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Oratória dos Antigos

Nos tempos antigos, ser orador não era para qualquer um. A oratória era uma atividade nobre, reservada apenas para pessoas reconhecidamente importantes e que tivessem condições de exercer influência.

Um orador tinha de ser mais que uma pessoa eloquente, mas precisava ser uma referência, um modelo de cidadão.

Por isso, só podiam exercer a oratória pessoas que estivessem devidamente preparadas para falar em público.

Essa é a razão de, na Antiguidade, o orador aprender mais do que falar bem; ele era formado também como personalidade exemplar.

A gripezinha de Bolsonaro: uma lição de oratória

Bolsonaro não disse que o coronavírus era uma gripezinha. Quem afirma isso, age de má-fé ou então sofre da mesma tendência que a média dos ouvintes brasileiros: a de se deixar levar pela impressão do que ouvem ou lêem.

O que o presidente disse é que, em síntese, para uma pessoa com imunidade alta, o coronavírus provavelmente vai ser como uma gripe ou até mesmo um resfriado – a pessoa mal vai sentir que teve.

Bom, isso é o que os próprios especialistas dizem, inclusive, colocando a imunidade baixa como uma das maiores causas para a complicação com a doença.

No entanto, a fala de Bolsonaro foi mal interpretada não apenas por causa da deficiência dos ouvintes, mas também pela falta de traquejo oratório do presidente.

Bolsonaro cometeu dois erros oratórios clássicos: deixou subentendido um ponto importante de sua fala, além de dar ênfases à palavras erradas, em seu discurso.

Eu sempre aconselho meus alunos a deixar o mínimo possível de ideias subentendidas. Brinco com eles que o melhor é tratar o público como estúpido, sempre esperando que ele não vá compreender o que está sendo dito. A gente pode se surpreender como ideias subentendidas, que parecem tão óbvias, podem passar desapercebidas pelas pessoas.

Assim, quando Bolsonaro fala sobre gente como ele, com um histórico de atleta, ele está deixando subentendido a ideia de pessoas com boa saúde e, consequentemente, com provável sistema imunológico saudável. No entanto, essa é uma inferência que poucas pessoas conseguem fazer. A maioria vai apenas interpretar isso como se ele estivesse se gabando e menosprezando a força da doença.

O certo seria ele explicar isso, completando a frase, dizendo “Pessoas como eu, com um histórico de atleta, POR TER A IMUNIDADE MAIS ALTA, provavelmente não sentirão nada se contraírem essa doença”. Ao referir-se a imunidade, ele deixaria claro sobre o que ele está falando.

O fato é: jamais confie na capacidade de inferência de seu auditório.

O segundo erro oratório de Bolsonaro deu-se na ênfase errada. Explico: uma das características principais da arte oratória é saber destacar bem algumas palavras e as ideias, além de atenuar outras. Para isso, o orador precisa fazer com que palavras importantes se destaquem e que as incômodas se escondam.

Por exemplo, em seu discurso em cadeia nacional, o presidente disse a seguinte frase: “No meu caso particular, pelo meu histórico de atleta, caso fosse contaminado pelo vírus, não precisaria me preocupar. Nada sentiria ou seria, quando muito, de um GRIPIZINHA ou RESFRIADINHO, como bem disse aquele conhecido médico, daquela conhecida televisão”.

Conforme eu destaquei, a ênfase dada pelo presidente foi às palavras gripizinha e resfriadinho, fazendo com que elas soassem mais fortes do que as outras. No entanto, essas eram exatamente as palavras mais incômodas. Sendo assim, elas deveriam ter sido faladas em um volume mais baixo e de forma mais veloz, como se fossem algo sem importância. O que o presidente fez foi exatamente o contrário.

O destaque deveria ter sido dado, considerando o que ele disse, às expressões CONSIDERANDO O MEU HISTÓRICO DE ATLETA e CASO FOSSE CONTAMINADO. Melhor ainda, se ele tivesse falado sobre a imunidade, como eu apontei. Caso tivesse feito isso, a referência à gripe teria causado menos impacto e passado uma impressão menos ruim.

Como vocês podem ver, oratória envolve também entender como funciona a apreensão que as pessoas fazem daquilo que é dito. Afinal, essa apreensão é o objetivo mesmo da oratória.

O limite da beleza na escrita

Na escrita – que me desculpem aqueles que não sabem escrever – mas beleza é fundamental. Não apenas porque um texto bonito é bonito – e a beleza não precisa de justificativas – mas porque um texto esteticamente bem apresentado adquire um poder de convencimento maior.

No entanto, há uma linha muito tênue que separa uma escrita bonita de uma afetada e nem todo escritor tem sensibilidade para identificá-la. É uma fronteira que se ultrapassa sem perceber e, quando se dá conta, o que se configurava belo se transforma em algo pedante, exagerado, forçado.

A beleza em um texto é, de qualquer forma, um adorno e, como tudo o que é bonito, possui uma medida. São como seios: aparentemente, quanto mais evidentes, mais belos, até que se descobre que, a partir de determinado tamanho, o que era bonito fica esquisito.

É que a beleza tem uma característica essencial: a proporção. Quando esta é ignorada, o escritor perde a mão do seu texto; é quando suas palavras perdem a naturalidade; quando a estética se sobrepõe ao conteúdo.

É na identificação do limite entre beleza e o exagero que reside a arte da escrita e saber caminhar sobre essa linha a principal qualidade do escritor.

Naturalidade conquistada

Quem quer ser ouvido precisa expressar-se com naturalidade. É ela que toca os corações, que mexe com a alma. Espíritos humanos são despertados por manifestações de espíritos humanos. Portanto, só a expressão natural alcança o outro.

As pessoas parecem que possuem um filtro contra a artificialidade. Elas percebem quando alguém está apenas sendo uma mera imitação. Em geral, não se abrem quando percebem que a expressão é só uma cópia.

Há, em todos nós, uma sede por sinceridade. Ninguém quer ser enganado e todos querem ter certeza que o que estão ouvindo é a expressão sincera da alma de quem está falando.

No entanto, é mais fácil fingir, imitar, emular. A cópia exige apenas repetir os movimentos exteriores, os mecanismos superficiais. O exercício mimético não pede nenhum aprofundamento, nenhuma compreensão da essência.

A naturalidade, por seu lado, requer um mergulho interior profundo. Só quem entende bem quem é e o que realmente quer pode expressar-se naturalmente. Ser natural exige espontaneidade e esta só é verdadeira quando acompanhada de autoconhecimento.

Por isso, tantos expressam-se com afetação, com falsidade. Entre o esforço, muitas vezes dolorido, de autocompreensão e a mera prática mecânica da imitação, escolhem esta sem hesitação. E, por isso, não tocam os corações, não falam com as almas. No máximo, alcançam aquelas mesmas pessoas que, como eles, são superficiais. Quanto aos que têm um mínimo de sensibilidade: a estes não convencem.

A verdade é que a naturalidade se alcança, sendo o resultado de um esforço de compreensão de si mesmo e do conhecimento das técnicas necessárias para que ela se manifeste. Ser natural é a capacidade de espelhar a própria alma, e isso não surge naturalmente, se conquista.

Tudo importa para a oratória

A formação de um bom orador vai muito além do desenvolvimento de sua fala. Basta considerar que a fala é apenas a expressão do pensamento, portanto, é a ponta final de um processo que se inicia muito antes da verbalização.

Se testemunhamos uma infinidade de oradores medíocres, isso deve-se menos a algum problema na capacidade de falar, mas principalmente por uma formação intelectual defeituosa.

Quando Quintiliano, em sua Instituição Oratória, afirma que “para a oratória, tudo importa”, ele apenas está ressaltando que a boa comunicação é fruto de uma preparação intelectual, cultural e moral do indivíduo que, idealmente, deveria ter início ainda na infância.

É por esse motivo que sua obra aborda muito mais do que as técnicas e conhecimentos necessários para falar bem; ela imiscui-se nos meandros da pedagogia, do aconselhamento e do treinamento intelectual que são como que o alicerce indispensável para preparar um grande orador.

Em minha atividade como professor de Oratória, essa abordagem ampla é o que tem me inspirado. Por isso, não me detenho no ensinamento apenas do que se deve saber para falar bem em público, mas preocupo-me com o fortalecimento da vontade, do descobrimento dos melhores meios de estudo, do desenvolvimento da capacidade lógica e dos métodos para a organização do pensamento.

Mas não tenho escrúpulos de ir além e tratar de temas que, em princípio, podem parecer distantes da formação de um bom orador, como a reflexão analítica e a espiritualidade. Afinal, como diz o mesmo Quintiliano, “a maior parte da eloquência reside no espírito”.

O fato é que tudo importa para o orador. Até porque falar não é uma opção, mas o exercício essencial da vida em sociedade e o elemento primordial da própria construção de qualquer civilização.

Falar bem é fundamental

Saber falar em público não é uma capacidade como aquelas que se agregam ao currículo e que servem mais para ostentação do que para o uso. Não é uma habilidade que se pode adquirir por acréscimo, daquelas que podemos decidir se a teremos ou não.

Há quem pense que aprender a falar em público é um implemento acessório, que pode até ajudar na oferta de outras atividades, mas que não é primordial. Ledo engano! Saber comunicar-se não é complemento, é fundamento. 

Ter a capacidade de se dirigir às outras pessoas, de maneira inteligível, é o requisito básico para o exercício de qualquer atividade. Quem não sabe se fazer minimamente compreensível prejudica tudo o que realiza.

É por isso que há tantos gênios esquecidos e medíocres ovacionados. Estes souberam se fazer compreender; aqueles fecharam-se em sua própria genialidade. 

Não que eu esteja louvando a mediocridade. Apenas quero que fique claro que a capacidade de comunicação suplanta até mesmo deficiências. Imagine, então, o que ela não pode fazer com as qualidades!

Quem fala bem é tido por inteligente – mesmo que não o seja. Quem fala bem é compreendido. E isso ajuda a resolver boa parte dos problemas que surgem. Afinal, é a má comunicação a origem de muitas confusões. Quem fala bem, além de tudo, é mais capaz de tornar real aquilo que pensa. Afinal, quem consegue expressar os conteúdos do pensamento tem mais condições de fazer conhecido o que se quer. 

Sejamos honestos: falar bem é poder. A autoridade é sustentada pela expressão clara e firme. o vacilo, nesse caso, é fatal.

Não há, portanto, porque adiar o desenvolvimento da capacidade de falar em público. Esperar é jogar para um futuro incerto o que é essencial agora.

Aliás, enquanto não se corrigir isso, o futuro sequer virá.

Realidade desgastada

Não há qualquer garantia de que o que o ouvinte está absorvendo seja exatamente igual àquilo que o orador está falando. Ainda que esse orador fizesse uma descrição detalhada do seu gato, por exemplo, e na audiência estivesse um exímio desenhista, nada poderia assegurar que esse desenhista conseguisse reproduzir, no papel, exatamente o felino descrito.

Um conteúdo nunca chega na mente do receptor da mesma maneira que estava na mente do emissor da mensagem. Não se faz telepatia. O que o receptor recebe é uma versão dos fatos, das imagens, das ideias e dos sentimentos que constam na cabeça do emissor.

Entre a captação, pelo orador, na realidade, daquilo que vai ser compartilhado e a absorção de sua descrição pelo ouvinte haverá sempre algum tipo de perda. A realidade invariavelmente chega ao interlocutor desgastada. Imagine um viajante que se encontre em algum lugar remoto do planeta e, sem qualquer instrumento com o qual possa registrar o que vê, se depare com um animal desconhecido. Primeiro, ele tenta registrar essa imagem em seu cérebro. Não será um registro perfeito, porque muitos detalhes acabarão ficando de fora. Depois, ele precisa manter essa imagem na memória, o que causa certas modificações nela, pois a memória humana caracteriza-se por ser fugidia, por ser falha. Então, haverá a necessidade de decodificar essa imagem em linguagem, o que certamente fará com que o viajante se depare com as limitações linguísticas que empobrecerão o conteúdo. A próxima etapa é contar para seu amigo sobre o animal exótico – o que exigirá dele não apenas a capacidade de se expressar corretamente, mas de transmitir o sentimentos e detalhes não lógicos envolvidos na sua experiência. E, por fim, há o problema de como o amigo vai compreender tudo, afinal, nem mesmo as descrições mais óbvias, como as relativas a cores e formas, são entendidas da mesma maneira por todas as pessoas, que possuem referências diversas sobre coisas semelhantes. O resultado, portanto, é que o ouvinte, quase sempre, acaba retendo algo bastante diferente da realidade original. O animal exótico impresso na mente do amigo do viajante provavelmente será bastante diferente do animal exótico que o viajante viu de fato.

O que o orador pode fazer, diante da perda que a realidade sofre no processo até à mente do ouvinte, é apenas diminuir os efeitos desse desgaste. Nunca haverá uma expressão exata. Será sempre uma versão. Ainda assim, é possível esforçar-se por fazer com que essa versão seja o mais próximo possível da realidade.

Para isso, o orador se servirá dos instrumentos da comunicação, que são aqueles que eu denominei de elementos decodificadores (as palavras, os sinais, os símbolos), que serão os responsáveis por tomar o conteúdo que se encontra em sua mente e entregá-los para seus ouvintes. E quanto melhor os usa, de maneira a aliviar esse desgaste que sofre a realidade, melhor será sua exposição.

(Aula do meu curso de Oratória)

A comunhão entre o orador e sua audiência

Cansei de ver oradores preparando seus discursos, imaginando causar um grande impacto naqueles que iriam ouvi-los. Confiantes no poder revolucionário dos conteúdos que tinham a apresentar, acreditavam que provocariam uma mudança radical em seus ouvintes. O resultado, porém, quase sempre foi bem diferente do esperado. Invariavelmente, o que aconteceu, nesses casos, foi uma recepção fria à mensagem apresentada, a qual não apenas não resultou em mudança alguma, como chegou até a despertar o desprezo em relação ao orador.

Na verdade, é incrivelmente raro um palestrante conseguir fazer com que, por meio de seu discurso, uma audiência mude seu pensamento. Não digo que não seja possível, mas é algo muito difícil de acontecer. Geralmente, as pessoas não ouvem uma palestra para alterar as ideias que elas têm das coisas. Elas ouvem-na para reforçar as convicções que já possuem.

Aliás, esta é a própria definição de retórica: um discurso que parte das crenças que o público já carrega consigo.

Fica claro, portanto, que quem delimita as fronteiras do que vai ser abordado não é o orador, mas sua audiência. O que há, de fato, é um acordo entre eles, como se fosse um acerto prévio sobre quais são os limites do que deve ser dito e até onde se pode chegar. O que ultrapassa essas fronteiras é considerado uma quebra desse concerto e o orador que comete esse erro acaba causando o inverso da mudança que espera provocar, ou seja, a rejeição ao que ele está apresentando.

Sendo assim, um discurso está longe de ser um espetáculo de um homem só. Trata-se bem mais de uma comunhão, onde há, é verdade, alguém que detém a palavra, mas que não está livre para dizer o que quer, senão para explorar aquilo que se encontra dentro dos limites impostos pelo acerto silencioso que mantém com a audiência que se dispõe a escutá-lo.

Por isso, obtém-se pouco sucesso em uma palestra quando se aposta todas as fichas apenas no material a ser apresentado e não se percebe que o que há entre o orador e a plateia é mais do que a emissão e absorção de uma mensagem. Há, de fato, uma comunidade de espíritos.

O medo de falar em público

A maioria dos nossos temores são monstros fantásticos criados pela nossa própria imaginação

Na primeira aula de meu Curso de Oratória falo sobre o medo e sobre minha constatação de como muitas pessoas perdem oportunidades preciosas na vida por causa dele. Sim, eu conheço pessoas, e talvez seja até o seu caso, leitor, que chegaram a negar determinados cargos, que não aceitaram assumir responsabilidades que as obrigavam falar na frente de várias pessoas ao mesmo tempo, simplesmente porque tiveram medo. Com isso, perderam oportunidades de empregos, de negócios e de contatos que, muitas vezes, eram o sonho da vida delas.

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