Todo mundo que quer consertar o mundo se transforma em um tirano. Ao mesmo tempo, paradoxalmente, todo mundo que acredita que pode consertar o mundo não passa de uma criança inocente, desolada e perdida.
Na verdade, todos nós temos algo de inocente. Isso, em princípio, não é ruim. Para mantermos nossa sanidade, precisamos de alguma inocência, o que nos permite manter alguma fé e confiança no mundo.
No entanto, essa inocência começa a cobrar seu preço quando o inocente continua acreditando na ideia de mundo perfeito, mesmo quando a realidade joga na sua cara que o mundo não tem nada de perfeito – que ele não é um lugar naturalmente justo, nem equânime, nem fraterno e muito menos seguro.
Nesse momento, o inocente, afetado pela dissonância cognitiva provocada pelo confronto entre a realidade e sua crença, vai racionalizar os fatos. Não fará isso negando que o mundo onde vive é realmente injusto e inseguro, mas dizendo que isso ocorre por culpa exclusiva dos homens – principalmente dos outros homens.
Com essa racionalização, o inocente pode manter sua fé na perfeição natural do mundo, ao mesmo tempo que aponta os responsáveis por sua imperfeição atual.
A consequência óbvia dessa racionalização é a seguinte: se as pessoas são as culpadas pelo mundo não ser perfeito, então, para que se possa restabelecer a perfeição do mundo, é preciso mudar as pessoas. Mais ainda: se mudar as pessoas pode tornar o mundo perfeito, então, fazê-lo é um bem para a humanidade. E se mudar as pessoas é um bem para a humanidade, então está justificado inclusive o uso da força para isso.
É dessa lógica perversa que saem aquelas pessoas comuns que acreditam que, ao lançar-se sobre os outros, forçando-os a mudarem seus pensamentos e comportamento, estão cumprindo uma obrigação moral. Pessoas que começam a policiar as outras, a apontar o que consideram ser os erros delas e a julgá-las como responsáveis por tornar o mundo um lugar imperfeito. São essas pessoas que se tornam os pequenos tiranos – mas, é claro, tiranos do bem.
O mais interessante é que apesar de serem autoritárias, ao mesmo tempo são presas frágeis e indefesas diante do chamamento dos movimentos ideológicos. Isso porque a promessa que esses movimentos fazem da possibilidade de participação na construção de um paraíso na terra, soa, aos seus ouvidos, como um canto de sereia.
Não se deve esquecer que, por mais que essas pessoas se tornem tirânicas, a crença que elas possuem de que o mundo pode se tornar, por meio de uma evolução social, um lugar justo e harmonioso é uma mera racionalização. No caso delas, uma racionalização, típica de mentes imaturas, que se manifesta ante a sensação de insegurança e abandono que o confronto com uma realidade fria e inclemente lhes causa.
No fim das contas, esses pequenos tiranos do bem só querem se sentir amparados e seguros, acreditando que o mundo é como a casa de seus pais.