Tag: Inocência

Chesterton: Romantismo e Inocência

“Uma crítica frequentemente levantada contra G. K. Chesterton é que ele nunca cresceu”. Assim, Joseph Pearce inicia a biografia do escritor inglês.

De fato, Chesterton demonstrava uma aparente inocência, por trás de sua opulência corporal, seu sorriso constante e sua ironia insistente. 

No entanto, ele mesmo afirmava que essa inocência, apesar de real, era diferente da simples ingenuidade infantil.

Chesterton diz que sua inocência era a inocência do romance que, segundo ele, estava mais próxima da realidade do que o mero cinismo.

O cínico, apesar de dizer que tenta se aproximar de uma realidade pura, é diferente da criança, que se relaciona com a realidade mais diretamente. O cínico tenta fazer isso, mas o faz apenas após analisar o que a realidade é.

Diferentemente, o saudosismo da infância que permanece em Chesterton é a tentativa de manutenção de uma relação com a realidade sem interpretações.

O homem adulto está intoxicado por análises e sínteses e, por isso, ele não vê mais a realidade diretamente. Assim, fica incapaz de compreender a criança, que vê tudo de uma maneira simples.

Nesse sentido, é que Chesterton dizia que o homem deveria aprender com a criança, afinal, a criança é o pai do homem, por ser mais velha – e nisto encontra-se um paradoxo.

Todo o pensamento de Chesterton, e sua filosofia, está tomada dessa inocência, que nos faz lembrar que a verdade, geralmente, não está encoberta por muitos véus, como dizia Tomás de Aquino, mas na nossa cara.

É preciso, apenas, ter a coragem, que a inocência infantil dá, para aceitá-la.

O Realismo da Inocência

A verdadeira fantasia e o verdadeiro romantismo são mais realistas do que o pretenso realismo que supõe compreender o mundo e, por este motivo, sente-se impelido a modificá-lo.

É que, na verdade, falta ao realista uma certa inocência infantil, que não pretende decifrar a realidade, mas aceita-a, escapando dela apenas quando quer.

O inocente não pretende alterar o mundo porque ele se resigna com o que a vida oferece. Sua relação com a realidade é direta e simples, mantendo seus olhos abertos e seus pés no chão.

As fábulas e as fantasias são o único mundo que o inocente permite-se manipular, porque ele sabe que sobre o outro – o real – não lhe cabe fazer isso.

É o realista que interpreta a realidade, usando sua inteligência como instância intermediária entre ele e o mundo. Por isso, muitas vezes, o realista não aceita as coisas como são, criando ilusões que tanto enganam os homens.

Como Chesterton disse, é o homem adulto que vive uma vida de faz de conta e fingimento, é ele que está com a cabeça nas nuvens.

Por esse motivo, somente a inocência pode servir de antídoto contra o artificialismo arrogante que se acha responsável por mudar tudo e sente-se capacitado para fazê-lo.

Tiranos do bem

Todo mundo que quer consertar o mundo se transforma em um tirano. Ao mesmo tempo, paradoxalmente, todo mundo que acredita que pode consertar o mundo não passa de uma criança inocente, desolada e perdida.

Na verdade, todos nós temos algo de inocente. Isso, em princípio, não é ruim. Para mantermos nossa sanidade, precisamos de alguma inocência, o que nos permite manter alguma fé e confiança no mundo.

No entanto, essa inocência começa a cobrar seu preço quando o inocente continua acreditando na ideia de mundo perfeito, mesmo quando a realidade joga na sua cara que o mundo não tem nada de perfeito – que ele não é um lugar naturalmente justo, nem equânime, nem fraterno e muito menos seguro.

Nesse momento, o inocente, afetado pela dissonância cognitiva provocada pelo confronto entre a realidade e sua crença, vai racionalizar os fatos. Não fará isso negando que o mundo onde vive é realmente injusto e inseguro, mas dizendo que isso ocorre por culpa exclusiva dos homens – principalmente dos outros homens.

Com essa racionalização, o inocente pode manter sua fé na perfeição natural do mundo, ao mesmo tempo que aponta os responsáveis por sua imperfeição atual.

A consequência óbvia dessa racionalização é a seguinte: se as pessoas são as culpadas pelo mundo não ser perfeito, então, para que se possa restabelecer a perfeição do mundo, é preciso mudar as pessoas. Mais ainda: se mudar as pessoas pode tornar o mundo perfeito, então, fazê-lo é um bem para a humanidade. E se mudar as pessoas é um bem para a humanidade, então está justificado inclusive o uso da força para isso.

É dessa lógica perversa que saem aquelas pessoas comuns que acreditam que, ao lançar-se sobre os outros, forçando-os a mudarem seus pensamentos e comportamento, estão cumprindo uma obrigação moral. Pessoas que começam a policiar as outras, a apontar o que consideram ser os erros delas e a julgá-las como responsáveis por tornar o mundo um lugar imperfeito. São essas pessoas que se tornam os pequenos tiranos – mas, é claro, tiranos do bem.

O mais interessante é que apesar de serem autoritárias, ao mesmo tempo são presas frágeis e indefesas diante do chamamento dos movimentos ideológicos. Isso porque a promessa que esses movimentos fazem da possibilidade de participação na construção de um paraíso na terra, soa, aos seus ouvidos, como um canto de sereia.

Não se deve esquecer que, por mais que essas pessoas se tornem tirânicas, a crença que elas possuem de que o mundo pode se tornar, por meio de uma evolução social, um lugar justo e harmonioso é uma mera racionalização. No caso delas, uma racionalização, típica de mentes imaturas, que se manifesta ante a sensação de insegurança e abandono que o confronto com uma realidade fria e inclemente lhes causa.

No fim das contas, esses pequenos tiranos do bem só querem se sentir amparados e seguros, acreditando que o mundo é como a casa de seus pais.