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Eu também não te condeno

Se eu me condeno naquilo que já fui perdoado, é como se eu dissesse que tudo o que Deus fez por mim, inclusive seu sacrifício e sua dor, não fosse nada, não tivesse força alguma.

Digo isso porque vejo várias pessoas vivendo com suas culpas, carregando o peso de seus erros em suas costas. Elas dizem arrepender-se, dizem ter consciência de suas faltas, dizem até ter pedido perdão a Deus e dizem acreditar que Deus as perdoa, mas, na prática, não conseguem se livrar dessa auto-acusação que lhes persegue.

O pior é que fazem isso com certa satisfação, como se o incômodo do pecado mal resolvido lhes concedesse algum tipo de virtude. E é exatamente isso que torna tudo mais difícil, pois alimenta esse ciclo de auto-compadecimento. É como se a lembrança de seus pecados fosse algo necessário para a manutenção de suas piedades.

Eu quero, porém, que você entenda uma coisa: seus pecados não são nada. Se você não faz apologia deles, nem tem sua consciência amortecida em relação a eles, esses pecados são insignificantes diante da infinita misericórdia divina. Por isso, não adianta nem orgulhar-se de sofrimento que eles lhe causam, nem ultrajar-se por acreditar que suas penas são merecidas.

Não que Deus aprove esses pecados. Muito pelo contrário! Mas é tudo uma questão de proporção. Se você for uma pessoa comum, seus pecados se encontram entre aqueles que são cometidos aos milhões, diariamente. Apesar de não deixarem de ser faltas, são prosaicos.

Por outro lado, imagine todo o tipo de atrocidades e aberrações com os quais Deus já se deparou. Atos inomináveis, em relação aos quais os pecados das pessoas comuns tornam-se bobeiras infantis e suas escorregadelas quase irrelevantes.

E para essas crianças que tropeçam Deus diz: “Vai, meu filho! Levante a cabeça! Siga em frente! Sacuda a poeira e esqueça a besteira que fez! Pare de se condenar! Pare de se torturar por isso!”.

Isso porque, diferente do que a retórica religiosa costuma dar a entender, Deus é nosso amigo e, como tal, está do nosso lado para nos ajudar, para nos dar apoio, para nos fazer recomeçar toda vez que precisamos.

Por isso, se você já entendeu que fez algo que não deveria ter feito, não adianta nada ficar arrastando a culpa pelos seus erros. Fazer isso é o mesmo que dizer que a misericórdia de Deus é limitada e seu poder de perdão restrito.

Faça apenas o seguinte: confie que você tem, no céu, um salvador e um amigo, em vez de um algoz.

Cristo não veio julgar, mas salvar

Quem não entende que Cristo veio ao mundo para salvar os homens e não julgá-los, não compreendeu a essência do Evangelho.

Isso parece óbvio, mas, ainda assim, ao fazer esta afirmação, muita gente torce o nariz e acredita que eu estou caindo em algum tipo de universalismo.

Aliás, escrever sobre doutrina e teologia sempre é algo problemático, pois o que mais há são os defensores da santa fé, ansiosos por encontrarem qualquer desvio doutrinário para saírem gritando por aí: Herege! Herege!.

Nesta questão, ao enfatizar a obra salvadora de Cristo, não estou inventando nada, mas apenas ressaltando o aspecto fundamental de sua missão ao vir ao mundo.

A encarnação é uma solução para algo que já estava definido: a perdição humana. Cristo, ao vir à terra, oferece, a um povo que estava condenado, uma derradeira chance. Se, até ali, não havia o que fazer para encontrar a salvação, agora se abria uma esperança.

Fica claro, portanto, que o que o mundo precisava não era de julgamento, mas de salvação. Tanto que Jesus mesmo disse: “E se alguém ouvir as minhas palavras, e não crer, eu não o julgo; porque eu vim, não para julgar o mundo, mas para salvar o mundo” (João 12.47).

A encarnação do Logos, portanto, é a solução para um problema que parecia insolúvel. Os homens, sem exceção, são pecadores, seu destino já está traçado, não há como, de alguma maneira, obterem sua própria redenção. Se nada fosse feito, se Cristo permanecesse eternamente em sua glória, nada iria mudar: todas as pessoas estariam condenadas. Quando o Filho de Deus, porém, aceita descer a este mundo, não fez isso para condenar ninguém, posto já estarem condenados. Pelo contrário, sua missão era bem clara: trazer uma última oportunidade de resgate, de redenção.

Cristo veio como um cordeiro, a fim de ser sacrificado em favor dos homens. Uma das características desse animalzinho é, quando está para ser abatido, oferecer o próprio pescoço ao seu algoz. E foi isso mesmo que Jesus fez. Ele seguiu calado até sua libação e permitiu que homens, sobre os quais ele tinha poder para fazer o que bem entendesse, o conduzissem até à cruz.

Portanto, não há julgamento envolvido na encarnação de Cristo. Há, meramente, uma oferta. Ele se entrega pelos homens com o intuito de oferecer-lhes uma última chance de salvação. A morte na cruz, portanto, não é julgadora, mas salvadora. Não dá uma sentença, mas uma esperança. Não define o destino humano, mas oferece uma possibilidade de mudá-lo.

Nisto, não há nenhum universalismo envolvido. Pelo contrário, diferente desta doutrina, que ensina, que, no final, todos serão salvos pelo amor divino, a própria vinda de Cristo é a prova de que, pelo contrário, se há algo que parece mais universal, é mesmo a condenação.

Na verdade, os homens estavam tão perdidos, seu destino eterno já tão definido, que se Cristo viesse julgá-los seria apenas para fazer uma mera declaração formal de um fato já consumado. No entanto, ele deixou sua glória para algo muito mais espetacular, que foi apresentar uma oportunidade de mudar o que parecia inexorável.

Publicado originalmente no NEC – Núcleo de Estudos Cristãos

O Abismo

Há um abismo entre nós e Deus. Aqueles que se sentem íntimos do Criador, como se tivessem acesso VIP à sala do trono, podem até discordar, mas tenho certeza que a distância que existe entre nós e Deus é algo imensurável.

Vejo, de nossa parte, uma total incompreensão dos caminhos de Deus, uma presunção de sabedoria que desmorona aos primeiros sinais de decepção, uma idéia de fortaleza que rui diante das primeiras míseras dores. Há tantas doutrinas, tantas idéias, tantas certezas que torna-se impossível dizer quem tem verdadeiramente razão. Minha conclusão: nenhum de nós tem razão. O que temos é uma fagulha da verdade que mantém viva a chama da esperança e da fé; mas é apenas uma fagulha. Construímos castelos de convicções que podem ser postos no chão com argumentos tão simples que têm a capacidade de fazer desaparecer a nossa fé, ainda que nos vejamos como homens de grande espiritualidade.

Há um abismo entre nós e Deus, e o que vejo é uma tentativa imbecil de tentar entender os pormenores do Rei do Universo. Não vejo, diante de tudo isso, nenhuma solução palpável para se achar Deus, para entender Deus ou para viver a vontade de Deus.

Ele fugiu do homem, então? Evidente que não. Nós, com nossa estupidez, nossa corrupção e nosso orgulho é que caminhamos cada vez para mais longe de Deus. E não se engane, não estou falando daqueles que vivem longe dos preceitos religiosos (esses estão ainda mais afastados), mas falo de nós, os espirituais, os religiosos, os cumpridores da vontade do Pai, os filhos, a geração eleita. Nossos passos de religiosidade nos guiam não em direção a Deus, mas por uma linha paralela a Ele. Não nos faz chegar mais perto, a não ser em alguns pequeníssimos passos. Ainda assim, apenas nos momentos que sentimos ter maior intimidade com Ele. Mas são passos tão minúsculos que os dias, às vezes as horas, nos trazem ao status quo ante da mediocridade. Se nossas experiências, estudos e reuniões nos levassem para tão perto de Deus, não recuaríamos tão facilmente nos momentos posteriores. Essa volta à normalidade, às vezes para mais atrás ainda, só mostra que nossa aproximação da divindade foi ridícula. Não creio, porém, que este seja um sacramento eterno, ao qual estamos todos condenados. Alguns homens, ainda que poucos, parecem ter encontrado esse liame que conduz ao Senhor e trazem a nós uma luz de esperança de que é possível, ao menos, encurtar de forma mais significativa o espaço que existe entre nós e Deus. O que vemos neles é, antes de tudo, a total falta de presunção de conhecimento. Absolutamente abertos para receber de Deus a verdade, não discutiam com Ele, não acrescentavam nada a Ele; apenas reproduziam sua vontade. De um esvaziamento completo, surgia o preenchimento pelo poder do céu, sem dividir a glória eterna com a honra corrupta da terra.

Muitos já pregaram sobre isso, mas duvido que a maioria tenha entendido o significado desse esvaziamento. Talvez por ser um conceito tão simples traga tantas dúvidas para o homem. Esvaziar-se não é tornar-se um ser autômato, sem vontade e decisão, mas, sim, compreender a si mesmo como alguém absolutamente limitado, corrupto e ignorante. Já ouvi muitos falarem sobre fazer a vontade do Pai, esvaziar-se a si mesmo, não ser mais nós a viver, mas Cristo. Tudo isso é lindo, e correto. Porém, na prática, vemos a feitura da vontade de Deus conforme a nossa idéia do que seja a sua vontade. Praticamos um esvaziamento de atos, mas não de idéias, pois insistimos em encaixotar Deus em nossas doutrinas humanas. Achamos que não vivermos mais nós mesmos se relacione com vontade, quando, na verdade, tem mais a ver com submissão e obediência. Deus fala que para encontrá-lo o homem deve buscá-lo com toda a força e todo o coração. Acontece que essa busca não pode se dar numa corrida desenfreada por práticas de lisonjeio ou guarda de preceitos presumivelmente agradáveis a Deus. Buscar a Deus, normalmente, tem mais a ver com não fazer, não pensar, não construir, mas deixar Ele trabalhar em nós. Se achamos que podemos encontrar a Deus por meio de nossos atos, talvez estejamos caindo no mesmo erro dos homens que construíram a Torre de Babel. Seu final foi apenas confusão.

Somos incapazes, aceite. Acredito que apenas Deus pode nos conduzir para mais perto de si, desde que em nós não haja barreiras que impeçam o seu agir.