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A Loucura do Pensamento Moderno

Os pensadores modernos, otimistas com a capacidade humana de decifrar o mundo, decidiram, por si mesmos, apoiando-se em suas percepções, raciocínios e observações, apresentar, cada um, sua própria versão da realidade.

Para isso, negaram os princípios tradicionais da cultura onde estavam inseridos, e Chesterton, em seu livro ‘Ortodoxia’, identifica aí uma característica insana. Afinal, “quem pensa sem os apropriados primeiros princípios fica louco“. 

Mas, segundo Chesterton, a insanidade moderna não se caracteriza – como seria de se esperar – de raciocínios sem sentido. Pelo contrário, como nos loucos, que são “em geral, grandes argumentadores”, há sentido até demais nos argumentos modernos. Há, neles, um excesso de coerência, mas uma coerência interna, que parte dos seus próprios pressupostos, e segue justificando-os, movendo-se sempre em sentido circular.

Chesterton lembra-nos que “o louco costuma ter um raciocínio expansivo e exaustivo com reduzido bom senso“, ou seja, um raciocínio coerente consigo mesmo, ainda que apartado da realidade; é um raciocínio “tão completo como a do sensato, [apesar de não] tão abrangente“.

A partir dessa insanidade do pensamento moderno, Chesterton identificará sua limitação, que “esclarece muita coisa, mas deixa muita coisa de fora”; seu simplismo, que lhe dá uma aparência de perfeição, porém como uma “bala [que] é exatamente tão redonda como o mundo, mas não é o mundo“; e sua obsessão “no sentido de que toma uma explicação superficial e a leva muito longe“.

Por fim, Chesterton ressaltará aquilo que mais aproximará as filosofias modernas da loucura: sua autoconfiança, já que elas costumam apresentar-se como a resposta definitiva às questões a que se propõem e não costumam aceitar oposição. No entanto, só “os loucos nunca têm dúvidas“ e, não por acaso, “os homens que realmente acreditam em si mesmos estão todos em asilos de lunáticos“.

Para Chesterton, a enfermidade da filosofia moderna se encontra exatamente naquilo do que ela mais se orgulha: sua racionalidade. Até porque, o louco “não é alguém que perdeu a razão, mas alguém que perdeu tudo, exceto a razão“.

Espanto e familiaridade em relação à realidade

A ideia de que a realidade está justamente dividida entre o mundo material e o transcendente, de alguma maneira, tranquiliza-nos. Enquanto o céu representa o misterioso, o numinoso, a terra é para nós a segurança do mensurável e previsível. E o conforto dessa dualidade reside exatamente no fato de que a existência dessas duas realidades permite-nos o trânsito entre elas conforme nossas necessidades e conveniências. Quando o transcendente parece-nos por demais aterrorizante, por tratar-se essencialmente do desconhecido, sempre podemos abrigar-nos nas certezas das coisas terrenas. Quando, por outro lado, o mundo torna-se por demais sufocante, por causa da pressão de sua entediante previsibilidade, há sempre as coisas do alto para onde é possível escapar.

Essa convicção acaba sendo como um ponto de equilíbrio que parece sustentar nossa sanidade.

A verdade, porém, lança sobre nós a afirmação perturbadora de que o céu e a terra não encontram-se cindidos, como alguns apóstolos da modernidade, como Kierkegaard, quiseram dar a entender. Ela ensina-nos que o céu e a terra unem-se em uma mesma realidade e nos relacionamos com ambos, não em momentos distintos, mas de maneira intercambiável.

Relutamos em aceitar essa verdade porque a separação entre terra e céu representa o conforto que temos de que haverá sempre um dos dois mundos para onde poderemos escapar.

Surge, então, Chesterton, confirmando a supressão da nossa antiga certeza, colocando o céu e a terra unidos em uma única realidade, e acrescentando um questionamento para deixar-nos ainda mais atordoados.

Com sua pergunta, antes de tudo, ele faz deparar-mo-nos com o que talvez represente o nosso maior temor: o confronto com a dubiedade desta existência. Se antes havia, de um lado, a segurança e familiaridade daquilo que conhecemos e com o que nos identificamos e, de outro, o espanto e maravilhamento do mistério superior, agora precisamos aceitar que a realidade é uma só e não há para onde fugir.

Mas sua pergunta, diferente do que pode parecer em um primeiro momento, não traz aquele peso do desconforto que essa nova verdade poderia descortinar. Pelo contrário, ao indagar “como podemos imaginar ficarmos ao mesmo tempo assombrados com o mundo e, mesmo assim, nele nos sentirmos em casa? Como pode esta estranha cidade cósmica, com seus cidadãos de muitas pernas, com suas monstruosas e antigas lâmpadas, como pode este mundo provocar em nós ao mesmo tempo o fascínio de uma cidade estranha e o conforto e a honra de ser a nossa cidade?”, o escritor inglês faz-nos ver uma realidade una, mas com olhos carregados de alegria e esperança. Refutando tratar-se de um paradoxo, ainda que se considere que identidade e surpresa pareçam dois sentimentos antagônicos, o que Chesterton quer mostrar-nos, com sua interrogação, é que há uma realidade única, onde viveremos a experiência plena de nossa existência.

No entanto, para compreender essa experiência, que envolve, ao mesmo tempo, o espanto e a familiaridade, é preciso entender a verdade de nossa condição cognitiva e espiritual presente e como essa condição determina nossa relação com este mundo.

A base para essa compreensão reside no fato de o mundo ser a nossa casa, pois, como seres humanos, sabemos que ele foi feito para nós. Estamos no centro da criação e tudo o que nos cerca existe por nossa causa. Assim, toda a estrutura da realidade identifica-se conosco, da mesma maneira que, independentemente da forma e no nível da manifestação da realidade, nos identificamos com ela.

No entanto, em nosso estado cognitivo e espiritual bruto, conhecemos e compreendemos apenas as manifestações mais superficiais dessa estrutura do real. Ainda que nos identifiquemos com ela, o que sabemos, em princípio, abarca apenas um pedacinho dela.

Ocorre que mesmo a enormidade daquilo que não compreendemos pertence à realidade que para nós foi feita. Por isso, ao mesmo tempo que nos espantamos com essas manifestações que não entendemos, identificamo-nos com ela. É uma identificação, em boa parte, inconsciente, é verdade, mas não deixa de ser uma identificação.

O que torna tudo mais estimulante é o fato de que, mesmo com a expansão do nosso conhecimento e consciência, a realidade jamais deixará de nos surpreender, pois, em virtude de nosso estado atual, o conhecimento e a consciência jamais serão plenos. O mundo permanece, para nós, familiar, mas sem deixar de ser misterioso ao mesmo tempo.

A compreensão disso permite-nos, então, estabelecer uma relação com a realidade muito mais completa. O transcendente deixa de ser o mero escape do mundo visível e passa a ser, na verdade, uma etapa mais profunda do relacionamento que temos com essa mesma realidade.

A busca pelo transcendente, diante disso, deixa de ser a busca pelo que existe lá fora, mas um mergulho no mais profundo do nosso próprio ser, onde podemos conhecer melhor o que a existência tem para oferecer até se encontrar com o próprio Deus.