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Não confie em si mesmo

Disseram para você confiar em si mesmo, não foi? Porém, vou lhe dizer uma coisa: quem confia em si mesmo fica mais burro; quem cultiva a autoconfiança invariavelmente faz as piores escolhas.

Neste mundo onde o sucesso material é objetivo de todos, fazer de tudo para alcançá-lo tornou-se o que há de mais louvável. Sedentas, então, por resultados, as pessoas tornaram-se o alvo perfeito dos gurus da prosperidade, que gritam: “Acredite em si mesmo”, “Confie em suas escolhas”.

Só que, diferente do que se prega por aí, a autoconfiança não serve para muita coisa, não. Pelo contrário, ela mais atrapalha do que ajuda.

O que é ser autoconfiante? É confiar que suas decisões irão dar certo, acreditar que suas percepções e impulsos estão corretos. É crer que você pode, você consegue, independentemente das aparentes limitações que se apresentam.

Em um primeiro momento, a autoconfiança parece positiva, pois promete tirar a pessoa do pessimismo paralisante. Porém, ela tem um efeito maléfico. É que o autoconfiante começa a não duvidar mais de si mesmo. Se ele sente que algo pode dar certo, ele vai em frente, afinal, ele precisa acreditar em si.

E, a partir do momento que a pessoa não duvida mais de si, ela desenvolve o hábito de agir sem pensar. Afinal, quem pensa demais – dizem – não faz nada.

No entanto, agir sem pensar é dar vazão aos instintos – e se tem algo que não é confiável são nossos instintos. Não que eles sejam absolutamente ruins, mas são úteis somente para momentos específicos, de extrema necessidade de reação. No resto do tempo, só atrapalham.

Mas os autoconfiantes precisam acreditar em suas intuições e, por isso, tornam-se reativos. Não refletem e, assim, acabam tomando as piores decisões.

O que é preciso entender é que o antídoto contra a negatividade e o medo de agir não é o otimismo bocó da autoconfiança, mas a reflexão. A reflexão é o contraponto à animalidade latente que só faz besteira. Só a reflexão dá uma chance para que o homem racional tome as rédeas das ações.

É a razão que coloca as coisas em ordem, traz a realidade à vista, pondera os fatos e suas consequências e faz-nos ver a verdade.

Não que a razão não possa errar, mas, pelo menos, quando erra, erra pelo cálculo, não por preguiça.

Na verdade, uma certa desconfiança de si mesmo é o primeiro passo da sabedoria. Duvidar dos próprios motivos, dos próprios sentimentos e da própria razão é a chance que damos para nós mesmos de ponderarmos nossas escolhas. Ser menos autoconfiante é o segredo para tornar-se mais inteligente.

Além dos instintos

Uma das tendências modernas não foi negar a divindade, mas colocá-la acima e à parte dos negócios humanos. É o tempo do deísmo, do salto de fé, do Deus absconditus. Enquanto ele permanece lá em cima, nós ficamos cá embaixo resolvendo nossos problemas e chorando nossas mazelas.

Se Deus não está aqui, então não está em nós e não tem nada a ver conosco. Somos criaturas suas, não reflexos seus. Junte-se a isso a hipótese darwiniana e o que temos é a idéia de que não somos mais do que uns animaizinhos um pouco mais evoluídos.

A Psicologia, que surge nesse ambiente, até reconhece a superioridade da racionalidade humana, mas aceita a animalidade como uma condição essencial. Sendo assim, em suas terapias, tende a propor a compreensão da atuação dos instintos e a melhor maneira de guiá-los.

Isso não chega a ser errado, mas é limitante. Ao ter como meta apenas o direcionamento dos instintos, a Psicologia não conduz o homem para além de sua condição mais baixa. Faz dele um animal um pouco superior aos outros, mas ainda apenas um animal.

Na sabedoria antiga, especialmente a cristã, os homens não eram vistos apenas como animais. Pelo contrário, apesar de reconhecer a porção de animalidade que cada indivíduo carrega e até a possibilidade dele rebaixar-se a ponto de viver como uma besta, o cristianismo sempre ressaltou que os homens são uma imagem da divindade, possuindo neles algo da natureza divina.

Sendo assim, a busca sempre fora pela superação da animalidade em direção à divinização. Não que – pelo menos no cristianismo – houvesse a pretensão dos homens de tornarem-se deuses propriamente ditos, mas havia, sim, o divino como norte e idealização. Cristo, que é humano e divino, fixou-se como o modelo, a referência para todo cristão.

O homem cristão não é uma pessoa tentando guiar seus instintos, mas alguém procurando superá-los. Sua animalidade não é uma condição estática e inapelável em suas manifestações. Pelo contrário, sendo sua parte mais baixa, geralmente mais atrapalhando do que ajudando na realização do ideal humano, reter-se em apenas direcioná-la seria o mesmo que abdicar da possibilidade de realizar-se como ser superior.

Guiar os instintos pode ser útil, mas apenas na realização do que é material, do que tem a ver com as coisas práticas deste mundo. Se quiser tornar-se algo melhor e vivenciar o que está além desta parca experiência terrena, o homem precisa vencê-los. Se não extingui-los – o que talvez seja impossível – ao menos calá-los o máximo que puder.

Tradição e instinto

É comum ver gente inteligente criticando a forma como assimilamos as tradições, tentando dar a entender que, ao fazermos isso, estamos agindo sem pensar, apenas repetindo padrões já determinados. Há até um vídeo, bastante conhecido, que mostra uns macaquinhos agindo dessa maneira. Acreditam assim que estão levando seus ouvintes a defender a razão.

Não entendem, porém, que a razão humana não é algo que existe sem uma causa e que ela é também parte de um desenvolvimento e, nesse prisma, só existe como fruto das tradições e dos costumes. Sem eles, com efeito, seríamos apenas instinto e, consequentemente, não haveria razão alguma para defender.

Por isso, quando alguém, ao criticar o conhecimento herdado, pensa estar reivindicando liberdade, na verdade está promovendo o exato oposto dela: o cárcere da irracionalidade.

Involução anti-hobesiana

Criticar as tradições e a ordem estabelecida, tendo-as por males, reivindicando uma liberação dos instintos, é a conclamação de uma vida sem sociedade. É a promoção da involução anti-hobesiana.