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Empatia seletiva

Empatia, quando reivindicada em certos casos e esquecida em outros não é empatia, mas hipocrisia. Por isso, quando a exigem em relação afetados pela doença, mas desprezam-na quando se trata das famílias arrasadas por falta de trabalho, eu logo concluo que há algo de errado.

Saúde vem antes da economia, dizem. Porém, o pensamento subjacente a essa afirmação é que economia não importa. Afinal, pensam, economia resume-se a trabalho e dinheiro. Como o primeiro odeiam-no sempre e o segundo quando em mãos alheias, não há motivo para se importar.

O fato é que, na mentalidade geral, o empresário, o prestador de serviços, o comerciante não são dignos de pena. Afinal, são meros capitalistas correndo atrás do vil metal. Que importa, então, se seus meios de subsistência são tolhidos? Talvez, assim até aprendam que existem coisas mais importantes do que o dinheiro.

Na verdade, toda essa insensibilidade em relação aos problemas econômicos tem muito de uma cultura que odeia o empreendedor; que sente até um certo prazer quando vê um deles indo à bancarrota.

Por isso, não me engana esse excesso de empatia por causa da questão sanitária, a ponto de dar de ombros para a ruína econômica do vizinho. Muitas vezes, ela apenas revela um ressentimento que encontrou a circunstância ideal para se manifestar.

A covardia do discurso coletivista

Quem defende uma ideia deveria sempre assumir a responsabilidade por ela, confessando que a defende por interesse próprio. Quando usa os outros para avalizar sua próprias opiniões, neste caso, está apenas agindo como um covarde.

Todo discurso coletivista é assim. Quem o profere, como não tem coragem de confessar que o que deseja mesmo é que todo mundo seja controlado e perca suas liberdades, usa o bem comum como refúgio para sua sanha autoritária. Diz defender os outros, mas está defendendo mesmo é o seu próprio impulso despótico.

Para isso, a sociedade, a humanidade, os pobres, as famílias da vítimas, os mortos, os doentes – ou seja, todo tipo de abstração de referência coletiva – são instrumentalizados em favor dos anseios ditatoriais daqueles que se apresentam como seus defensores.

Com essa postura, o portador do discurso coletivista protege-se de qualquer ataque. A partir do momento que diz falar em favor do bem comum, qualquer ato seu está justificado. Ele não assume responsabilidade alguma. E se algo der errado, pode defender-se dizendo que foi apenas um porta-voz da vontade geral.

No fundo, falar em nome da coletividade é apenas uma forma de impor os próprios desejos e convicções, sem o risco de ser culpabilizado por eles. Mais ainda, é uma maneira eficaz de fazer com que os discordantes fiquem constrangidos, por se colocarem contra aquilo que seria o melhor para todos.

Quer ver como isso funciona? Então, levante sua voz contra o discurso coletivista e experimente toda a fúria daqueles que se dizem cheios de amor pelo mundo.

Carpideiras da pandemia

Eu não estou chorando pelos mortos dessa epidemia. Com exceção dos amigos e familiares das vítimas, quem diz que está também não. No meu caso, não porque eu seja insensível, nem porque eu não me importe. Eu apenas estou sendo sincero. No caso desses que dizem chorar pelos mortos, é diferente. Eles são hipócritas mesmo.

Todos esses que veem a público alardear seu choro pelos falecidos da praga chinesa não choraram durante todos os anos anteriores, quando vítimas e mais vítimas das mais diversas doenças tiveram suas vidas interrompidas. Pneumonia, infarto, câncer matam muito mais do que o corona já matou. E aí? Alguém chorou por elas, senão aqueles que as conheciam?

E quanto aos mortos pela violência brasileira? Esta sim uma ceifadora precoce de almas. Quantos desses que dizem derramar lágrimas pelos falecidos pelo vírus levantaram ao menos um lamento por eles?

Qual é a diferença? Por que os mortos de agora são mais merecedores de pranto do que todos os outros?

É que dizer que está chorando pelos mortos é uma maneira de mostrar-se superior. Ser uma carpideira da pandemia é uma forma de fingir que é mais humano que aqueles que insistem em atenuar o perigo.

Na verdade, estão dançando sobre os cadáveres, numa dança fúnebre, macabra, acompanhada de um canto triste, choroso, de voz embargada, mas de um cantor cheio de orgulho por lançar sua voz de maneira a que o público lhe admire.

Indigente espiritual

Cercado pelos vitrais da catedral e acariciado pelo som da voz do ministro, sente-se seguro. Enquanto outros estão por aí, perdidos nas delícias deste mundo, ele cumpre com suas obrigações devocionais. Todo o ornamento ritualístico e o exercício da fé lhe garantem a paz. Sua consciência está aplacada pela certeza de ser um homem piedoso.

Enquanto a puta chora seus pecados pelas manhãs e o bêbado promete que vai mudar de vida, o fiel, satisfeito consigo, nem sequer considera que lhe falte algo. Ao ouvir que é preciso imiscuir-se numa relação mais profunda com a divindade, ignora o conselho, como quem acabara de escutar uma poesia em língua estrangeira.

A religião, nele, desvia-se de seu papel de aplainadora do caminho que conduz ao céu para servir de instrumento para o apaziguamento da consciência. Ela encontra o indigente e, em vez de estender-lhe a mão e oferecer-lhe socorro, convence-o de que está tudo bem, ornando-o com uma roupa bonita e uns acessórios vistosos.

Antes dela, o mendigo ao menos poderia olhar para si mesmo e, contemplando sua miséria nua, convencer-se de sua necessidade. Porém, agora, com as vestes emprestadas da religião, não consegue sequer enxergar sua pobreza. Sente-se rico, apesar de desafortunado. Convence-se de que é próspero, apesar da alma esquálida pela falta de alimento espiritual.

Tolerância dos justiceiros sociais

É muito bonito quando ouvimos esses discursos que pregam a tolerância, a diversidade e a inclusão. Soam sempre como uma demonstração de respeito e de cuidado ao ser humano que, em alguns casos, podem levar até às lágrimas aqueles que forem pegos de surpresa com tamanha demonstração de bondade.

O único problema é que basta esses mesmos apaixonados pela humanidade se depararem com o pensamento contrário, que não compartilha de uma visão de mundo semelhante a deles, para toda aquela máscara de tolerância cair por terra e surgir uma face virulenta que até assusta.

No entanto, há um motivo lógico para essa atitude descompensada que geralmente apresentam quando estão diante, principalmente, de alguém que demonstre possuir um pensamento mais conservador. E este motivo não é uma mera maldade que habita em seus corações, mas está muito bem justificado dentro deles.

O fato é que todos esses paladinos da diversidade e da tolerância acreditam em algo chamado progresso moral. Eles crêem, sinceramente, que os homens caminham, ininterruptamente, por uma evolução em sua moralidade, de maneira que o que eles promovem hoje, pelo simples fato de ser fruto desta sociedade contemporânea, é superior a tudo o que foi apregoado anteriormente.

Sendo assim, toda visão que não esteja de acordo com os ditames apregoados atualmente são considerados retrógrados e, consequentemente, não evoluídos. Dessa forma, quem não defende o que eles defendem simplesmente torna-se a encarnação do mal, a personificação do atraso, a oposição à virtude de uma sociedade avançada.

Não é à toa que acabam combatendo toda e qualquer manifestação conservadora como se fosse um mal real, que precisa ser extirpado, para o bem maior, o bem comum.

Ninguém pode negar, porém, que quando essas pessoas fazem seus discursos, senão conhecêssemos já toda a ideologia e contradição que reside por trás deles, tudo pareceria muito belo e atrativo. Inclusive, falar contra eles coloca imediatamente o opositor em uma aparente posição de ignorância e obscurantismo.

Tudo isso porque, como é comum aos discursos ideológicos, em tese, aquilo que dizem não é mentira. Se tomarmos apenas as palavras e expressões abstratamente, sem considerar a realidade que subjaz elas, tudo parece muito correto e bonito. Sequer há como contestar que é necessário que sejamos mais tolerantes e inclusivos.

Ocorre que, basta ver a forma como esses mesmos que insistem no discurso da diversidade tratam aqueles que pensam diferente deles para ter a convicção de que provavelmente há algo de errado com a mensagem que tentam transmitir.

O fato é que essas pessoas não são tolerantes, muito menos adeptos da diversidade. O que eles acreditam é que aquilo que defendem representa o que há de mais correto e superior e, portanto, quando lutam com todas suas forças para destruir aqueles que defendem ideias diferentes das suas, acreditam estar fazendo isso em defesa do bem e da moral.

Se uma visão conservadora é a antítese do que pensam, e o que pensam é confundido com o próprio bem, é correto e quase obrigatório destrui-la. Ou seja, combater o conservadorismo seria como uma nobre missão, um dever para aqueles que fazem parte dessa sociedade superior moralmente.

O único problema é que essa forma de pensar é idêntica a de todos os grandes genocidas do século XX, que não tiveram problema algum de dizimar populações inteiras simplesmente porque, segundo eles, representavam o atraso e era um obstáculo ao alcance de uma sociedade mais avançada e superior.

No fim das contas, essa gente que se acha boazinha, mesmo sem saber, é mais tirânica que qualquer pessoa normal.

Por isso, nunca se deixe intimidar por esse discurso que se apresenta como defensor dos excluídos e dos fracos, que se apresenta como moral e eticamente superior, mas que, no momento crucial, não aguenta qualquer manifestação contrária a ele.

Rebelde moderno

Muito da rebeldia moderna resume-se à contestação da sociedade, usando dos meios fornecidos por essa mesma sociedade e sobre os fundamentos postos por ela. Pior ainda, esse rebelde se nega veementemente a abandonar tudo aquilo que a sociedade lhe legou, sem abrir mão de seu direito de reclamar dela . Ele é como o filho que amaldiçoa a riqueza do pai, sem ele mesmo arrumar um emprego e vivendo às custas da família.

Hipocrisia acadêmica

Um professor acadêmico reclamou da forma como tratei Paulo Freire. Sendo ele um confesso admirador da obra freireana, achou que minhas palavras eram injustas. Então, como forma de fortalecer meus argumentos, apresentei a ele o livro “Desconstruindo Paulo Freire”, organizado por Thomas Giulliano e que possui um de seus capítulos escrito pelo meu amigo Rafael Nogueira. Após poucas folheadas, o mestre, então, reconhecendo o viés conservador dos escritores, simplesmente fechou o livro e disse: “Ah, mas são claramente coxinhas!”, recusando-se, diante de tão horrenda constatação, a fazer qualquer análise do publicado. O mais espantoso, porém, e significativo, veio em seguida, quando, na frase seguinte, sem perceber a patente contradição, reclamou que o problema com os críticos de Paulo Freire é que rejeitam previamente as ideias do pedagogo por conta de suas posições políticas, esquecendo, o professor, em um lapso de memória recente, que ele mesmo havia acabado de fazer isso com os escritores conservadores aos quais havia acabado de ser apresentado. Continue Reading

Hipocrisia religiosa

É muito comum ouvir gente bem intencionada dizer que prefere não frequentar uma igreja porque percebera que ali as pessoas geralmente agem de maneira muito diferente do que fora daquele ambiente. Com isso, pretende dizer que os religiosos são hipócritas, pois não são aquilo que aparentam ser, mas fingem ser o que não são.

Se a hipocrisia consiste em aparentar uma virtude que não se possui, então os cristãos seriam uns grandes mentirosos. Se eles, quando se reúnem, cantam, oram e manifestam ares espirituais, mas fora dali cometem os mesmos pecados de todo o resto da humanidade, a única conclusão plausível é que tratam-se de verdadeiros falsários.

O que, porém, aqueles que tecem essas críticas não percebem é que os homens e mulheres que ajuntam-se para praticar sua religião são pecadores como quaisquer outros e, mais ainda, têm plena consciência disso, pois é isso mesmo que a doutrina que seguem lhes ensina. Inclusive, vivem em constante tensão por isso, pois percebem o quanto é difícil agir de acordo com a fé que professam. Não é à toa que muitos crentes desenvolvem conflitos terríveis dentro de si mesmos.

A verdade é que a maioria dos cristãos esforçam-se por viver uma vida de moralidade e o melhor jeito de fazer isso é não se acomodando em seus erros, mas tentando aplicar um comportamento de acordo com sua pregação. Isso, porém, não acaba com a luta constante que cada um desenvolve. Pelo contrário, quanto mais eles esforçam-se por parecer santos, mais acirrada fica a batalha contra o pecado que está em sua natureza. O problema é que invariavelmente esse esforço é confundido, pelo outros, com falsidade, pois expõe os dois lados antagônicos da mesma pessoa.

Claro que, às vezes, isso acaba descambando para uma atitude que prima mais pela aparência do que pela verdade, mas isso ocorre menos por hipocrisia do que pela necessidade de mostrar-se correto diante da sociedade. Não é incomum, por exemplo, interpretarem, erroneamente, o trecho das Escrituras que diz que deve-se fugir da “aparência do mal”, como um chamado a manter as aparências antes de tudo. O problema é que a melhor tradução para essa passagem é todo tipo de mal (inclusive o aparente), o que significa que o fiel deve evitar o mal com todas as suas forças, o que é bem diferente de preocupar-se com a imagem que ele está transmitindo para as outras pessoas. De qualquer forma, a origem dessa atitude é menos por falsidade do por zelo, ainda que equivocado.

Outra questão que colabora para essa aparente hipocrisia é a necessidade de dar bom testemunho da mensagem que carregam. Todo crente considera-se um representante do Reino e tem o sincero receio de escandalizar as pessoas. Assim, esforça-se para mostrar-se bom e moral, ainda que caia muitas vezes exatamente nos mesmos pecados que cansa de dizer que devem ser evitados. Pensa que é melhor parecer bom do que resignar-se na maldade, o que não está de todo errado.

Se, todavia, dentro da igreja, essas pessoas agem de maneira aparentemente mais justa, isso conta menos contra elas do que a favor do próprio ambiente eclesiástico. Isso prova que nele, pelo menos, há um incentivo real para o bom comportamento, para a busca do que é importante, para a chamada a uma vida de santidade. Mostra que mesmo pessoas cotidianamente falhas podem ser conduzidas a atitudes superiores.

O fato é que hipocrisia não é viver em conflito com o que se prega, nem ter um comportamento incompatível com o que se acredita, a não ser que tudo isso seja deliberado. Enquanto a pessoa vive a tensão entre a natureza decaída e a moral superior, não se conforma com essa realidade e não se resigna com seus pecados, pode até ser passível de reprimenda, mas não pode ser chamada de hipócrita.