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Choro pelo Monopólio Perdido

A velha imprensa anda muito agitada com a concorrência, principalmente aquela vinda de um setor que ela não domina: a internet. Quase em uníssono, os grandes nomes da mídia tradicional estão reclamando que as redes têm proliferado notícias falsas e violência verbal. Diante disso, insistem que medidas firmes sejam tomadas.

O interessante é que essa mesma velha imprensa que anseia por restrições se gaba de promover a diversidade e não cansa de louvar a democracia. Parece até que o objetivo dela é que todos tenham voz.

No entanto, bastou que ideias contrárias às suas começassem a se multiplicar e seu espírito democrático arrefeceu-se. Assustaram-se quando perceberam que muita gente tinha um discurso diferente do seu e não sabem bem como lidar com isso.

As empresas jornalísticas mais conhecidas do país, negando sua própria imagem de defensoras da liberdade, tomaram a dianteira dos pedidos de aplicação de ações contundentes contra as mídias independentes, com o objetivo de silenciá-las. Apontando, de maneira generalizada, aqueles que trazem notícias e emitem opiniões fora do círculos tradicionais, de promoverem a radicalização e de espalharem mentiras, apoiam os poderes estabelecidos para que a censura seja imposta.

Nos tempos que essa mesma mídia tinha o controle das narrativas, parecia estar tudo bem. Naquela época, ela acusava o governo de cerceamento e queria a liberdade plena. Qualquer ameaça ao direito de falar o que se bem entendia era visto, por ela, com horror e a possibilidade da imposição de procedimentos que o limitasse era rechaçada veementemente.

Enquanto havia apenas as mesmas concepções, compartilhando as mesmas ideias, elegendo os mesmos heróis e criando seus vilões, tudo andava em paz. Quando havia uma perspectiva única, que fazia com que apenas uma visão de mundo fosse exposta, ninguém falava nada. Bastou, porém, pensamentos diferentes e contrários aqueles que sempre foram ditos começarem a aparecer e o esperneio passou a ser geral.

A velha mídia acostumou-se a construir narrativas e não ser contestada por isso. Ela passou décadas criando as histórias que iriam moldar a mentalidade da sociedade sem ser questionada seriamente sobre suas intenções. Quando, então, a tecnologia começou a permitir que outras histórias surgissem, novas opiniões aparecessem e interpretações diversas sobre os fatos fossem dadas, suas mentiras e vieses começaram a aparecer, incomodando-a sobremaneira. Muitos de seus motivos foram expostos e isso lhe fez perder grande parte de sua credibilidade. Por isso, todo esse desespero.

Não é por acaso que esses velhos escravizadores das narrativas tentam passar a imagem de estar havendo uma radicalização, uma afronta ao debate civilizado. Como o contraditório lhes prejudicou, tentam fazer parecer que essa profusão de ideias diferentes não é a mera exposição de pensamentos livres, mas abusos da liberdade de expressão.

De fato, essa imprensa não quer diversidade, ela quer o monopólio para continuar direcionando as mentes, como sempre fez. Mimada que foi por mais de três décadas de uniformidade na linguagem, assustada com a constatação de que há ideias fortes e contundentes do outro lado, está desesperada ao ver que as mesmas pessoas que sempre foram subjugadas às suas narrativas agora só querem saber o que falam os veículos alternativos.

Isso não significa que não haja abusos na mídia independente. Pelo contrário, há uma profusão de veículos que só servem para confundir o debate público. No entanto, os males causados por estes não são piores do que as meia-verdades e desvirtuamentos praticados por aqueles que se aproveitam da imagem construída de fonte confiável.

A verdade é que esses que reclamam que a liberdade está sendo ameaçada não querem liberdade alguma. O que eles querem é o retorno do antigo monopólio. O que eles querem é impedir que ideias diferentes das suas circulem livremente e atinjam – como têm atingido – cada vez mais leitores. Até porque sabem que suas mentiras, agora que sua credibilidade está destruída, já não estão mais protegidas.

Opinião sentimental

Não costumo dar muita atenção à opinião dos outros. Não porque não as respeito, nem porque acho que apenas as minhas estão corretas, mas porque sei que a maioria dessas opiniões está contaminada pelos próprios sentimentos do opinador.

Isto possui até um nome técnico: heurística de afeto.

A heurística de afeto é uma variante do chamado viés de disponibilidade. Este caracteriza-se pela tendência que temos de considerar mais verdadeiro aquilo que mais facilmente emerge para a nossa consciência. Isso explica porque, por exemplo, as pessoas ficam mais alarmadas com uma doença que tem o índice de letalidade baixa, do que com pegar estrada com seu carro, onde as chances de morrer são bem maiores. Como as imagens e notícias sobre a doença vêm mais facilmente à cabeça, pois estão sendo alimentadas diariamente pela mídia, elas acabam parecendo mais importantes, mais sérias e até mais mortais.

A heurística do afeto é uma variação disso. Neste caso, é a tendência que temos de valorar as coisas conforme o sentimento que elas despertam em nós. Assim, quando a pessoa pensa em algo, imediatamente este algo lhe desperta alguma sensação. Como e esta sensação que surgiu com mais facilidade (viés de disponibilidade), então é ela que passa a ser considerada a verdade. Com isso, a pessoa não faz uma análise objetiva da coisa, mas emite sua opinião baseada no sentimento que aquela coisa despertou nela.

Hoje em dia, a grande maioria das opiniões que vemos por aí são contaminadas pela heurística de afeto. E é por isso que é tão fácil enganar os trouxas. Você pega, por exemplo, uma ideologia genocida e reveste-a com as palavras mais bonitas, com as intenções mais belas, vinculando-a aos melhores sentimentos, omitindo o mal que fizeram. Pronto! As pessoas são adestradas a, toda vez que ouvir sobre ela, associá-la com sentimentos positivos. O resultado: mesmo pessoas que não concordam com o genocídio começam a defender a ideologia genocida.

Sendo assim, como eu posso confiar na opinião das pessoas? Não tem como! Qualquer coisa que elas me digam eu vou ter quase a certeza que não é baseada em fatos, razões, ideias, mas em sensações. E, sendo dessa maneira, serão opiniões que não valem nada.

Por isso, prefiro manter-me no meu ceticismo e na minha auto-vigilância. Dá mais trabalho, mas me afasta, em alguma medida, da idiotice reinante.

Compromisso com a realidade

Ninguém precisa ser isento, basta ser exato; não é preciso ser neutro, basta ser fiel. Toda pretensão de isentismo e neutralidade é ilusão ou má intenção mesmo.

Ainda que não concorde com a radicalização que os analistas do discurso fazem, de praticamente ignorarem os argumentos para dar atenção apenas às circunstâncias que o envolvem, eu não posso negar que toda manifestação carrega, atrás de si, algo mais do que os argumentos em si mesmos. Estão ali as crenças, as convicções e até os interesses de quem fala.

E não há nada de mal em que as coisas sejam assim. A sociedade desenvolve-se exatamente no confronto dessas visões diversas e muitas vezes antagônicas. Visões que se repelem, mas também que podem se completar.

Assumir que toda manifestação possui um universo de ideias, fatos e experiências por trás é apenas constatar uma obviedade.

Isso não significa, porém, que toda manifestação precisa ser, de tal modo, direcionada por essa conjuntura prévia, a ponto de que a fala em si, os argumentos apresentados e mesmo os fatos narrados não possam ser considerados por suas próprias razões. Não é porque toda fala carrega um conjunto de concepções prévias que ela não pode ser confiável por si mesma.

Quem discursa não precisa ser imparcial, só precisa ser honesto. Seu primeiro compromisso é não esconder suas intenções por trás de uma máscara de de neutralidade. Se busca algum resultado, se quer causar algum efeito, que seja claro quanto a isso.

O outro compromisso do argumentador é com a realidade em si. Independentemente de sua ideologia, de seus interesses, de sua fé, os fatos são os fatos. Inventá-los, sob o pretexto de visão pessoal, não deveria ser uma opção.

Obviamente, eu sou plenamente consciente das dificuldades que as nuances e ambiguidades da linguagem proporcionam. No entanto, conheço bem suas possibilidades para afirmar que é possível, sim, usá-la de maneira íntegra e confiável.

Opinião comedida

Quem se apressa a expor seus pensamentos, geralmente, não percebe que o que é dito não volta e, a partir do momento que é dito, aquilo passa a ser a SUA opinião. Uma vez exposta, essa opinião lhe marca, como um carimbo bem no meio da sua testa.

Ao ter definida uma opinião como sua, a pessoa está amarrada a ela. Esta opinião passa a ser um peso que precisa carregar. Obviamente, pode ser alterada, mas poucos fazem isso, por motivos psicológicos.

Leon Festinger descobriu, por meio de suas experiências, que uma pessoa, se forçada a defender uma idéia em público, mesmo contra suas convicções internas, tende, com o tempo, a acatar essa idéia compartilhada.

Por uma necessidade de manter uma imagem de coerência, tendemos a racionalizar sobre aquilo que falamos publicamente. Sempre faremos de tudo para mostrar que o que falamos ontem está certo ainda hoje.

Quem expõe uma opinião acaba engessado intelectualmente, seja por ficar identificado com ela, seja porque, a partir dela, a pessoa não estará mais aberta para evoluções que talvez exijam modificá-la ou até negá-la.

É preciso ser comedido em opiniões. Não que elas não devam ser dadas, mas devem ser dadas sem pressa, sem leviandade, após a devida reflexão e estudo.

A caridade e a vocação do escritor

A possibilidade de ferir sentimentos alheios nunca pode ser uma preocupação fundamental na atividade intelectual, pois é da natureza da crítica (e o trabalho intelectual é essencialmente crítico) tocar em feridas que doem.

Por isso, o escritor que se autocensura demais, com a preocupação de não magoar os outros, está limitando seu trabalho imensamente.

O que, de fato, deve balizar sua expressão é a verdade, a relevância, a utilidade e o bom-senso.

Eventuais ressentimentos devem ser considerados como efeito inescapável dessa atividade e, apesar de não dever constituir o fim dela, nem fonte de prazer para o escritor, não pode servir como limitador de seu trabalho.

Portanto, se, quando eu escrevo algo, afeto suscetibilidades, desculpe-me, essa nunca é minha intenção e nem me alegro com o fato.

O único problema é que deixar de escrever não é, no meu caso, uma opção.

A opinião dos cientistas

A ciência não tem a capacidade de descrever exatamente os fatos, em seu sentido mais profundo, mas seu papel se restringe a estabelecer qual é o processo por detrás deles.

Por isso, dar ouvido a cientistas, enquanto tais, em qualquer matéria que não seja a mera informação sobre como as coisas se dão é idiotice.

E é por isso que quando os cientistas se arrogam no direito de dar palpites em algo que vai além de suas observações técnicas acabam falando apenas besteiras.

Ainda assim, insistimos em colocá-los no ápice da pirâmide intelectual, subjugando-nos aos seus conselhos e sendo levados pela mesma volatilidade que é da própria natureza da pesquisa científica.

Então, o que ontem era bom hoje é ruim, o que foi saudável, agora faz mal e o que era verdade virou mentira. Tudo é tão volúvel que a impressão é que não existe mais sabedoria universal, nem conhecimento perene. Tudo parece instável e nada parece certo, tudo porque demos ouvidos demais a quem vive de contestar as próprias afirmações.

Assim, nos perdemos nesse vai e vem de teorias, só porque tratamos a ciência como uma deusa, quando ela não passa de um instrumento e nada mais.

Conversas de malucos

A loucura de uma época pode ser observada pela dificuldade que há nela para as pessoas se comunicarem. Como em um hospício, onde cada indivíduo, apesar de compartilhar o mesmo espaço físico com outros, vive em seu próprio mundo, não tendo suas palavras valor para ninguém mais além dele mesmo, pelo simples fato de representarem apenas as imagens existentes em sua cabeça demente, em nossa sociedade, que tem se assemelhado muito a um grande manicômio, as pessoas mal têm conseguido trocar ideias, debater opiniões ou mesmo exortar-se mutuamente. Cada um tem vivido em seu próprio mundo, com suas próprias fantasias e com suas falsas convicções.

Este é o nosso mundo: um aglomerado de pessoas que não compartilham mais, entre si, os mesmos princípios, o mesmo imaginário, sequer a mesma visão da realidade. Sobraram apenas a linguagem, em sua manifestação meramente funcional e os trabalhos práticos – coisas que existem em qualquer hospital para malucos.

Chegamos a esse ponto, sim, mas não foi por acaso. Isso é resultado de um relativismo plantado há séculos e que agora começa a dar seus últimos frutos. Assim, vivemos um completo desacordo relativo às coisas superiores, sendo que muitos sequer acreditam que existam coisas superiores. Há também uma discordância absoluta nas questões essenciais da vida. O que para uns é um mal aterrador, para outros pode significar o maior exemplo de nobreza e até bondade. Cada um, de fato, vive suas próprias verdades e como louco as professa como realidades universais.

Por isso, não podemos mais acreditar nos debates. As visões de mundo são tão diversas e discrepantes que iniciar uma discussão qualquer é mergulhar em um buraco negro de ideias e palavras que ainda que possuam aparência de realidade, não sabemos bem onde vai dar.

Ainda que exista uma pequena minoria de sãos, a maior parte do mundo está dividida em três tipos de pessoas: os imbecis, os lunáticos e os corrompidos. Os primeiros simplesmente vivem dentro de suas possibilidades limitadas. Tentar travar alguma conversa minimamente complexa com eles é perda de tempo. São estúpidos e permanecerão assim. Os segundos, apesar de possuirem alguma inteligência, têm a imaginação tão apartada da realidade comum que qualquer coisa que se diga a eles é logo transmutado para sua realidade paralela. Estes são os idiotas úteis que tiveram suas cabecinhas encharcadas com o lodo ideológico e, depois disso, não conseguem enxergar nada além do mundo de mentira da utopia. Já os últimos até entendem o mundo e estariam aptos para uma boa conversa, mas seus interesses corroeram tanto sua alma que nada mais lhes interessa senão tirar vantagem de tudo que se apresentar diante deles. Estes são os ditos intelectuais militantes, capacitados, sem dúvida, mas tão consumidos pelos seus desejos de poder que não há nada que se possa falar para eles sem que tentem tirar proveito de tudo a seu favor.

Viver neste mundo, portanto, é estar, a maior parte do tempo, em isolamento. O que nos restou é o silêncio involuntariamente promovido pelos nossos interlocutores. Na sociedade atual, já não é possível nem mesmo a repreensão, pois esta pressupõe que ambos, repreensor e repreeendido, compartilham os mesmos princípios. Mesmo Cristo, se viesse hoje à Terra, não teria mais como exortar os fariseus. Os de seu tempo, no mínimo, aceitavam os mesmos pressupostos que ele. Atualmente, suas broncas seriam apenas sua mera opinião.