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Respeito ao Passado

No passado, os homens viviam em ambientes limitados, que os forçava à adaptação. As gerações nascidas neste mundo industrial e capitalista, porém, já vêm à luz cercadas de possibilidades, tendo à sua disposição mais bens que mesmo os mais abastados de tempos anteriores jamais puderam sonhar.

Viver num mundo próspero é muito bom, mas também gera nos felizardos que nele nascem a sensação de que toda essa abundância é natural, fazendo parte da própria estrutura da realidade. São como primitivos caídos na civilização, como dizia Ortega y Gasset, sem qualquer noção do quanto de trabalho deveu-se tudo aquilo que a civilização construiu.

O fato é que todo desenvolvimento se dá sobre uma linha contínua, sem sobressaltos, na qual cada etapa se sustenta pelas etapas que se passaram e sem as quais não poderia acontecer. Por isso, se podemos desfrutar de tanta coisa boa e se há tantas possibilidades disponíveis para nós, é porque houve um caminho até aqui pavimentado pelos homens e mulheres das eras anteriores.

Sendo assim, tudo o que existe hoje é fruto de trabalhos que, muitas vezes, se iniciaram séculos antes, fazendo da sociedade na qual vivemos apenas a fase atual de uma construção iniciada há muito tempo. Somos nada mais do que a conquista dos homens do passado. Somos a culminação de seus esforços.

Até mesmo os erros dos antepassados contribuíram para chegarmos até aqui, pois com eles aprendemos e pudemos corrigir a rota para as melhorias necessárias.

Fala-se muito de respeito ao passado, mas esse respeito começa pelo reconhecimento da dependência que temos dele. Não é apenas um amor à tradição por ela mesma, nem um apego aos tempos antigos, mas uma admissão do quanto os que viveram antes de nós foram necessários para sermos quem somos e termos o que temos.

Apenas essa forma de enxergar essa relação com o passado é que nos faz gratos e, ao mesmo tempo, promete que seremos respeitados por aqueles que nos sucederem.

O Ordinário e o Misterioso

Nós procuramos a verdade, mas pode acontecer que procuremos instintivamente as verdades mais extraordinárias.

E não foi isso que fez a intelectualidade ocidental nos últimos quinhentos anos? Desde que tentou se desapegar do dogmatismo teológico e das amarras da religião, não foi ela quem buscou na fantasia as respostas para suas indagações?

O intelectual moderno já não suporta a vida ordinária. Para ele, ela representa o comprometimento com o pensamento retrógrado, com uma visão ultrapassada, que precisa ser superada. Entende, com isso, que a verdade (se é que ela existe) não pode residir nessa normalidade reacionária, mas deve ser buscada nos sonhos utópicos e nas elocubrações fantasiosas.

Diante disso, o que Gilbert Chesterton tenta nos mostrar em seu livro ‘Orotodoxia’ é que o que há de mais incrível não está nas ideias revolucionárias, mas naquilo que existe desde sempre. O que a humanidade sempre reconheceu como real é aquilo que contém a força da verdade, que é, por si mesma, poderosa e instigante. É no pensamento tradicional que se encontra a altura e a profundidade do real, com todo sua força e mistério.

Enquanto pensadores se esforçam por buscar no fantástico as explicações para suas indagações existenciais, as respostas se encontram na normalidade experimentada por todas as gerações. Como o navegador inglês que buscou uma aventura em terras estranhas e acabou aportando na própria Inglaterra, Chesterton descobriu que seu esforço por proferir grandes verdades, que ele acreditava ser suas, levou-o apenas a reconhecer que essas verdades simplesmente não eram dele, mas pertenciam à toda uma tradição ocidental.

A existência é normal e incrível; faz-nos sentir assombrados e, ao mesmo tempo, acolhidos. Nela, o ordinário e o misterioso se misturam. Assim, saber desfrutar essa dádiva é a nossa missão. E esse é o objetivo do Ortodoxia: mostrar como temos diante de nós um conhecimento tão profundo e tão rico que buscá-lo em quimeras é um erro. O livro do nosso mundo está aberto e é tão cheio de ensinamentos que ignorá-lo é uma grande estupidez.

Se queremos ficar mais inteligentes, portanto, devemos antes olhar para o conhecido, sabendo que por trás dele há muito ainda a ser revelado.

Tradição e mudanças

Será que as pessoas não percebem que muitos dos valores tradicionais de hoje foram tidos por vanguardistas em tempos atrás? O próprio cristianismo foi considerado subversivo dentro da sociedade romana; o catolicismo inverteu a ordem social do império; o protestantismo foi um movimento revolucionário; e aquilo que se pratica dentro da maioria dos templos evangélicos mais tradicionais foi considerado escandaloso aos olhos de suas primeiras testemunhas.

Há um erro muito óbvio que boa parte das pessoas comete: entender a tradição e os costumes como valores absolutos. Com isso, fecham-se para experiências novas e possibilidades de mudanças. Fecham-se assim para o aperfeiçoamento. Tornam-se retrógrados, apenas.

No entanto, quase tudo que hoje é tido por tradicional foi vanguardista em determinado tempo; aquilo que é visto como habitual já foi, alguma vez, insólito.

Isso faz parte do movimento da sociedade. Sendo ela dinâmica, está sujeita a mudanças constantes. Assim, só alguém muito obtuso para não entender que conservar as coisas como são há muito tempo não é um valor em si mesmo. Da mesma maneira que não o é querer mudar as coisas leviana e apressadamente, apenas pelo desejo da mudança.

O que se mantém desde o passado pode continuar sendo bom, mas obviamente isso depende das circunstâncias. Há situações nas quais os vinhos novos não podem mais ser colocados em odres velhos.

O fato é que mesmo as coisas mais tradicionais podem mudar, ainda que gradativamente e quando necessário. Afinal, se os valores antigos fossem sempre os melhores, viveríamos ainda na idade das cavernas.

Por que celebrar o Natal

Sempre ouvi, de pessoas que passam por momentos tristes em suas vidas, ou de outras que acreditam não haver muita felicidade nelas, ou simplesmente de quem diz não ver muito sentido nessa data, que preferem não “comemorar” o Natal.

Como querendo afastar-se de qualquer tipo de celebração, crendo que essa data só é válida se for passada como um festejo, essas pessoas escolhem ignorá-la, ou, no máximo, minimizá-la, transformando-a quase em uma data comum.

São esses que dizem que o Natal é besteira, que é um dia sem importância e que falam que apenas se reúnem nesse dia por causa das crianças ou por pressão dos familiares.

O que eu respondo para gente que pensa assim é que o Natal não é bem um festejo, nem mesmo uma comemoração.

Na verdade, o Natal tem duas características essenciais: é um memorial, ou seja, uma lembrança, mais ou menos ritualística, de um fato específico – no caso, o nascimento de Cristo; além disso, o Natal é também uma tradição, ou seja, algo que se faz, por séculos, no Ocidente e que, de alguma maneira, mantém viva sua história e personalidade.

Ninguém precisa estar feliz para celebrar o Natal, nem mesmo achar que essa deve ser uma data para encontrar-se alegre. Não é preciso beber muito, nem comer muito, nem encontrar-se com os amigos e familiares para se divertir.

O mais importante do Natal é manter viva nossas raízes, lembrando-se, a cada ano, de que foi o nascimento de um homem que permitiu e forneceu-nos os elementos para que fôssemos o que somos – como indivíduos e como povos.

Ignorar o Natal é quase como virar as costas para a própria herança e querer viver neste mundo como um ser isolado.

Celebre o Natal, sim! Do seu jeito, conforme seu estado de espírito. Só não deixe passar em branco uma data tão importante para você e para todos nós que nos orgulhamos de sermos civilizados.

Tradição e instinto

É comum ver gente inteligente criticando a forma como assimilamos as tradições, tentando dar a entender que, ao fazermos isso, estamos agindo sem pensar, apenas repetindo padrões já determinados. Há até um vídeo, bastante conhecido, que mostra uns macaquinhos agindo dessa maneira. Acreditam assim que estão levando seus ouvintes a defender a razão.

Não entendem, porém, que a razão humana não é algo que existe sem uma causa e que ela é também parte de um desenvolvimento e, nesse prisma, só existe como fruto das tradições e dos costumes. Sem eles, com efeito, seríamos apenas instinto e, consequentemente, não haveria razão alguma para defender.

Por isso, quando alguém, ao criticar o conhecimento herdado, pensa estar reivindicando liberdade, na verdade está promovendo o exato oposto dela: o cárcere da irracionalidade.

Involução anti-hobesiana

Criticar as tradições e a ordem estabelecida, tendo-as por males, reivindicando uma liberação dos instintos, é a conclamação de uma vida sem sociedade. É a promoção da involução anti-hobesiana.