presos no tempo, apenas para continuarem dando as cartas na política do país.

Os grilhões que nos prendem

Um país que pretende superar suas mazelas e ingressar de vez em tempos de prosperidade e estabilidade precisa olhar para a frente, tomando o passado como lição, mas não como o determinador de todos os seus caminhos.

O Brasil, porém, está com uma bola pesada amarrada aos pés, enquanto seus formadores de opinião e políticos vivem como se ainda estivéssemos nos anos sessenta.

A geração que hoje representa a intelectualidade influenciadora do seio da política nacional e a grande mídia é formada toda por ex-guerrilheiros e combatentes de esquerda que, vendo a si mesmos como guerreiros contra uma ditadura, consideram-se os personagens responsáveis pela restauração da democracia no país.

A consequência direta disso é que , ao mesmo tempo que apresentam-se como os paladinos do Estado de Direito, perseguem aqueles que se encontram do outro lado do espectro político – conservadores, militares, direitistas e anti-esquerdistas – como criminosos.

Com isso, assumem o monopólio da política, abrindo a possibilidade para que aconteça o que testemunhamos nas últimas décadas: a dilapidação do patrimônio e a corrosão das instituições brasileiras.

E para que esse status permaneça, preenchem a todos os espaços da República, afastando a qualquer um que ameace suas posições. Fazem isso não deixando que o período do governo militar brasileiro, com a mentalidade característica daquele tempo – de jovens ativistas deslumbrados com as falsas promessas de um paraíso comunista lutando contra generais toscos que sabiam que sua missão era não deixar o país seguir os mesmos caminhos de Cuba – passe.

O que ficou hoje, depois que os antigos militares já não estão mais entre nós, são aqueles garotos e garotas militantes, agora decrépitos e envelhecidos, infiltrados em todas as esferas do poder, sem conseguir, nem querer, superar 64 – e menos ainda 68 – vivendo quase exclusivamente pelo desejo de vingança e ressentimento, acreditando-se possuidores de um salvo-conduto que lhes permite falar e fazer todas as barbaridades.

Por isso, tenho a convicção de que enquanto essa geração de órfãos da Guerra Fria não passar ou, pelo menos, for derrotada política e intelectualmente, o Brasil não conseguirá seguir em frente. Ela é nosso retrocesso, o nosso impedimento, os grilhões que nos impedem de prosseguir.

Enquanto forem essas pessoas que ditarem a pauta política e determinarem a agenda do país, ficaremos reféns de sua visão retrógrada e impossibilitados de avançar como povo, como nação e como sociedade.

Inimigos extraordinários, armas extraordinárias

O romance 1984, de George Orwell, é um marco, menos por suas virtudes literárias e bem mais por sua qualidade analítica e premonitória, que mostra principalmente a forma como os governos totalitários agem. E uma das atitudes do partido INGSOC era fazer de toda maneira com que o passado, como ele realmente ocorreu, fosse esquecido, para, em seu lugar, criar uma nova versão da história.

Na narrativa de Orwell acontecia assim: havia um grupo responsável por rodar o jornal oficial, que tinha como uma de suas funções acessar os arquivos, identificar todas as referências antigas aos personagens que deveriam ser esquecidos e substitui-las, jogando na fornalha a história real, colocando outra, conforme a vontade do governo, em seu lugar.

Orwell escreveu isso em 1948. E seu livro não foi apenas profético, mas descritivo, pois tais atitudes já aconteciam no seio do governo comunista soviético. A parcela premonitória residiu no fato de que a maior arma dos governos comunistas pelo mundo acabou sendo a alteração da percepção da realidade na mentalidade das pessoas.

Aqui no Brasil não poderia ser diferente, afinal foi exatamente as esquerdas quem dominaram a cena cultural nos últimos 50 anos. Sendo assim, tendo como sua prática ordinária a alteração do passado, não é à toa que quase tudo o que sabemos de nossa história política tem sido narrada conforme a versão adulterada que elas impuseram.

Nos deparamos, por exemplo, com uma narrativa que trata os guerrilheiros e terroristas esquerdistas dos anos 60 e 70 como heróis, como verdadeiros baluartes da liberdade, tornando, obviamente, os militares que governavam o país naquela época como verdadeiros criminosos, impiedosos e maus.

O que os comunistas fizeram, nesse tempo todo em que foram os únicos a contar a história do país, foi lançar na fornalha ardente toda a verdade que mostra o quanto eram eles os que mais queriam impor neste país uma ditadura, o quanto eram eles que colocaram armas nas mãos e tentaram impor o terror por aqui e o quanto eram eles que queriam solapar, de uma vez, a democracia. Substituíram tudo isso, com a ideia de que estavam defendendo a liberdade, que lutavam por uma nação democrática e que estavam sendo perseguidos e mortos por uma governo impiedoso, formado pelos militares.

E não é só em relação ao período militar que os esquerdistas cometem essa atrocidade histórica. A prática de adulteração dos fatos está tão impregnada em sua tática política, que mesmo as verdades que estão estampadas na cara de todo mundo são negadas, de forma contundente, por eles.

Na verdade, os comunistas são os mestres em bradar as coisas mais absurdas, as mentiras mais deslavadas, as falsidades mais cínicas, como se estivessem falando a coisa mais verdadeira do mundo. Para eles, não importa a realidade. O que vale é a justificação de seus atos. Tudo gira em torno de favorecer os seus planos.

Por isso, eles não são inimigos comuns. Por isso, não é possível derrotá-los pelos meios legais e ordinários. O que é a lógica para quem faz pouco caso da realidade? O que é a norma para quem só importa o objetivo de poder?

O problema é que boa parte de seus opositores ainda não se deu conta disso e continua a querer lutar contra eles apenas pelos meios mais inócuos, no caso, a lógica do discurso ou a retórica legal. São inocentes a ponto de achar que podem vencer inimigos desse tipo pelo convencimento ou pela argumentação jurídica.

O resultado disso é se verem envolvidos em batalhas sem fim, que pouco avançam, que pouco conseguem, simplesmente porque escolheram o caminho mais árduo e dificultoso. Com inimigos desse tipo, não basta apenas os meios ordinários. Contra criminosos que têm em suas mãos instrumentos poderosos, sejam bélicas ou as próprias instituições do Estado, muitas vezes é preciso ir além dos meandros jurídicos e agir com força, derrubando os bandidos pela força.

Os militares, em seu tempo, entenderam isso e foram, sim, implacáveis com os inimigos da nação. Enquanto deixaram todo o restante do país seguindo seu rumo tranquilamente e sem ser incomodado, permaneceram incansavelmente no encalço daqueles que sabiam estarem dispostos a tudo para transformar o Brasil em uma ditadura comunista.

Enquanto os atuais opositores dos esquerdistas não entenderem que a luta contra eles é algo fora da normalidade, que os meios ordinários não são plenamente eficazes para impedi-los de tornar a nação refém de sua ideologia, continuarão a dar murro em ponta de faca, a sofrer muito mais do que é necessário na vã tentativa de arrancar as garras deles do poder.

Os militares tinham consciência disso e, por isso, não deram chances para os bandidos.

Libertários, agradeçam os militares

Uma atitude muito ruim em política é pensar tudo apenas no plano das teorias, esquecendo que são os atos e os fatos concretos que dão o rumo definitivo às coisas. Não que eu advogue uma política exclusivamente da práxis. Longe disso! A política, quando circunscrita apenas ao campo da ação, se torna a base para todo tipo de tirania. No entanto, também não é possível acreditar que bastam boas idéias para que tudo funcione na mais perfeita harmonia. Aliás, esta é a grande arte da política: conseguir unir teoria e prática, de maneira que esta cumpra o determinado por aquela, da melhor maneira possível.

Todavia, quando nos deparamos com libertários, que, normalmente, são aqueles rapazes bem arrumadinhos, bem criados e originários de famílias respeitadas, pregando a respeito da liberdade individual, da diminuição absoluta do Estado e de como é importante a livre iniciativa, quase temos de aceitar que eles estão absolutamente certos. O único problema é que eles não conseguem entender que não é porque uma idéia é boa, em tese, que ela pode ser aplicada sempre irrestritamente.

A sociedade é um agrupamento complexo, com demandas e necessidades diversas e difíceis de serem conciliadas. Além disso, há o problema da disputa política e pelo poder, que não permite que, simplesmente, as coisas sejam deixadas para serem resolvidas pelos indivíduos, sem qualquer intervenção de instituições superiores.

Qualquer pessoa de bom senso sabe que o Estado forte é um mal e um perigo. Também entende que o indivíduo é aquele que deve ser protegido e valorizado. A pergunta, porém, que alguns libertários esquecem de fazer é: quem é que vai proteger e valorizar os indivíduos? Quem vai conciliar suas divergências? Quem os protegerá dos ataques internos e externos a sua liberdade?

O libertarianismo, em tese, é uma proposta interessante. Como um ideal, pode ser ensinado. Todavia, quem quer que pretenda resolver todos os problemas sociais por uma aplicação ampla e irrestrita de suas idéias vai ter de se deparar com as impossibilidades intrínsecas da própria existência das nações e das sociedades. Há problemas que a mera liberdade não resolve.

Por isso, quando um libertário critica uma ação estatal, sem considerar o contexto e as circunstâncias dela, corre o risco de estar cometendo uma injustiça, quando não exaltando, ainda que indiretamente, adversários posicionados no pólo oposto de suas teorias.

Quando, por exemplo, um libertário diz que a atuação estatal, mesmo em períodos de conflito, como foram os anos do governo militar no Brasil, é, simbolicamente, mais nociva do que o que representam os próprios atos daqueles que lutaram abertamente para impor uma diradura comunista no país, fica claro que ele está raciocinando apenas no campo das idéias e, pior, com base em lugares-comuns que não podem ser aplicados irrestrita e universalmente.

Quem diz isso esquece que se a ação dos militares representava a presença forte do Estado, por outro lado se não houvesse essa atuação o que estaria sendo imposto à nação era algo muito pior, mais tirânico, mais escravizante.

No período militar o Estado era forte, sim. No entanto, para as pessoas comuns ele não passava de um segurança poderoso, que jamais se metia em sua vida e em seus empreendimentos privados. O governo militar foi forte, principalmente, para os guerrilheiros comunistas, que queriam, de toda maneira, transformar o Brasil em uma ditadura tão cerrada como a de Cuba.

Todo libertário tem o direito de não querer viver sob um governo forte como o militarista. O que ele não pode é dizer que, em toda e qualquer circunstância, o Estado que ele odeia não seja necessário, até para proteger a liberdade que ele tanto preza.

Na verdade, aqui no Brasil, todo libertário deveria ser muito grato em relação aos militares. Até porque, se hoje ele pode falar abertamente sobre suas idéias e pregar livremente que a tirania estatal é um mal a ser combatido, é porque, lá atrás, homens fardados, lançando mão do aparelho estatal, impediram que terroristas loucos impusessem sobre o país a mais terrível ditadura comunista, onde o libertário teria de pôr o rabo entre as pernas e calar a boca para não ser enviado para o paredão.