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Respeito ao Passado

No passado, os homens viviam em ambientes limitados, que os forçava à adaptação. As gerações nascidas neste mundo industrial e capitalista, porém, já vêm à luz cercadas de possibilidades, tendo à sua disposição mais bens que mesmo os mais abastados de tempos anteriores jamais puderam sonhar.

Viver num mundo próspero é muito bom, mas também gera nos felizardos que nele nascem a sensação de que toda essa abundância é natural, fazendo parte da própria estrutura da realidade. São como primitivos caídos na civilização, como dizia Ortega y Gasset, sem qualquer noção do quanto de trabalho deveu-se tudo aquilo que a civilização construiu.

O fato é que todo desenvolvimento se dá sobre uma linha contínua, sem sobressaltos, na qual cada etapa se sustenta pelas etapas que se passaram e sem as quais não poderia acontecer. Por isso, se podemos desfrutar de tanta coisa boa e se há tantas possibilidades disponíveis para nós, é porque houve um caminho até aqui pavimentado pelos homens e mulheres das eras anteriores.

Sendo assim, tudo o que existe hoje é fruto de trabalhos que, muitas vezes, se iniciaram séculos antes, fazendo da sociedade na qual vivemos apenas a fase atual de uma construção iniciada há muito tempo. Somos nada mais do que a conquista dos homens do passado. Somos a culminação de seus esforços.

Até mesmo os erros dos antepassados contribuíram para chegarmos até aqui, pois com eles aprendemos e pudemos corrigir a rota para as melhorias necessárias.

Fala-se muito de respeito ao passado, mas esse respeito começa pelo reconhecimento da dependência que temos dele. Não é apenas um amor à tradição por ela mesma, nem um apego aos tempos antigos, mas uma admissão do quanto os que viveram antes de nós foram necessários para sermos quem somos e termos o que temos.

Apenas essa forma de enxergar essa relação com o passado é que nos faz gratos e, ao mesmo tempo, promete que seremos respeitados por aqueles que nos sucederem.

Subjetividade e lembrança

Ninguém pode mudar o passado. Isto é fato! Porém, não significa que os fatos lembrados são todos obviamente claros e igualmente reconhecíveis por todas as pessoas. Na verdade, cada indivíduo acaba aplicando seus próprios filtros sobre o que aconteceu, interpretando-o conforme as capacidades e instrumentos cognitivos que possui.

Isso, de alguma maneira, confunde algumas pessoas, que acabam acreditando que, porque as memórias divergem, os fatos também divergem e porque o passado é lembrado de maneiras diferentes, então o que aconteceu, da mesma forma, deve ser mutável.

Tal confusão, porém, só é possível porque vivemos tempos quando a subjetividade adquiriu valor tão importante, se não maior, do que a própria realidade. De Berkeley a Kant, dos impressionistas aos surrealistas, a percepção subjetiva foi adquirindo status de verdade, assumindo importância tal que os dados brutos da realidade chegam até a ser desprezados.

Não que achem que o passado está mesmo sendo alterado, mas realmente não se importam com isso. O que importa mesmo é como lembram-se dele e como interpretam-no. O mundo dentro de suas cabeças é o único legítimo e ai de quem ousa contestá-los.

São os tempos das “minhas verdades”, quando nada é mais importante do que a forma como cada um enxerga o que vê ou o que pensa que vê.

Em um mundo assim, não há mais espaço para o debate, para o desenvolvimento das ideias, nem para qualquer tipo de exortação. Se a interpretação pessoal é o mesmo que realidade, tudo o que uma pessoa pensa está validado, ainda que para o senso comum possa parecer absurdo.