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A superação das vãs esperanças

Chega um momento da vida que, se a maturidade é alcançada, aquele afã por reconhecimento progressivamente se esvai. É quando se percebe que nosso papel neste mundo é bem diminuto e o que pode ser afetado por nossos atos e palavras é muito pouco. Neste momento, o vigor juvenil por mudanças dá lugar a simples tentativa de compreensão da existência. Quando, ainda, se tem a graça de conhecer diversas pessoas que podem ser consideradas muito mais capacitadas e muito mais dispostas a fazer as coisas bem melhor do que nós, outro sentimento é encontrado: o alívio da pressão por relevância. E isto traz uma tremenda paz. Então, quando tudo isso é percebido, aquilo que para alguns seria motivo de depressão, para uma pessoa sábia é o ápice da liberdade. Fazer aquilo que acredita que deve ser feito, sem a preocupação obsessiva pela aprovação alheia e sem a boba expectativa de se alcançar tudo, é o ponto culminante de uma vida inteligente. Mas só o encontra quem já experimentou a dureza de uma realidade que praticamente ignora a todos. Certamente, os mais jovens não gostarão disso que escrevi; e que assim seja, afinal, eles vivem no tempo da esperança.

Imortalidade maldita

Há uma coisa que é pior do que a condenação à morte; é a condenação à imortalidade terrena. E o que a internet e as redes sociais nos proporcionam é isso. O que é dito hoje, ficará, de alguma maneira, para sempre. Em tempos atrás, nossos erros, vacilos e até crimes poderiam ser, facilmente, esquecidos ou se mantinham vivos apenas na memória de alguns ou eram sabidos somente daqueles que buscassem oficialmente essas informações. Hoje, qualquer palavra proferida pode perseguir seu autor perpetuamente.

Por isso, um erro cometido hoje pode ser como a pedra de Sísimo, devendo ser carregada até o fim da vida. Além disso, tais equívocos, por conta de ficarem arquivados nos bancos de dados da rede, acabam sobrevivendo, inclusive, à nossa própria matéria, ao nosso corpo. São marcas indeléveis que nos acompanham e nos superam.

Para um homem já considerado old school, como eu, isso tem algo de aterrorizante. Em minha juventude, uma das coisas que eu mais prezava era o meu direito a ser esquecido, meu direito ao anonimato. Agora, até espontaneamente, nos lançamos ao mundo e nos expomos escancaradamente. E o pior, arriscamos dizer coisas que ficarão gravadas para sempre, acessíveis a qualquer um por alguns poucos cliques no computador.

Não era incomum, quando a vida em um local tornava-se insuportável, por causa dos pecados cometidos, o homem se mudar para uma outra cidade, uma outra vila, onde ninguém sabia o seu passado, onde ninguém o conhecia. Até isso está sendo retirado de nós. Onde quer que nós formos, nosso passado nos perseguirá implacavelmente, estando à disposição de qualquer curioso que queira espreitar nossos antigos tropeços.

É óbvio que temos a opção por viver nas sombras, fora de onde quase tudo acontece hoje em dia, que é a internet. Claro que podemos, simplesmente, passar incólumes, não emitindo opiniões, não falando nada, sendo um mero espectador de tudo que o passa. No entanto, pessoas, como eu, têm a necessidade incontrolável de escrever, de participar da vida cultural, de emitir pareceres sobre tudo o vier à mente. E o mundo precisa desses para seguir em frente.

Portanto, por mais assustador que seja tudo isso, por mais que a internet nos eleve a um patamar até superior ao que podemos suportar, já não conseguimos nos imaginar vivendo como antes, quando cada um tinha apenas voz em seu círculo e o que dizia não alcançava mais que algumas pessoas.

Agora alcançamos uma imortalidade maldita e não queremos abrir mão dela, de maneira alguma.

O cinema americano e os pecados da nação

É impressionante como o cinema americano vive em torno de tentar, de alguma maneira, se redimir de seus próprios erros. Não apenas os dos envolvidos com a indústria cinematográfica, mas os erros que eles acreditam ser da própria sociedade americana. É só prestar um pouco de atenção para perceber que grande parte dos roteiros tratam de algum tipo de crítica ao estilo de vida americano e a busca de uma saída alternativa para isso.

Pode ser sobre o excesso de trabalho, a busca desenfreada por dinheiro, a obsessão por sucesso profissional, sobre a vida essencialmente urbana, os perigos do patriotismo exacerbado, a tentativa de encarnar o american way of life ou tantas outras características da forma de pensar e viver americanas; tudo isso é retratado nesses filmes como se fossem problemas a ser superados. Aquilo que representou, durante décadas, o jeito de ser de quem vive nos Estados Unidos é tratado, quase sempre, como uma falha a ser corrigida.

E, então, surgem as soluções, que podem vir pela escolha de uma vida bucólica, pelo desapego material, por optar um trabalho que se ame de verdade, por ser mais tolerante, por ser menos careta etc.

Em princípio, isso que Hollywood faz não é nenhuma novidade, mesmo se considerarmos a arte e a literatura que extrapolam os cinemas nos espaço e no tempo. O artista e, também, os pensadores sempre tiveram essa tendência de buscar uma alternativa ao mundo presente que, para eles, sempre lhes pareceu meio sem sentido.

No entanto, ver a bilionária indústria do cinema insistir tanto nesses temas, não tem como não me fazer pensar no tamanho da hipocrisia que isso me parece. É como o herdeiro milionário que passa a vida reclamando da riqueza, enquanto não abre mão de um dólar sequer de seu direito como herdeiro. O cinema americano faz isso, quando pragueja contra aquilo que o sustenta, reclama do que o financia, nega o que lhe dá vida.

Na verdade, a sociedade americana, apresentada em suas telas cinematográficas, parece se envergonhar de sua própria prosperidade, parece temer seu poderio, parece que insiste em desculpar-se por conquistar mais do que a grande maioria dos outros países. O Estados Unidos retratados por seus roteiristas e diretores de cinema são formados por pessoas que alcançaram o que todas as nações ainda buscam, mas que, exatamente por isso, creem que precisam se retratar.

Os filmes americanos se tornaram uma forma da sociedade americana tentar expiar os pecados que acredita ter.

 

A herança futura: a incomunicabilidade entre o mundo, a mente e Deus

Os teólogos antigos entendiam que a realidade que testemunhavam era indiscutível. No entanto, compreendiam que entre aquilo que viam e a verdade superior havia, como nos palavras de Tomás de Aquino, muitos véus que precisavam ser dissipados. Hoje, a coisa ficou muito pior. Entre o mundo e o transcendente não há mais uma mera névoa, mas uma separação de fato. O pensador moderno vê Deus (quando acredita nele) muito distante, completamente separado de sua própria existência. Já não há mais contato possível. Atualmente, a dificuldade se deslocou da relação com a divindade para a relação com a própria realidade. É entre a mente e ela que passou a existir os véus. E já estamos chegando no tempo que mesmo entre estes se consolidará a separação extrema. Vamos ver, ainda, o mundo dividido em três compartimentos incomunicáveis: o mundo, a mente e Deus.

A realidade é um detalhe, acreditam

O mundo, principalmente a partir do século XVIII, passou a ser um mundo de ilusões, de mentiras, que passou a privilegiar as ideias, não a realidade. Foi ali que começaram as filosofias personalistas, que refletiam as loucuras de seus portadores. Foi ali que as utopias proliferaram e o socialismo, como conhecido hoje, passou a tomar forma. Não por acaso, foi o século que se abriu ao ocultismo e valorizou o esoterismo. E de lá até aqui a coisa só se desenvolveu. Hoje, a realidade é apenas um detalhe. Vivemos o tempo da propaganda, do psicologismo, do subjetivismo e, por isso, a dificuldade tão imensa que as pessoas têm de compreender verdades triviais. Entre a mente e a realidade formou-se uma névoa densa, e poucos conseguem dissipá-la.

Pressa em julgar, rapidez em se condenar

Quando Pedro disse para as autoridades religiosas, que exigiam que ele parasse de pregar o Evangelho, que cabia antes obedecer a Deus que aos homens, ele apresentou, de uma maneira muito objetiva, que havia uma hierarquia a ser seguida. E no topo dela estava Deus. E sendo Deus a própria Verdade, não há como antepor qualquer autoridade humana a ela. Existe uma Verdade clara, objetiva e imutável sobre a qual não cabe nenhum tipo de indecisão ou relativismo. Apontar o erro de quem a afronta, portanto, é uma obrigação de qualquer cristão. No entanto, é bom lembrar que deve haver muito cuidado nessa leitura da Verdade. Ela é imutável; nós, porém, inconstantes e sujeitos a todo tipo de confusão. Portanto, a pressa ao apontar o erro alheio pode significar, ao mesmo tempo, a celeridade da própria condenação.

 

Palavra de homem é uma só

Cristo ensinou que a palavra do homem deveria ser sim, sim; não, não. E ainda afirmou que o que fosse diferente disso era obra maligna. No entanto, muitos cristãos de autoridade e liderança parecem não estar nem aí para essas orientações daquele que deveria ser o mestre deles. Pergunte, por exemplo, como eu já fiz, para o pastor Ariovaldo Ramos, se ele é marxista e a resposta dele será, como foi, algo parecido com sou a favor da justiça social. Não sei se já perguntaram para o papa Francisco se ele é a favor do comunismo, mas nunca o vi condenando-o explicitamente; diferente do que ele faz com o capitalismo, aliás. Pergunte ao Obama se ele é muçulmano e a resposta será uma dança linguística de dar nó em qualquer cabeça bem arrazoada. Que me desculpem aqueles que se sentem ofendidos, mas aprendi com meu pai que palavra de homem deveria ser uma só; e bem clara!

Os discursos dúbios me incomodam

Não apenas nas falas do presidente Obama, mas nos discursos esquerdistas em geral, como as dos petistas por aqui e até, pasmem, nas colocações do papa Francisco, o que eu mais vejo é uma linguagem dúbia, incerta, que fala sem querer dizer ou não fala querendo afirmar. Não sei se é meu temperamento, mas gosto das palavras claramente ditas e das posições indubitavelmente tomadas. Esse negócio de usar a linguagem como forma de dizer sem revelar, deixando dúvidas nos ouvintes e dando margem a todo tipo de especulação me desagrada e assusta. Não consigo confiar em quem faz uso desse artifício.

Sem medo da desorientação

Quando algumas certezas se esvaem, quando, das opções que conheço, nenhuma parece correta, não me sinto, como seria esperado, desamparado. Pelo contrário, vejo nessa situação uma oportunidade. Até porque se, quando isso acontece, boas convicções ficam temporariamente suspensas, ao mesmo tempo, certezas equivocadas se perdem de vez. E dessa aparente confusão e desnorteamento é que surgem as mais fortes convicções, posto serem fruto não mais da herança, da autoridade ou do costume, mas da mais profunda experiência.

A crença na liberdade absoluta e os males do nosso tempo


É um erro pensar as coisas de maneira abstrata, apartadas de sua relação com a vida real, com a experiência de cada um. Apesar disso, este é um equívoco bastante comum, principalmente em estudiosos de disciplinas humanas, como a Filosofia, a Sociologia e, também, a Teologia. Aliás, pensar por meio de palavras, como designava Jules Payot, é a causa de muitos desvios de percepção.

Quando se fala em liberdade, por exemplo, e mais especificamente em livre-arbítrio, esse erro fica muito evidente. Isso porque as pessoas tendem a pensar a liberdade como algo absoluto, como se pudessem, por causa dela, fazer o que bem entendessem, no momento que desejassem, afinal, são livres. Falam isso de uma forma que parece que basta o desejo para a vontade ser transformada, como por mágica, em ato.

Nisso, elas esquecem de duas coisas: que o próprio querer já não é absolutamente livre, afinal ele é influenciado por fatores da própria experiência do indivíduo, além de heranças inconscientes absorvidas por ele. Também, para algo ser absolutamente livre, precisa poder ser posto em prática a qualquer momento. Ocorre que quando atentamos para a realidade, vemos que os homens estão sujeitos a todo tipo de circunstâncias limitadoras que os impedem, ou, ao menos, obstaculizam seus atos. 

Pensando bem, será que o ser humano é mesmo tão livre quanto imagina? O que realmente é possível a cada indivíduo realizar? E mesmo que na mente possua idéias em profusão, desejos ansiosos por saciarem-se, quais foram suas origens, porque estão ali em sua cabeça? E mais: quais dessas vontades podem realmente ser postas em ato, se tornando realidade?

Na verdade, a ideia da liberdade absoluta não passa de um mito. Um mito útil, é verdade, que estimula a ação e a revolução. Mas esse sonho que costumam vender, de que tudo é possível para quem deseja, não passa de propaganda enganosa – e daquelas bem sem vergonhas! Sendo muito honestos com nossa experiência, verificaremos que possuímos muito mais limitações que possibilidades e nossa capacidade de alterar a realidade é bem pequena. Podemos mudar algumas coisas em nós mesmos, porém, ainda assim, só até certo ponto. Mudar a realidade que nos cerca é ainda mais difícil. Quanto às coisas mais distantes de nosso ambiente imediato, então, nossa força de mudança é, em geral, praticamente nula.

Sabendo, portanto, que a realidade não é tão manipulável como muitos querem dar a entender, muito mais coerente é, antes de querermos mudar qualquer coisa no mundo exterior, atentar-nos para dentro de nós mesmos, para o que ocorre em nosso interior. Ainda que não tenhamos controle absoluto de nossos atos, gostos e pensamentos, afinal somos, também, herdeiros de experiências e conhecimentos, há, em nós um maior campo para a atuação de nosso livre-arbítrio do que existe fora. Se a realidade exterior é muito pouco influenciada por nós, ao menos, dentro de nós existe um universo a ser explorado e desenvolvido.

Portanto, se há alguma justiça em tentar melhorar a realidade exterior, isso não significa nada se não houver, antes de tudo, um firme empenho para mudar a si mesmo. Se a pessoa não é capaz de transformar a si mesmo, que é o objeto de maiores possibilidades de atuação da própria liberdade, em algo melhor, é bastante audaz, senão hipócrita, querer mudar o mundo.

O problema é que aqueles que sonham em mudar o mundo acreditam, piamente, que são livres, que nada tem influência sobre suas decisões e fingem que não existe algo chamado pecado, que os faz tender ao desprezo do que é bom e outra coisa chamada chamada ignorância que os impede de ver a realidade como ela é, de fato.

Por isso, os homens mais encarcerados, aqueles que mais presos estão aos seus próprios desejos e à manipulação externa, são os que mais acreditam que possuem liberdade e, portanto, força real para mudar o mundo. E são estes que causam os piores dramas a pessoas que nada têm a ver com isso. Os conscientes, aqueles que sabem que sua liberdade é bastante limitada, que são movidos não apenas por ideias acertadas, mas, invariavelmente, contaminadas por maus impulsos, costumam, por isso mesmo, se retrair mais, sabendo que dar demasiada abertura à própria imaginação pode ser um perigo real para os outros.

Infelizmente, quem entende as limitações do livre-arbítrio tende à interioridade, onde encontra menos limitações, mas são os crédulos na própria potência e na própria liberdade que agem. E estes, em geral, são os verdadeiros filhos da modernidade. É por isso que os últimos séculos presenciaram, e continuamos presenciando hoje, tantas mazelas. Os genocídios, a mortandade, o pensamento revolucionário e a tirania são frutos dessa crença absurda de que cada homem é absolutamente livre, por isso, um verdadeiro deus.