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Necessidade de Sentido

Há pessoas que são muito estáveis em tudo o que fazem. Elas se mantêm no mesmo emprego, têm, há anos, os mesmos amigos, cultivam os mesmos gostos que tinham na sua juventude. São pessoas que vivem das escolhas que assumiram há muito tempo. Parece até que desde sempre têm a certeza do que querem e suas decisões refletem exatamente seus objetivos.

Sinceramente, eu invejo gente assim, porque comigo as coisas aconteceram de maneira bem diferente. Já enveredei por vários caminhos, mas nunca tive muita convicção de que eles eram os melhores. Foi tudo meio por tentativa e erro: seguia a intuição e depois, na prática, tentava entender se aquela escolha era boa ou não.

Eu tinha inclinações, gostos e potenciais que foram se mostrando cada vez mais claros para mim. Mas isso não era suficiente, porque a dificuldade era fazer com que essas inclinações, gostos e potenciais fossem aplicados na vida cotidiana. Nem sempre aquilo que gostamos de fazer ou que achamos que fazemos bem têm a oportunidade de serem colocados em prática. A vida impõe necessidades e responsabilidade que não coatumam negociar tão livremente suas exigências.

Na verdade, a quase totalidade dos seres humanos sentem que são lançados neste mundo não para cumprir qualquer propósito, mas para sobreviver, para obedecer a tarefa de manter-se vivo, saudável, seguro e, se sobrar alguma disposição, próspero.

No entanto, há alguns poucos agraciados (ou amaldiçoados) – entre os quais me incluo – que sentem que suas vidas não podem ser resumidas à aritmética que faz da prosperidade material o fator definidor de tudo. São estes que se questionam se aquilo que fazem tem algum sentido além do objetivo imediato de lhes dar o sustento necessário.

Por isso, quem tem a necessidade de sentido vai sempre encontrar dificuldade de atuar em uma área onde não consiga enxergar um propósito. Para ele, cumprir meramente com suas responsabilidades pode se transformar em um peso insustentável. Eu mesmo, muitas vezes, me senti assim, pressionado entre as minhas inclinações – pelas quais eu sabia que poderia expressar o melhor de mim – e as minhas necessidades do momento, que me forçavam a trabalhos que nada tinham a ver com minha personalidade e não me davam propósito algum.

Sem conseguir encontrar sentido no que faz, a pessoa que tem necessidade dele vai tentar justificá-lo, racionalizando sua atividade. Porém isso é apenas um subterfúgio, uma artificialidade. Eu mesmo fiz isso muitas vezes: criava, em minha mente, uma narrativa que transformava o que eu fazia em uma missão. O problema é que esse autoconvencimento não durava muito e logo a rotina e a falta de relação com algo superior ficavam muito claras para serem ignoradas.

Para quem tem necessidade de sentido, viver afastado dele faz da vida insuportável. A tal ponto que exige uma solução. Nesse ponto, ou a pessoa direciona a sua vida para o seu propósito ou ela abafa essa necessidade de vez, assumindo que a vida não permite esse tipo de preciosismo.

Obviamente, a negação do propósito acaba mantendo as pessoas presas em trabalhos que detestam, com rotinas que odeiam, tudo porque não tiveram a oportunidade (ou não tiveram a coragem) de orientar suas vidas para aquilo que satisfazia a sua necessidade de sentido. Claro que acabam tristes, frustradas ou até mesmo neuróticas.

Para quem não tem a necessidade de sentido, tudo isso parece mero capricho. Soa como desculpa de quem quer fugir de suas responsabilidade. Por isso, ele jamais vai entender as escolhas de quem tem essa necessidade. Quem a possui, porém, sabe que ela é inescapável, pois lhe persegue durante toda sua vida, reclamando, sem tolerância, preeminência e satisfação.

No meu caso, foi apenas na maturidade que tive a coragem de encaminhar a minha vida para aquilo que me fazia sentido. Alguns podem pensar que fiz isso somente quando tive a possibilidade de fazê-lo, quando as condições me eram favoráveis. Pelo contrário! Na verdade, para seguir minhas convicções e vocação precisei abrir mão de algumas certezas, de certas seguranças e até de alguns confortos.

No entanto, apesar das dificuldades, ter seguido o caminho daquilo que fazia sentido para mim foi a melhor decisão que eu poderia ter tomado. Isso porque, quando nossos propósitos podem ser colocados em prática nossa vida fica mais simples, mais leve, mas fácil. Parece que tudo está em harmonia. As necessidades diminuem e as expectativas se estabelecem em outro nível, já que os resultados são o que menos importam, afinal, o objetivo de quem decide seguir seu propósito é exercê-lo cotidianamente.

Cristianismo sem sentido: o distanciamento dos fundamentos da fé

Mesmo entre os cristãos, não é fácil encontrar quem tenha uma visão clara sobre o sentido de sua própria vida. E não estou falando apenas de uma sensação de completude ou de realização que possa preencher o coração de uma pessoa. Me refiro a algo mais racional mesmo, como a consciência do que todos nós estamos fazendo neste mundo e também o que deve fundamentar nossos próximos passos.

E se isso é assim só pode ser por um distanciamento dos alicerces que sustentam o pensamento cristão e sua visão de mundo. Por não entender, ou mesmo não saber, o que é o cristianismo, qual sua proposta e o que ele oferece ao homem, muitos cristãos simplesmente não conseguem enxergar suas vidas, com suas demandas presentes, plenamente envolvidas em uma perspectiva cristã.

Se não está claro o que somos e qual é o nosso destino, nosso caminhar neste mundo torna-se incerto, vacilante. Se não sabemos as razões da nossa existência, não haverá como escapar da desilusão. Todo o niilismo e toda revolta é fruto da perda desse contato com os fundamentos, com aquilo que explicava para cada um quem ele era e o que ele estava fazendo por aqui.

Mas o cristianismo se tornou, na cabeça de boa parte de seus seguidores, apenas uma manifestação religiosa. Ele perdeu o status de definidor da verdade para apenas uma alternativa para corações ansiosos. A verdade cristã não é mais a verdade única, mas apenas uma das verdades possíveis.

O problema é que o cristianismo visto dessa maneira se torna incapaz de oferecer o sentido que a alma humana anseia. Ao invés de ser o Paedagogus, como pensava Clemente de Alexandria, ele representa apenas a religião provedora do conforto imediato, porém incapaz de sustentar o homem em sua percepção de sua própria dimensão eterna.

Por isso, entre os cristãos manifesta-se duas atitudes que revelam sua incompreensão da verdade cristã em sua inteireza: o desapego do presente, como se a proposta divina fosse apenas de um mundo pós-morte, sendo este aqui apenas um peso que cada um deve carregar temporariamente ou, então, uma entrega às questões seculares, como se o cristianismo, sendo apenas religião, não tivesse interesse nos problemas do mundo e fosse algo para ser praticado apenas em ambiente privado, dentro das igrejas e, no máximo, dentro de casa.

O que é perceptível é que mesmo nas fileiras cristãs, cada vez menos pessoas conseguem compreender que o cristianismo é uma proposta divina para o homem e a entrega para ele não apenas da explicação da existência, mas da solução para ela. Estão, de fato, quase todos, perambulando por aí, de igreja em igreja, de reunião em reunião, de pastor em em pastor, de padre em padre, tentando encontrar algo que nem mesmo eles sabem o que é.

O que mais vejo hoje são cristãos em busca de sentido. E mal eles sabem que o sentido já foi dado a eles. Basta entenderem!