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Arrogância humana ante a natureza

Mandaram as pessoas trancafiarem-se em casa, abrindo mão de suas próprias capacidades de subsistência, para conter um vírus. E todos foram obedientemente cumprir sua missão humanitária. No fim, o vírus fez pouco caso de tanto heroísmo e seguiu seu curso natural.

Existem algumas razões que podem explicar a submissão do povo em esconder-se como ratos. No entanto, uma delas é evidente: a confiança irrestrita no poder humano em controlar as forças da natureza.

O desenvolvimento resultante do acúmulo de conhecimentos científicos e tecnológicos permitiu ao homem controlar diversos aspectos da realidade. Ele aprendeu a usar da terra, a vencer a barreira da gravidade e até a curar doenças agressivas. Isso, porém, criou a ilusão de que a realidade está completamente submetida e a natureza totalmente domada.

A confiança irrestrita no poder humano sobre a natureza gerou nas pessoas a ideia de que qualquer problema que aparecesse seria resolvido rapidamente pela inteligência humana. Afinal, o que seria uma gripe comparada a tantas vitórias empreendidas pela Ciência?

No entanto, o vírus chinês mostrou que o domínio do homem sobre a realidade é limitado; deixou claro que, por mais que a humanidade tenha superado tantas barreiras que a natureza lhe impôs, há ainda um universo amplo e misterioso a ser desbravado.

A epidemia denunciou a importância de reconhecer a limitação humana; de que a prática da docta ignorantia, de Nicolau de Cusa é mais do que um método filosófico, mas uma postura inteligente diante da existência.

Na verdade, apenas uma visão clara da pequenez humana diante da imensidão do universo propicia a sabedoria para a tomada das melhores decisões. Do contrário, a arrogância faz com que as pessoas ajam como estúpidas, chegando a sacrificar coisas importantes na confiança no poder da civilização.

‪No caso da epidemia, se a sociedade tivesse uma visão clara de suas próprias possibilidades, aceitaria a realidade como ela se apresenta e, sem a ilusão de impedir o imponderável, teria tomado atitudes mais saudáveis de acordo com suas reais capacidades.‬

O triste foi ter de constatar que todo o sacrifício imposto foi em vão. Basta ver como as curvas epidemiológicas de todos os países são muito parecidas, independentemente da rigidez das medidas de tentativa de contenção.

Isso quer dizer que empregos foram perdidos, economias quebradas, famílias destruídas por nada. Afinal, no caso do vírus chinês, o que sua natureza determinou foi imposto, desprezando a arrogância dos governos e da própria classe científica.

Naturista hipócrita

Gosta mesmo da natureza? Acha mesmo que o homem civilizado abusou de seu direito de impor o asfalto e o concreto? Acredita, de verdade, que é preciso um retorno a uma vida mais bucólica?

Então, considerando que terra é o que não falta neste país, por que você não adquire um pedaço dela, de preferência bem longe da civilização, onde possa sobreviver daquilo que ela lhe der, e para de encher o saco?

Enquanto preferir apenas falar mal do mundo civilizado, sem abandoná-lo, por conveniência, você é apenas mais um hipócrita.

Natureza de mentirinha

Pessoas urbanas sempre reclamam que precisam ter mais contato com a natureza. Até o filósofo Mário Ferreira dos Santos vivia suspirando por uma vida mais bucólica. Só que a ideia de natureza dessa gente está bem longe de sua verdadeira essência.

Para o homem urbano, natureza é um jardim florido, umas árvore frondosas, no máximo, um riacho perto de casa – claro, tudo bem cercado pelo conforto e segurança que o mundo civilizado lhes oferece. Ninguém quer meter-se em meio a mata cerrada, junto a cobras, lagartos e lobos. Ninguém quer comer raiz ou ter de matar e devorar algum bicho estranho para sobreviver.

Na verdade, ninguém quer natureza coisa nenhuma. Quer só um adorno para seu delicioso mundo de vidro e concreto.

Natureza opressora

Eu entendo as pessoas sentirem a pressão do mundo capitalista. As obrigações são muitas e das mais diversas. Às vezes dá mesmo vontade de jogar tudo para o alto.

Falam em lógica do mercado, mas ela, na verdade não existe. No mundo das compras, das trocas, do trabalho e dos negócios, nem sempre o melhor vence, nem sempre o mérito é reconhecido, nem sempre o esforço é devidamente recompensado e nem sempre os sacrifícios valem a pena.

Assim, diante da constatação de verdade tão cruel, sempre há aquelas pessoas que, sentindo-se oprimidas, culpam o sistema por seus fracassos, lançando sobre ele a responsabilidade por suas frustrações, e começam a propor meios de vida alternativos, maneiras de viver que se convencem ser um jeito melhor do que o da loucura do mercado.

Alguns, mais empolgados, chegam a propor uma mudança no próprio sistema – o que historicamente, além de mostrar-se inviável e pernicioso, demonstrou que, apesar de mudar as regras do jogo, não muda a essência do problema. Os países que experimentaram o comunismo, por exemplo constataram que o mundo deles pode ser tão ou mais opressor que o mundo capitalista, mas, certamente, bem menos confortável.

Outra saída proposta é o ideal de retorno do homem à natureza. Influenciados por uma visão romântica ou, simplesmente, induzidos por concepções ingênuas sobre a natureza, como a apresentada em diversos filmes e livros, acreditam que viver em harmonia com as plantas e os animais é o melhor que podem fazer para manter a própria paz.

O que essas pessoas não entendem, porém, é que a opressão e sentimento de injustiça, que elas percebem dentro de uma sociedade de mercado, não é uma característica dessa sociedade especificamente, mas da própria estrutura da realidade. A realidade é, em si mesma e em todas as suas manifestações, injusta e opressora.

Na natureza existe apenas uma lei: a do mais forte. Não existe harmonia, mas guerra. Na natureza, qualquer vacilo, qualquer descuido, pode ser fatal. Uma desatenção, e uma cobra lhe pica, um vacilo e um lobo lhe ataca, um erro e uma planta lhe envenena. Na natureza ninguém lhe defende, nem há instâncias de apelação. O que vale é a força pura e simples.

Existe algo mais opressor do que isso?

O que precisa ficar bem claro é que se há alguma justiça neste mundo; se há alguma harmonia; se existe alguma forma de equilíbrio, impedindo que os mais fortes simplesmente massacrem os mais fracos, isso dev-se à civilização. Foi ela quem criou os meios de dirimir a ação inclemente da natureza.

Não tem nada de natural na justiça, nem nada de natural na igualdade.

Se alguém quer viver em paz em meio à natureza, longe da civilização, o único jeito é equipar-se com o máximo de instrumentos retirados dessa mesma civilização: como uma boa lanterna, um bom rifle, uma boa comida e um bom abrigo. Sem isso, a chance de sobrevivência é mínima.

Vitória sobre a natureza

Toda engenhosidade humana é uma vitória contra a natureza.

De um pequeno trabalho artesanal, até as grandes obras da engenharia; de uma pequena redação à feitura de uma enciclopédia; da composição de um poema à publicação de um tratado de física; da construção de um instrumento de manufatura até à edificação dos arranha-céus, tudo acontece pela negação humana de sua tendência natural à acomodação.

Se seguíssemos o que alguns proclamadores da liberdade apregoam, de que é necessário dar vazão aos instintos para despertar a criatividade, estaríamos ainda vivendo em árvores, comendo frutas silvestres e dormindo em cavernas.

E apesar desse parecer ser o sonho de uns hippies tardios, estamos bem satisfeitos com que o ser humano, em seu esforço contra suas tendências naturais, construiu para nos oferecer conforto.