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Manual Esquemático de História da Filosofia

No meu texto “Como Iniciar os Estudos da Filosofia“, eu orientei meus leitores a, antes de tudo, buscarem uma visão panorâmica da história da Filosofia, tanto em seu aspecto cronológico, como em seu aspecto temático. Por isso, agora, quero indicar um livro que pode ajudar nesse processo.

Há grandes livros de história da filosofia que nos dão uma boa noção de como a filosofia se desenvolveu, e que também analisam as ideias que foram apresentadas durante esse desenvolvimento. São poucos os livros, porém, que apresentam esse desenvolvimento de forma sucinta e didática, que permita que o leitor neófito possa fazer uma mapeamento da história da filosofia, compreendendo o que nela foi tratado, porém de uma forma rápida e simples.

Um destes é o “Manual Esquemático de História da Filosofia”, do Dr. Ives Gandra Martins Filho, publicado pela editora LTr. Nele, o autor cumpriu aquilo que está prometido no título: esquematizou a filosofia ocidental, dos pré-socráticos aos contemporâneos. Inclusive, há uma seção especialmente dedicada a filósofos brasileiros – o que torna o trabalho ainda mais interessante.

Por cada pensador que o autor passa, são apresentadas suas ideias principais, separadas com palavras-chave que indicam o que está sendo tratado. A interferência do Dr. Ives Gandra, como comentarista, é mínima, tendo ele meramente o cuidado de expor as ideias dos próprios filósofos.

Obviamente, que, se formos muito criteriosos, talvez identifiquemos algumas omissões e achemos que alguns pensadores ficaram de fora – não os principais, obviamente. Mas, de fato, seria impossível que estas omissões não existissem, se tratando de um livro que pretende fazer uma varredura de toda a história da filosofia do Ocidente. O que faltou, porém, não diminui em nada o seu valor.

Para os meus leitores, indico essa obra por ver nela uma ótima referência para quem quer ingressar no mundo da filosofia obtendo assim uma ideia geral do que ocorreu nela. Com o auxílio dos índices temáticos e alfabéticos que se encontram no final da publicação, podemos considerá-lo como daquelas que devem estar sempre à mão, para serem consultadas sempre que for preciso.

Eu Não Planejo Meus Estudos

Não costumo fazer planejamentos muito detalhados das minhas leituras. Apenas sigo alguma intuição e deixo os instintos me guiarem. Até aqui, tem dado certo. Porém, essa forma de tratar os estudos é aterrorizante para boa parte dos meus amigos.

Muitos deles costumam montar planos lineares, arquitetados logicamente e prevendo uma sequência perfeita, pela qual cada livro segue o outro como se, ao ser lido, tivesse cumprido perfeitamente seu papel, podendo ser posto na prateleira para se tornar então um mero objeto de consulta. Alguns desses amigos, pasmem, já sabem o que vão ler até o fim de suas vidas.

Pensando bem, essa previsibilidade infalível caracteriza uma baita pretensão. Acreditar que é possível fazer um planejamento de uma vida de leituras e cumpri-lo fielmente também pressupõe uma concepção do indivíduo, que o vê como um aglutinador de dados, capaz de abstrair completamente suas circunstâncias, praticamente, equiparando-o a uma máquina.

O problema é que esse tipo de sequência de estudos não entra em harmonia com uma vida humana real, que não obedece a crescimentos lineares, mas orgânicos; que não se desenvolve pelo simples e constante acréscimo de informações, mas segue uma dinâmica bastante mais complexa.

Na verdade, não somos como máquinas, mas seres orgânicos e espirituais. Isto faz com que nosso desenvolvimento, especialmente em seu aspecto intelectual, não obedeça a modelos simples de crescimento. Pelo contrário, o processo, como ele se dá, torna sua análise muito difícil, pois os elementos que o promovem são diversos e sutis. Se atingimos determinado estágio de maturidade, isso ocorre pela conjunção de tantos fatores, complexos e diversos, que são praticamente impossíveis de serem rastreados.

Por isso, um plano de estudos que queria acompanhar o processo de amadurecimento intelectual de uma pessoa precisa possuir maleabilidade suficiente para permitir se conciliar com as mudanças que nela ocorrem. Precisa estar aberto às releituras, às alterações de rotas, às mudanças de perspectivas causadas pela ampliação do imaginário e às próprias oscilações dos interesses e necessidades que as circunstâncias da vida apresentam.

Considerando tudo isso, a caoticidade acabou me prestando bem. Como faço as leituras de acordo com meus interesses do momento, minhas necessidades circunstanciais e minhas curiosidades contingenciais, tudo o que aprendi com elas foi se acoplando ao meu espírito de forma bastante natural. Li o que, acredito, precisou ser lido e fui preenchendo as lacunas conforme percebia a necessidade de suprir as faltas de entendimento dos temas específicos.

Comigo não aconteceu o que é muito comum com aqueles que planejam tudo: ler livros importantes na juventude, quando ainda não se é maduro o suficiente para absorvê-los da maneira devida, e nunca mais abri-los, por terem sido já superados na sequência planejada, desperdiçando o que uma nova leitura deles poderia proporcionar. Tenho o prazer de ler e reler obras em fases diversas da minha vida, o que, em cada uma delas, representa uma experiência diferente e um novo tipo de aprendizado.

Posso não ser uma pessoa muito organizada, nem disciplinada, mas, pelo menos, essa característica da minha personalidade não tem sido um entrave ao meu crescimento intelectual. Acredito que, até certo ponto, tem mesmo colaborado com ele.

A alegria por saber

Quando eu vejo a ânsia com que os jovens, nas discussões que acompanho nas redes sociais, disputam por quem é o mais inteligente, o maior conhecedor das coisas, sempre tão sisudos e levando-se tão a sério, eu penso o quanto eles estão perdendo, daquilo que estimam, o principal.

É que essa insolência intelectual arranca deles o melhor da vida de estudos: o prazer de ser como criança, puros e ingênuos, deixando com que a verdade lhes ensine, curiosos e empolgados, permitindo que o conhecimento lhes desperte a alegria do saber.

Quando o estudante começa a acreditar que é o sabichão, a felicidade de aprender se esvai. Quando o esforço por conhecer é motivado pelo desejo de mostrar-se mais inteligente que os outros, o que era para ser estimulante torna-se um peso irritante.

Estudar é apaixonante, mas para que seja assim é preciso manter-se humilde. Apenas a humildade permite com que o regozijo em aprender continue existindo. Só os humildes desfrutam do deslumbramento que as descobertas proporcionam.

Eterno estudante

De todas as minhas atividades, aquela que mais me define é a de estudante. Se um dia eu parar de estudar, é porque enlouqueci ou morri mesmo.

Eu digo isso porque conheço gente que acha que não precisa estudar mais; que tem um momento da vida que importa fazer, conquistar. Que os estudos se encaixam dentro de uma época, principalmente quando se é jovem. Eles seriam, então, parte de um período preparatório, mas dispensável no momento que o que importa são as realizações.

Então, seus estudos cessam-se. Na melhor das hipóteses, diminuem drasticamente. E,na mesma proporção que se envaidecem por suas conquistas, emburrecem-se. Quem já se deparou com empresários bem-sucedidos, mas ignorantes e com obtusos que alcançaram notoriedade sabe exatamente do que eu estou falando.

É preciso entender que nós, seres humanos, não somos – como nada na natureza – estáticos. Das células que compõem o nosso corpo aos conteúdos da nossa mente, estamos em constante movimento. Não temos assim o privilégio da manutenção. Isso quer dizer que se não evoluímos, necessariamente corrompemo-nos; se não crescemos, diminuímos.

A vida intelectual – que é espiritual, de toda maneira – não é diferente. Se paramos de adquirir conhecimento, isso não significa que nos manteremos com o mesmo nível de inteligência de antes. Pelo contrário, a inteligência que não é alimentada definha-se.

Às vezes, pensamos em nossa mente como um repositório de dados que, uma vez colocados ali, estarão para sempre disponíveis para serem acessados. No entanto, o processo é bem mais complicado. Há todo um dinamismo que envolve memória, conexões, raciocínio, simbolizações, referências e associações que torna incrivelmente complexo o processo mental. Sendo assim, ela precisa ser exercitada e alimentada constantemente. Pare de fazer isso e gradativamente sua mente irá perder suas capacidades, e mesmo aquilo que se sabe começa a ser perdido ou, pelo menos, vai ficando nebuloso.

Fora isso, existe o fato de que o conteúdo de informações disponível é muito mais abrangente do que qualquer mente individual consegue abarcar. Quando alguém abdica de continuar estudando, portanto, está abrindo mão da possibilídade de adquirir novos conhecimentos – que sempre existirão além daquilo que a pessoa já sabe. Isso pode representar uma mera resignação, uma simples desistência de conhecer mais. Mas pode ser algo bem pior: a ilusão de que o que conhece abarca quase tudo. E, neste caso, estamos diante da verdadeira estupidez, que é a ignorância em relação aquilo que não se sabe.

A verdade é que permanecer estudando não significa o adiamento de uma vida produtiva, nem uma confissão de despreparo – como algumas pessoas entendem – mas o reconhecimento que, se quisermos continuar evoluindo, precisamos manter alimentando nosso espírito. Como disse o químico francês, Michel Chevreul: “O homem deve considerar-se um estudante por toda a vida, uma vez que deve procurar, toda a vida, tornar-se mais capacitado e melhor”.

Ser um eterno estudante é reconhecer a essência da nossa natureza, a saber, algo dinâmico que precisa alimentar-se para continuar evoluindo.

Por essa razão, repito: de tudo o que sou, de tudo o que faço, nada me define melhor do que ser um estudante. Por isso, tenho certeza que morrerei assim: estudando.

Alargando as fronteiras intelectuais

Muito da energia gasta por estudiosos é para (1) justificar as próprias doutrinas e (2) destruir as doutrinas alheias.

Isso pode ser útil, em um sentido racional, pois ajuda a encontrar as melhores racionalizações para o que acreditam. No entanto, em um sentido humanístico mais amplo, é prejudicial.

É que o aprofundamento em qualquer matéria exige, contraintuitivamente, o alargamento das fronteiras intelectuais. Quanto mais quer-se compreender algo, mais aberto a contribuições estrangeiras deve-se estar.

Toda especialização é burra quando fecha-se em seus próprios preceitos. Só ao permitir ser invadida por conhecimentos externos é que robustece-se, podendo alimentar-se daquilo que nunca encontraria dentro de si mesma.

Amar para compreender

Estudar outras culturas, religiões e movimentos ideológicos não é uma tarefa simples. Há diversas dificuldades que se apresentam para compreendê-los profundamente. Por serem manifestações humanas, carregam em si mesmas contradições, instabilidades e conflitos que se apresentam sempre onde os homens estão.

E não sendo como as ciências exatas, que aceitam o observador frio e distante, as humanas exigem dele um envolvimento que vai muito além do olhar indiferente e sem empatia. Se quiser entendê-las, o estudioso precisa mergulhar, não apenas nos fatos e doutrinas, mas no imaginário e sentimentos daqueles que fizeram e fazem parte dos grupos investigados.

Em suma, de alguma maneira é preciso amá-los!

Se o amor é deixar-se absolver pelo outro, não tenho nenhuma dúvida que quem quiser compreender, da maneira mais profunda possível, a mentalidade de pessoas que pertencem a coletividades as quais ele mesmo não pertence, precisa permitir-se pensar como elas, sentir como elas, imaginar como elas. Precisa, enfim, amá-las!

Mas como é possível fazer isso quando se deparam com ideias tão diferentes e tão contrárias aquilo mesmo que acreditam?

O único jeito é buscar o que há de universal nessas culturas, pois mesmo os movimentos mais encarniçadamente ideológicos possuem, em seu cerne, algo que lhes dá, no mínimo, um sentido com o qual concordamos e está de acordo com nossa visão do mundo. Ainda que seja apenas uma farsa, ali está o motivo que mantém muitos na mentira e engana tantos. Seja a promessa de justiça social do marxismo ou o ensinamento de obediência irrestrita a Deus dos islâmicos, existem ali preceitos com os quais podemos nos identificar e neles está a chave que nos abrirá as portas para a compreensão mais profunda da mentalidade de seus membros.

Esse é um exercício difícil! Apenas pessoas bem resolvidas e seguras de si mesmas conseguem aplicá-lo. Os outros preferem fechar-se em seus castelos de certezas levianas, com suas metralhadoras apontadas contra todos que ousam se aproximar de suas fortalezas, atirando contra elas sem sequer levantar a cabeça. Fazem isso por uma boa causa, que é não contaminar-se. No entanto, tal atitude não lhes protege de um outro mal: a ignorância.

A universidade é mesmo necessária?

A universidade é mesmo necessária? É válido o sacrifício de deixar boa parte das próprias economias e muito do suor e energia para algo que promete abrir as portas do mundo inteiro, mas entrega muito menos até daquilo que seria sua obrigação?

Há tempos, ao menos no Brasil, a universidade deixou de ser o principal local de difusão do conhecimento. Aquela ideia da academia, onde se encontram os gênios e de onde sai a elite pensante de um país, se tornou apenas um símbolo, uma intenção, mas que já não representa, de maneira alguma, a realidade.

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A fidelidade à própria atividade

O pior inimigo para empreender uma vida intelectual séria são as preocupações mundanas. No entanto, no meu caso, que a vida intelectual está intrinsecamente ligada ao meu ganha-pão, é impossível se abster de preocupar-se como ganhar dinheiro, afinal, o sustento de minha família depende diretamente do que eu faço.

Nisso, eu preciso tomar muito cuidado para não cair em algo muito perigoso: que é o empreendimento intelectual visando, precipuamente, o ganho financeiro. Se eu fizer isso, posso até conseguir algum rendimento, mas, certamente, a obra, em si, estará prejudicada.

Quando eu falo que a atividade que escolhi para a minha vida era algo que estava identificado com minha própria personalidade é porque eu sabia que, nem sempre, ela me renderia os frutos financeiros desejados. E quando isso acontece, se eu estivesse visando principalmente o dinheiro, a tentação para corromper-me com um trabalho raso, mas com maiores chances de rentabilidade, seriam muito grandes.

Estando porém identificado com meu trabalho, de maneira que ele seja a extensão de mim mesmo, o reflexo de quem eu sou, ainda que, às vezes – confesso, seja tentado a entregar-me à lógica do mercado de oferecer menos, ganhando mais, não consigo ceder a isso, pois seria uma traição não apenas a quem recebe aquilo que faço, mas a mim mesmo.

Quem trabalha com aquilo que acredita suporta tudo!