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A Sociedade Holística

O que atrai a simpatia de muitos conservadores brasileiros para o discurso duginista é o seu constante apelo à Tradição. O professor Dugin se apresenta como um verdadeiro apóstolo da filosofia perene e diz querer salvar o mundo da modernidade que o está destruindo.

Segundo o professor Dugin, esses valores modernos têm como princípio o mais puro individualismo, que é a causa de toda competição, egoísmo e materialismo que os caracterizam.

Isso, segundo ele, gera uma sociedade fragmentária, na qual não há qualquer senso de cooperação, nem identificação coletiva. Uma sociedade sem fraternidade e sem unidade.

As mais afetadas por essa influência ocidental sobre todo o mundo seriam as identidades nacionais que, corrompidas pela mentalidade individualista e competitiva que o Ocidente disseminou, enfraqueceram-se.

Por isso, Dugin entende ser importante resgatar um tipo de sociedade que ele chama de holística, a qual se caracteriza por ser, à maneira de comunidades antigas, mais orgânica e hierárquica.

Na visão do professor Dugin, esse tipo de sociedade holística é naturalmente mais fraterna, mais ordeira e mais voltada para a preservação daqueles valores que o mundo moderno destruiu.

Portanto, a proposta eurasiana acaba sendo coletivista. O mundo que ela quer erigir não preza, definitivamente, pela autonomia do indivíduo. Pelo contrário, sua preocupação concentra-se na unidade social e na identidade coletiva, bem à maneira fascista.

Por isso, o eurasianismo vai propor abertamente o confronto direto contra o Ocidente e contra aqueles valores que Dugin vai dizer que, por meio do projeto globalista, têm corrompido o mundo inteiro. Sua luta é, de fato, contra a liberdade que o mundo ocidental propugnou desde o advento de suas democracias liberais.

O truque eurasiano, porém, é identificar toda a libertinagem que há no mundo com a liberdade que o Ocidente promove. Parece que toda depravação que existe é oriunda do Ocidente e que o Oriente é um oásis de puritanismo. O que ele esquece é que o Ocidente sempre foi sustentado por princípios claros de comportamento, baseados em seu alicerce cristão, enquanto toda a liberalização sempre foi patrocinada exatamente por aqueles mesmos que estão do outro lado, promovendo ideologias coletivistas e revolucionárias.

Inclusive, o professor Olavo de Carvalho adverte-nos que a corrupção ocorreu principalmente do Oriente para o Ocidente, através da infiltração que os governos comunistas fizeram, direta e indiretamente, nas instituições ocidentais.

Além do mais, o professor Olavo vai lembrar-nos que os defensores dessas sociedades coletivistas não possuem qualquer moral para julgar o Ocidente, afinal foram exatamente essas sociedades, por meio de seus governos, que cometeram as maiores atrocidades da história. Especialmente a Rússia, com o seu projeto comunista soviético, foi a responsável por milhões de mortes no século XX.

Sempre é bom destacar que o coletivismo possui uma retórica encantadora. Desde o princípio, ele declara que busca liberdade, igualdade e fraternidade. Na prática, porém, mostrou-se intolerante e violento, sufocando qualquer tipo de manifestação livre do indivíduo, além de justificar toda forma de totalitarismos que, com a desculpa de agir pelo bem comum, fazem dos cidadãos seus escravos.

Na verdade, apenas o individualismo (no sentido filosófico desse termo) é capaz de gerar um ambiente solidário. Isso porque apenas ele permite a expressão da fraternidade espontânea. Afinal, é o individualismo, como a forma de vida que protege o cidadão da tirania governamental e coletiva, que respeita a integridade da pessoa humana.

Por isso, quem imagina que o sonho eurasiano representa algum tipo de libertação dos povos ou de promoção da liberdade do indivíduo engana-se completamente. Ele não passa de mais uma ideologia totalitária, com a mesma retórica de fraternidade e igualdade que todos os movimentos revolucionários usaram desde pelo menos o século XVIII.

Vítima do Projeto Globalista

Na ideologia eurasiana, os Estados Unidos aparecem como os pivôs de um projeto de dominação global, que pretende implantar, no mundo inteiro, seu estilo de vida, seu modelo econômico e sua democracia liberal.

Porém, o eurasianismo entende que esse modelo americano nada mais é do que a expressão do indvidualismo, a encarnação da mentalidade materialista, a manifestação do racionalismo iluminista e a dinâmica da sociedade aberta popperiana.

O eurasianismo conclui, então, que essa exportação forçada do modelo americano representa a corrupção do mundo, com o consequente enfraquecimento das manifestações tradicionais dos povos e fragilização das soberanias nacionais.

O professor Olavo de Carvalho, porém, em sua contestação, lembra, antes de tudo, que o projeto de dominação global, arquitetado por ocidentais, não é o único existente, mas concorre com outros dois, a saber, o Russo-Chinês e o Islâmico.

O projeto Islâmico nada mais é do que uma consequência da própria teologia muçulmana, interpretada politicamente, que convoca seus fiéis a expandir a fé islâmica por todo o mundo, nem que seja à força; o projeto russo-chinês, do qual o eurasianismo é sua expressão mais atualizada, nada mais é do que a continuidade da velha utopia comunista, com algumas adaptações, mas conduzido pelos mesmos personagens – afinal, toda a elite russa é composta por ex-membros da nomenklatura soviética, que saíram da URSS milionários e mais poderosos do que nunca.

Quanto ao projeto de dominação global ocidental, o professor Olavo de Carvalho não nega sua existência, inclusive atribuindo a ele o nome de Consórcio, mas contesta a interpretação do professor Dugin de que esse é um projeto americano. Segundo o professor Olavo, os Estado Unidos, especialmente seu povo, são uma vítima do Consórcio, que os usa – de sua prosperidade e poderio militar – para a consecução de seus próprios objetivos.

Isso porque o americano médio é nacionalista e cristão. Sua cultura é baseada na valorização do indivíduo e em sua proteção contra os poderes deste mundo. A Constituição Americana é totalmente fundamentada nesses princípios, inclusive reconhecendo os direitos dos cidadãos diante de seu próprio governo.

Sendo assim, esse nacionalismo americano acaba sendo um entrave para as pretensões do Consórcio, que são alicerçadas numa ideia coletivista. Os globalistas insistem, por meio dos movimentos que patrocina, que, antes de tudo, importa a coletividade e os interesses do todo. O ambientalismo é o exemplo notório desse tipo de mentalidade, que sufoca o indivíduo em favor de um suposto direito coletivo.

O povo americano configura-se como um obstáculo que os globalistas precisam superar e fazem isso, antes de tudo, tentando corromper sua cultura. Portanto, diferente do que afirma o professor Dugin, não são os Estados Unidos que corrompem o mundo, mas os globalistas, muitas vezes em conluio com outros grupos – inclusive os russos, com a notória infiltração cultural marxista e institucional comunista – que fazem de tudo para corromper os Estados Unidos. O fato é que o projeto globalista esforça-se por sufocar o nacionalismo americano, enquanto usurpa suas riquezas e usa de suas instituições.

Na verdade, todos esses três projetos de dominação: o russo-chinês, o islâmico e o globalista, possuem um inimigo comum: o cristianismo, conforme expressão de fé de pessoas individuais e independentes das forças governamentais. Todos esses projetos expressam um ódio extremo pelo individualismo cristão. Para eles, a fé não pode se ruma expressão do homem em sua individualidade, mas, quando não for simplesmente extinguida, deve servir aos interesses do Estado.

Por isso, não dá para se empolgar com qualquer proposta vinda dos ideólogos russos. Nós que valorizamos a fé individual e a liberdade de consciência não podemos nos iludir com qualquer proposta oriunda de quem acredita que essa autonomia é um problema.

Breve Introdução ao Eurasianismo

Há uma guerra acontecendo, com o potencial de acarretar sérias consequências a todo mundo. Diante disso, acredito ser importante fazer uma análise mais aprofundada sobre as razões ideológicas que existem por trás das ações do governo de Vladimir Putin, e que estão além dos motivos geopolíticos e econômicos declarados.

Nem todo mundo sabe, mas Putin possui como que um conselheiro permanente em assuntos estratégicos. Alexandr Dugin é a mente por detrás de muitas das decisões do presidente russo e o principal responsável por fornecer para o governo uma estrutura ideológica que lhe dê sustentação.

Há dez anos, o professor Dugin – que possui alguns admiradores aqui no Brasil – foi convidado para um debate, por escrito, com o professor Olavo de Carvalho. O debate, então, transformou-se em um livro, chamado “Os Estados Unidos e a Nova Ordem Mundial”. Nele, a ideologia duginiana foi exposta e devidamente contraditada pelo professor Olavo. Nas próximas linhas, farei uma síntese daquilo que Dugin expôs, para que possamos começar a entender o seu pensamento.

Segundo o professor Dugin, depois do fim da guerra fria, nasceu uma Nova Ordem Mundial, baseada na cooperação entre os EUA e a URSS. No entanto, com a dissolução desta, os Estados Unidos passaram a buscar o controle hegemônico da política e da economia mundiais. Para isso, eles apostariam em três vias concomitantes: a do Império Americano (da preferência dos neocons), a da unipolaridade multilateral (da preferência dos democratas) e o do simples e direto governo mundial (delineada nas mesas do CFR).

Tudo isso porque, conforme pensa Dugin, os EUA enxergam a si mesmos como o pico da civilização e o fim da história. Com isso, entendem-se obrigados a impor uma ordem global unilateral, tendo seu estilo de vida como o modelo a ser seguido em todo o mundo. Nessa tentativa de imposição, os EUA estariam promovendo um período de transição, que seria a passagem do liberalismo para um tipo de pós-humanismo, com a destruição de qualquer entidade social holística e com a fragmentação e atomização da sociedade.

O que Dugin quer dizer é que os Estados Unidos querem impor o seu estilo de vida, baseado na competição, no individualismo e no materialismo sobre todo o mundo, sufocando as formas mais tradicionais e naturais de existência, dissolvendo as identidades nacionais e desprezando as raízes culturais dos povos.

Porém, explica Dugin, contra essa ordem americana, existem grupos que se opõem, propondo configurações globais alternativas. Um deles seria o mundo islâmico e outro o neo-socialismo. Porém, há também o eurasianismo, o qual o professor representa. O Eurasianismo propõe simplesmente a divisão do mundo em grandes espaços, com a união de nações através da comunidade de valores e princípios. Seria, então, um mundo repartido em blocos ideológicos, cada um possuindo seu próprio estilo de vida e, consequentemente, sua própria maneira de viver, incluindo aí, seu próprio sistema econômico. A proposta eurasiana é o rompimento com a ordem político-econômica global, como ela vem sendo desenhada, para apresentar um modelo alternativo, que, se diz não querer dominar o mundo inteiro, certamente quer ter autonomia para dominar as nações que estiverem sujeitas à sua própria ordem.

Sendo assim, é um objetivo manifesto da ideologia eurasiana fazer com que a Rússia rompa com o sistema global atual. Isso significaria, segundo sua perspectiva, a libertação em relação ao imperialismo americano e uma verdadeira independência daquilo que é considerado por ela como uma imposição de uma forma de vida que é uma afronta às tradições e história russas.

Há diversas teorias que sustentam a ideologia eurasiana e que precisam ser compreendidas com mais profundidade. Por ora, é preciso entender que se trata de uma ideologia revolucionária, com elementos socialistas e fascistas, que tem como objetivo não apenas romper com uma ordem imposta desde fora, mas que pretende criar uma nova ordem, da mesma maneira autoritária.

Chesterton e Olavo de Carvalho

As razões mais óbvias servem para as pessoas mais óbvias. Porém, quem movimenta o mundo de verdade são aqueles que desafiam o óbvio e fazem aquilo para o que foram destinados. Se fizessem o óbvio, provavelmente cairiam na vala comum da mediocridade. Se seguissem os conselhos óbvios das pessoas óbvias seriam exatamente como elas: óbvias.

Há dois homens, de épocas diferentes, de personalidades diferentes, com estilos de vida diferentes, mas que se tornaram incrivelmente parecidos exatamente por fugirem da obviedade. Chesterton e Olavo de Carvalho possuem características que os diferenciam: um era obcecado pelos paradoxos da vida, o outro pela verdade nua e crua; um escrevia como se tivesse contando uma história, o outro dando uma aula; um considerava-se quase um poeta, o outro um filósofo; um não teve filhos, o outro os fez às pencas; um era inglês, em um época em que a Inglaterra era o grande poder global; o outro brasileiro, testemunhando um país sempre à margem do protagonismo mundial; um estava cercado de intelectuais de altíssimo nível, contra quem travara grandes debates, o outro viveu quase toda sua vida cercado de anões intelectuais, incapazes de discutir com ele e de sequer entender o que ele escrevia.

Tudo isso pode parecer decisivo para manter esses dois personagens afastados e aparentemente sem qualquer similaridade. No entanto, o que os torna semelhantes é muito mais decisivo do que suas diferenças. Ambos jornalistas, tornaram-se conhecidos por seus artigos nos periódicos de seu tempo. A principal atividade de ambos, porém, fora a crítica ao círculo intelectual de suas respectivas épocas. Ambos fizeram carreira destruindo intelectualmente aqueles a quem criticavam. Ambos acabaram envolvendo-se com as questões políticas talvez mais do que imaginassem ou desejassem. Escreveram diversos livros, porém nenhum dos dois desenvolveu uma doutrina dogmatizada, mas construíram uma filosofia que, compreendida em seu sentido amplo, deixa para a posteridade um material abundante para ser discutido e desenvolvido. Tanto o escritor inglês como o brasileiro possuem um pensamento original e, frasistas naturais, oferecem centenas de citações que se tornaram marcantes para seus leitores. Por fim, firmaram-se na fé católica na maturidade, mostrando um semelhante progresso espiritual nessa direção.

Ainda assim, não são essas grandes similitudes que tornam Chesterton e Olavo de Carvalho gigantes-irmãos. O que os torna realmente semelhantes é algo bem mais trivial: o fato de não aceitarem fazer o óbvio. No caso, o óbvio seria, como intelectuais e pensadores influentes, afastar-se um tanto dos afazeres considerados dispersivos, como os debates públicos e as disputas políticas e intelectuais de seu tempo; o óbvio seria ver tudo isso como perda de tempo para quem tem a contribuir com questões superiores. Mentes normais ficam incomodadas vendo potências intelectuais se distraindo com questiúnculas. Por isso, ver o Olavo escrevendo diariamente nas redes sociais pode parecer uma grande perda de tempo, da mesma maneira que parecia pra os contemporâneos de Chesterton quando o viam atolado em disputas que pareciam dispersões em meio à grande obra que ele poderia produzir – inclusive, ele ouviu constantes repreensões por isso.

No entanto, foi a própria esposa do escritor inglês, Frances (aliás, outro semelhança ente os dois escritores: como a mulher de Chesterton, Roxane Carvalho é uma guerreira ao lado de Olavo), quem explicou exatamente como as coisas se davam. Segundo ela, seu marido não mudaria, porque estava “empenhado em ser um alegre jornalista, em fazer a maior farra… Tudo o que ele quer é fazer a maior barulheira possível”.

Chesterton queria bagunçar o mundo intelectual de sua época. E como não comparar isso com a afirmação do próprio Olavo de Carvalho, que disse: “Eu vim foder com tudo!”?

O fato é que se tratam de dois homens que fizeram história. Os dois remexeram como seus respectivos mundos intelectuais. Os dois fizeram tudo aquilo que não se esperava deles. E assim colocaram tudo de cabeça para baixo. Com isso, enquanto um, tendo feito carreira há um século, deixou um legado de pensamento profundo, que até hoje é discutido por seus admiradores, o outro, que já é o responsável pela maior revolução cultural ocorrida em terras brasileiras, segue construindo seu patrimônio que ficará de herança para uma enormidade de pessoas que se interessam pelos mais diversos assuntos – de política à filosofia, de psicologia à espiritualidade.

Chesterton e Olavo têm muito mais em comum do que pode parecer, à primeira vista. No entanto, nada os une mais do que o fato de terem vindo ao mundo para chutar os alicerces do pensamento corrente.

Um filósofo desconcertante

Os filósofos marxistas não sabem lidar com Olavo de Carvalho. Eles ficam desconcertados com ele que, no exercício de sua filosofia, parte daquilo que os marxistas consideram a base de seu tão querido materialismo: a realidade objetiva.

O materialismo dos marxistas nada mais é do que a consideração daquilo que é observável, direta ou indiretamente, como ponto de partida de suas considerações. Seus pensadores mais ortodoxos possuem o mérito de não duvidar dos fenômenos como eles se lhes apresentam. Seu problema, porém, reside no fato de terem esses fenômenos como o limite da realidade, negando a existência de qualquer coisa transcendente.

Assumidamente materialista, a filosofia marxista declara como seu inimigo número um o idealismo. Porém, engloba neste mais do que os idealistas estritos, como aqueles da tradição filosófica alemã dos séculos XVIII e XIX, que davam primazia à consciência em detrimento das coisas, mas considera também sob esta alcunha todos os que aceitavam a existência de realidades supra-materiais. Religiosos, teólogos, espiritualistas, subjetivistas, transcedentalistas e até mesmo realistas metafísicos – todos são colocados no saco do idealismo. Assim, esperam encontrar em Olavo de Carvalho mais um dentre estes, aos quais estão mais do que treinados em enfrentar.

O filósofo forjado no marxismo aprende a pensar a realidade como tudo aquilo que está fora do sujeito e que pode ser, de alguma maneira, verificável. Sua noção de realidade é material. Tudo, para ele, parte da matéria e tudo termina nela, inclusive o próprio sujeito. E é exatamente nesse ponto que Olavo de Carvalho desconcerta-o. O filósofo marxista espera que Olavo, um católico confesso e aberto ao espiritualismo e à transcendência, parta, em seus argumentos, de sua fé, de suas próprias convicções ou da autoridade dos dogmas e das tradições. No entanto, Olavo os confunde ao, à maneira marxista, iniciar sua reflexão filosófica a partir dos fatos, das coisas, do senso comum, daquilo que é identificado imediatamente como realidade, do observável. Neste ponto, ele, ao mesmo tempo que se alia à tradição aristotélico-tomista, não pode ser tido pelos marxistas como um adversário.

A diferença da filosofia olaviana e a dos marxistas está menos de onde partem e sim para onde vão. É que aquela não se circunscreve dentro dos limites onde esta se detém. Olavo parte do observável, mas não tem medo de ir até o infinito.

O problema, para os marxistas, é que eles ficam sem ter como contestá-lo, porque o filósofo assume boa parte das premissas que eles aceitam, separando-se deles principalmente no desenrolar de suas deduções. Na verdade, são os marxistas que se limitam quando assumem como princípio que tudo é matéria. Ao fazer isso, eles podem até começar como qualquer outro realista, mas ficam impedidos de seguir adiante, principalmente quando, para entender a verdade, isso se faz mais necessário.

É muito fácil, para um marxista, contestar um espiritualista, um subjetivista, até um idealista, acusando-os de negarem a realidade ou de viverem com a cabeça longe do chão. Quando, porém, se deparam com alguém que não nega o que vê, que tem o senso comum como partida, não sabem o que fazer com ele. Quando observam Olavo de Carvalho, ficam perdidos, pois têm consciência que estão lidando com um homem que tem os pés bem firmados no solo e a cabeça bem grudada no pescoço, ainda que sem medo de voar até os mais altos céus.

Perseguição ao pensamento que escapa da ideologia

Um país intelectualmente civilizado e evoluído tem como principal compromisso, na área da cultura, preservar seus representantes mais ilustres. Independentemente de suas preferências políticas, da religião que profere, de seu comportamento e até, nos casos mais extremos, dos crimes que cometeu, o grande pensador é um patrimônio nacional, que deve ser ostentado com orgulho por quem ama a terra onde vive.

Mas o Brasil é um país onde seus ditos intelectuais, principalmente aqueles considerados os guardiões da cultura nacional, são gente que sofre daquilo que Ortega y Gasset chamava de politicismo integral – característica típica do homem-massa, de pessoas medíocres. Gente que vê política em tudo e que julga tudo pela política. Pior, que rebaixa toda manifestação de pensamento – mesmo a mais alta e sutil – ao nível do discurso político.

Onde a classe letrada tem a convicção política acima da inteligência, nenhum pensamento superior subsiste. Pior, todas ideias são medidas segundo a régua da ideologia, o que rebaixa tudo aos níveis rasteiros das disputas partidárias.

Não é que os intelectuais não devam falar de política – muito pelo contrário! Mas deveriam falar e pensar política a partir de uma perspectiva superior e mais profunda, com base no que está além dos fatos cotidianos. O problema é que aqui no Brasil eles pensam sempre a partir da própria ideologia política que possuem, tendo ela como o ponto de referência para a avaliação do que tem ou não tem valor. Com isso, não há mais lugar para as ideias livres, mas apenas para os discursos de acordo com o pensamento dominante.

Onde, em seu meio cultural, prevalece o pensamento ideológico, contra os maiores pensadores, se eles não falarem de acordo com a linha ideológica dominante, prevalecerá, primeiro, a tentativa de ignorá-los, depois, quando isso não for mais possível, vão se esforçar por contestá-los, então, ao perceberem que a contestação foi inútil, vão procurar desmerecê-los e, por fim, ao verem que nada disso adiantou, buscarão destruí-los moral e até fisicamente.

Há o fato também da ideologia tornar as pessoas, mesmo letradas, burras. Isso porque ela formata, de acordo com seus estreitos limites, a visão de mundo dessas pessoas. Daí, quando um estudioso pensa e fala de uma maneira que ultrapassa esses limites, ele, querendo ou não, expõe essa burrice.

Por isso, tenho convicção de que toda a perseguição promovida contra Olavo de Carvalho – e que já havia sido experimentada em níveis menores por outros pensadores, como, por exemplo, Paulo Francis – ocorre, não apenas porque ele fala contra a ideologia dominante, mas porque suas ideias colocam à vista de todos a miséria intelectual da classe letrada brasileira, que é maciçamente submetida a essa ideologia. Independentemente da genialidade do professor, só o fato dele pensar fora da caixinha ideológica já o torna um inimigo declarado dos militantes aculturados. Afinal, a discordância pode incomodar, mas a exposição da própria idiotice desperta, em quem se tem por inteligente, os instintos mais ferozes.

Filófoso em tempo real

Virou moda no grupo semi-intelectual da internet brasileira considerar os alunos e admiradores do professor Olavo de Carvalho como que uma segunda classe de intelectuais. Isso porque começam a considerar o próprio professor um intelectual de segunda classe. Criticando-o no nível da aparência de seu discurso, têm-no por grosseiro, retrógrado e, como se isso fosse um xingamento, apenas por um religioso conservador.
 
O fato é que nessa arrogância juvenil – porque não se trata de nada mais que isso – esses meninos estão perdendo a oportunidade de acompanhar, em tempo real, um pensador de primeiríssima linha – algo que não houve igual, por causa das diferenças tecnológicas, na história do mundo. Existiram filósofos gigantescos na história, e o próprio Olavo refere-se a eles constantemente, mas nenhum deles pôde ser acompanhado no desenvolvimento de suas ideias, como se seus alunos morassem na casa desses pensadores. Nós, porém, temos isso, mas nem todos se dão conta.
 
Sempre que eu leio algo escrito pelo professor Olavo de Carvalho, vejo que, nele, tudo o que é expresso tem peso de realidade, de verdade, de concretude. Ao mesmo tempo que suas investigações mergulham em profundezas inacessíveis a boa parte dos que o lêem, elas nunca são tomadas por abstracionices, por palavras vazias. Seus pensamentos possuem a força da realidade e mostram-se comprometidos com a experiência verdadeira da vida.
 
Isso tudo fica mais evidente quando leio aqueles que tentam comentar o que o Olavo escreve. Façam esse teste! É incrível a disparidade no peso das ideias. Enquanto o que o professor diz parece remexer com a matéria viva, com o âmago dos problemas, geralmente seus comentadores apenas lançam slogans e lugares-comuns, que assemelham-se à névoa.
 
A verdade é que esse comprometimento com a experiência real, sem abrir mão de sua substância, aliado a sua vasta cultura, é que faz do professor Olavo de Carvalho um fenômeno vivo.
 
No entanto, os quase letrados virtuais insistem em apenas criticá-lo na base do concordo/discordo, gostei/não gostei, certo/errado. Com isso, perdem o mais importante nessa experiência, que é a possibilidade da observação imediata de uma mente privilegiada que está sempre expondo ideias que são fruto de suas diversas leituras e de sua capacidade acima da média de sintetizá-las.
 
De minha parte, reconhecendo que, por seu talento, experiência, dedicação e capacidade filosófica comprovada, o professor Olavo, quando escreve, está expondo algo que contém uma imensidão de outros conhecimentos subjacentes, antes de tentar fazer qualquer crítica, me pergunto: quais são os dados que ele rastreou para chegar a essa conclusão e quais meios intelectuais usou para tanto? Isso porque eu sei que nisto está o seu legado, nisto está o seu mais sério ensinamento e eu tenho certeza que é essa a lição que ele quer passar para seus alunos.
 
No entanto, uma parte dos leitores jamais vai entender isso, porque lhes falta humildade para reconhecer a distância que existe entre eles e um filósofo de verdade.

A Nova Era e a Revolução Cultural, de Olavo de Carvalho

Há poucos dias reli o livro “A Nova Era e a Revolução Cultural”, do filósofo Olavo de Carvalho, e ao fazer isso a certeza que eu tive é de que realmente o professor está muito a frente de qualquer outro pensador neste país. O livro é de 1994, mas a análise que ele faz dos fatos, principalmente do movimento esquerdista brasileiro e sua influência na cultura e na política, é esclarecedora. Enquanto a maioria daqueles que tentam explicar o fenômeno petista, ainda hoje, se debatem em dificuldades que parecem, aos seus olhos, intransponíveis, Olavo já deixou tudo muito bem explicado em seu trabalho escrito há mais de vinte anos.

Além da explicação sobre o fenômeno da Nova Era e a aula sobre a estratégia gramsciana, que são a parte central do livro, há diversos outros argumentos que, além de atualíssimos, são a solução para o imbróglio interpretativo que os analistas políticos fazem em relação ao PT. Se eles parassem um pouquinho de apenas tentar dar palpites aleatórios e dedicassem alguns minutos para ler o trabalho do professor, muitas besteiras que repetem por aí cessariam imediatamente.

Por exemplo, sobre a classe artística e intelectual, que temos visto se manifestando em uma defesa irrestrita do PT, Olavo de Carvalho explica que “intelectuais orgânicos são aqueles que, com ou sem vinculação formal a movimentos políticos, estão conscientes de sua posição de classe e não gastam uma palavra sequer que não seja para elaborar, esclarecer e defender sua ideologia de classe“. E ainda sobre isso ele explica que “Gramsci exige que toda atividade cultural e científica se reduza à mera propaganda política, mais ou menos disfarçada“.

Sobre a loucura que temos observado no país, com a total inversão de valores, ele já dizia que ela “é, de fato, um dos objetivos prioritários da revolução gramsciana“.

Da mídia, que temos visto atuar de maneira a tentar manipular os fatos, por meio de matérias jornalísticas enviesadas, o professor escreveu que “para a revolução gramsciana vale menos um orador, um agitador notório, do que um jornalista discreto que, sem tomar posição explícita, vá delicadamente mudando o teor do noticiário…

Temos presenciado atualmente pessoas que, mesmo não fazendo parte do partido, repetem os mesmos chavões, os mesmos preconceitos e as mesmas mentiras dele. Olavo já explicou isso em seu livro ao dizer que “o gramscismo conta menos com a adesão formal de militantes do que com a propagação epidêmica de uma novo senso comum“.

Além disso, conseguimos saber que a derrocada moral que ocorreu no país na última década não é obra do acaso, afinal “o objetivo do gramscismo é muito amplo e geral em seu escopo: nada de política, nada de pregação revolucionária, apenas operar um giro de cento e oitenta graus na cosmovisão do senso comum, mudar os sentimentos morais, as reações de base e o senso das proporções“.

E há ainda algumas pérolas, como quando ele diz que “quanto menos um homem é apto a enxergar o mundo, mais assanhado fica de transformá-lo”.

Tudo isso torna o “A Nova Era e a Revolução Cultural” indispensável para qualquer um que pretenda analisar os fatos da política e da sociedade brasileiras e entender o que está acontecendo. Se fizessem isso, não cometeriam equívocos pueris, como tratar tudo apenas como um problema de corrupção e patrimonialismo, e compreenderiam que por detrás da política cotidiana, há uma verdadeira guerra cultural, com o objetivo de cativar as mentes em favor da ideologia.

Maquiavel ou A Confusão Demoníaca

Normalmente, a análise de um autor se dá por aquilo que ele escreveu. Quem se debruça sobre as ideias de um pensador costuma vasculhar os meandros de suas obras, na busca de entender até os detalhes mais recônditos naquilo que foi publicado ou mesmo nos escritos que permaneceram privados durante todo o tempo.

O que o Olavo de Carvalho faz nesta obra sobre Maquiavel, porém, é ir muito além disso. Sem desconsiderar aquilo que o florentino escreveu, mas usando-o apenas como norte de sua pesquisa, o professor se desvencilha das meras palavras externalizadas pelo escritor para buscar principalmente naquilo que ele deixou de publicar o verdadeiro sentido de sua obra.

Na verdade, o autor de O Príncipe acaba por ser desmascarado, mostrando o quanto sua indiscutível influência sobre o pensamento político ocidental pode ser considerado como algo extremamente pernicioso.

Se considerarmos que a obra de Maquiavel teve grande influência sobre Gramsci, Hitler, Stálin, Mussolini e até Fernando Henrique Cardoso, nós podemos ter uma ideia muito clara do perigo que ela representa, principalmente quando, ao ler esse trabalho de Olavo de Carvalho, aprende que o pensador italiano não pode ser levado tão a sério em relação aquilo que deixou para a posteridade, mas deve ser compreendido no que tentou ocultar.

As próprias diversas interpretações dadas a Maquiavel por outros escritores, tirando dele inúmeras facetas, muitas vezes até contraditórias entre si, já são prova suficiente de que o florentino, apesar da aparente demonstração de pragmatismo político, na verdade escondia uma figura muito mais confusa.

E o professor Olavo traz tudo isso à lume, mostrando para seus leitores o quanto a obra maquiavélica pode conter de intenções ocultas, falsidades ou, simplesmente, desordem.

Ler Maquiavel ou A Confusão Demoníaca se torna algo obrigatório para quem deseja ter uma iluminação das razões porque o Ocidente se meteu em aventuras políticas tão esdrúxulas, ao eleger como sua inspiração os pensamentos de quem se pode dizer, no mínimo, que possuía uma mente atrapalhada.

Maquiavel

Publicado originalmente no NEC – Núcleo de Ensino e Cultura

Minha perpétua dívida filosófica para com Olavo de Carvalho

Todos precisam de mestres, de pessoas que sejam seus conselheiros intelectuais, que ensinem o que eles mesmos aprenderam e, de alguma maneira, encurtem o caminho que seus alunos devam trilhar

Para quem não sabe, devo muito do meu conhecimento ao filósofo Olavo de Carvalho, hoje, também, com muito orgulho, meu professor. E por que esta homenagem? Simplesmente porque é necessário que minha consciência esteja limpa em relação às idéias que exponho neste espaço.

Conheci o professor em meados de 1998, quando adquiri, por mera curiosidade acerca do título, o livro “O Imbecil Coletivo”. Naquela época, eu, que já era um leitor voraz, porém conduzido pela maré cultural vigente, progressista e modernista, propagandeava as idéias básicas da comunidade esquerdista. Mesmo sem jamais ter sido um eleitor de partidos tipicamente de esquerda, repetia os mesmos chavões vociferados por eles e, principalmente, pelos seus asseclas da intelligentzia. Me sentia assim um jovem de vanguarda, sem preconceitos, um cristão liberal, solto das amarras da tradição. Estava bem acompanhado de pastores e líderes religiosos também modernos, que não se viam como parte do grupo reacionário e dogmático, como eles se referiam.

Voltando ao livro do professor Olavo, quando comecei a lê-lo, tomei o primeiro susto ao ver o encarte que acompanhava a obra. Um questionário engraçadíssimo sobre como o leitor poderia interpretar aquele trabalho. Nunca tinha visto ninguém se referir a si mesmo como um “mistifório reacionário”, por exemplo, já dando para os seus críticos o arsenal pronto para bombardeá-lo. Aquilo, para mim, além de absolutamente original me fez ficar muito curioso quanto ao conteúdo que vinha adiante.

Lendo a obra, não sei descrever bem minha impressão e reação. Na verdade, era uma mistura de estranheza, incompreensão, susto e atração. Mesmo sem compreender como alguns “ídolos” poderiam ser destruídos daquele jeito por um, ao menos para mim, desconhecido, não conseguia parar de ler e ser absorvido pela maneira absolutamente coerente e irretrucável como o autor expunha seu pensamento.

Ao fim da leitura, tive a certeza que eu não era mais o mesmo. Caíram os totens, ruíram as imagens de barro que estavam tão orgulhosamente postas em minha estante mental. Mesmo sem ter me tornado automaticamente o conservador retrógrado que sou hoje, o caminho já estava traçado.

Naquele momento, a estrada certa que eu seguia foi tomada por uma nuvem e suspendi minhas certezas políticas e filosóficas, revendo meus conceitos. Claro que isso durou algum tempo, afinal havia toda uma gama de novos autores, novas idéias que precisavam ser consultadas e analisadas para que eu pudesse fazer uma honesta comparação. E as comparações foram devidamente feitas. Lendo autores conservadores pude compreender o quão estava equivocada a visão progressista e como os ideais utópicos da esquerda eram falsos e maléficos. Mais ainda, dei-me conta do quanto fui enganado, usurpado em minha consciência, roubado em minha possibilidade de aprender as coisas como elas devidamente são. Percebi que durante toda a minha vida fui um receptáculo passivo de todo o lixo gramsciano, preenchido até a boca de palavras vazias que tinham o intuito único de agradar, mas não de demonstrar o que é real.

Voltando ao professor Olavo, minha homenagem é mais do que um agradecimento, é um reconhecimento de que ele foi a pessoa que me indicou, e até hoje me indica, o caminho das pedras para a compreensão de todo um cenário político e filosófico que se encerra diante de nós. E não tenho o mínimo receio de ser tachado como seu discípulo, ou como alguns pejorativamente chamam, de “olavete”. Isso é besteira. Todos precisam de mestres, de pessoas que sejam seus conselheiros intelectuais, que ensinem o que eles mesmos aprenderam e, de alguma maneira, encurtem o caminho que seus alunos devam trilhar.

Como o próprio Olavo, que não deixa dúvidas de que ele mesmo teve seus mestres, não me envergonho em nada em dizer que ele é o meu professor e dele absorvo o que há de mais profundo em matérias políticas e filosóficas.

Um dos motivos que me fez expor tudo isso é ver como tantos outras pessoas que passaram pelo ensinamentos do mestre, que absorveram dele quase tudo o que hoje proclamam aos quatro cantos, simplesmente agem como se tudo o que tivessem adquirido de conhecimento fosse fruto de suas próprias pesquisas e estudo. Uns têm a petulância ainda de dizer que o Olavo deu sua contribuição, mas já está superado; outros, talvez por um resquício de consciência, de vez em quando fazem uma citação quase que envergonhada de algo que o professor disse; e há outros, ainda, que simplesmente repetem aquilo que primeiramente foi dito por Olavo de Carvalho, omitindo completamente a fonte. O caso da ligação do PT com as FARC tem sido assim: articulistas, como o Reinaldo Azevedo, por exemplo, falam do Foro de São Paulo se referindo a ele como algo de notório conhecimento público, omitindo que, por muito tempo, Olavo de Carvalho fora uma voz quase isolada de denúncia daquele grupo.

Por essas e outras que achei devido colocar em meu próprio blog a indicação de que, tendo consciência de que o que tenho aprendido com Olavo de Carvalho é algo que durará por toda a minha vida, minha dívida filósofica com ele é perpétua. Perpétua porque após a morte não sei o que carregaremos daqui e o que nos será acrescentado. No entanto, nesta vida, minha dívida permanece.

Talvez alguns estejam enxergando nesse meu depoimento algum tipo de idolatria. Erram completamente os que entenderem assim. Minha admiração por Olavo não é pessoal, é intelectual – até porque não o conheço pessoalmente. Minha dívida é a gratidão por saber que sem a sua orientação ainda estaria repetindo os mesmos chavões dos senhores da academia. Se existe alguma coisa que falta neste mundo novo é isto: a gratidão. Não quero cair neste erro.