Há muito tempo, a essência da verdade cristã, ainda que permaneça, não tem encontrado voz, pois vê-se sufocada pelos gritos histéricos de todas as bandeiras que se levantam sobre suas palavras

A real força de uma fé religiosa se encontra em seus fundamentos. Não é por acaso que, apesar de toda oposição, o cristianismo permanece por dois milênios. Seus alicerces são firmes, e, mesmo diante da diversificação de manifestações exteriores, ele mantém-se o mesmo, em essência. Todavia, os próprios cristãos costumam não enxergar essa verdade. O que em todas as vertentes cristãs mais se observa é a imposição prioritária dos aspectos cristãos marginais presentes em seus próprios artigos de fé. Não é por menos, já que são estes que identificam cada uma delas. Diante disso, ser cristão torna-se um detalhe diante do fato de ser parte deste ou daquele movimento evangélico.

Tudo isso é, de alguma maneira, normal. São os aspectos diferenciadores que identificam uma vertente cristã. Todavia, uma vertente é fruto, sempre, de alguma discordância anterior. O calvinismo nasceu em discordância com o catolicismo, enquanto o arminianismo com o próprio calvinismo. O pentecostalismo nasceu por divergências com a visão protestante tradicional e os neo-pentecostais foram além de qualquer outra igreja evangélica. Em todas essas divisões, são os motivos divergentes que acabam sendo enfatizados, por serem eles que identificam a nova denominação. No entanto, apesar da normalidade desse fato, é exatamente essa ênfase que acaba distorcendo a realidade, o que, se não é o afastamento da verdade, no mínimo é um embaçamento da visão em relação à questão essencial.

As denominações são importantes e historicamente têm o papel de preservar a mensagem cristã. No entanto, quando o que se destaca nelas é o periférico, o próprio discurso cristão enfraquece. E não é à toa que a cristandade tem estado débil em suas convicções. Há séculos são os aspectos exteriores que têm sido mais ressaltados. A cruz é pregada, sim, mas não com a força com que são propagados outros caracteres menos importantes, como a doutrina denominacional, a tradição eclesiástica, a crença no sobrenatural, nos dons e mesmo as bênçãos a serem alcançadas em Deus. Veja, tudo isso é bom e correto, mas quando estas mesmas coisas são a prioridade do discurso da igreja, a verdade profunda se esmaece em uma confusão de ideias, às vezes até divergentes.

Há muito tempo, a essência da verdade cristã, ainda que permaneça, não tem encontrado voz, pois vê-se sufocada pelos gritos histéricos de todas as bandeiras que se levantam sobre suas palavras. Não que as denominações não sejam valorosas e até inevitáveis, mas se elas permanecerem gritando aos quatro cantos principalmente seus próprios artigos de fé, seus caracteres específicos e suas próprias virtudes, chegará o dia que do cristianismo essencial não sobrará quase nada para sustentar todas elas, e, por isso, acabarão por ruir, dobrando-se cada uma sobre suas próprias convicções.

Se hoje há um cristianismo que enfatiza o processo político-social, por exemplo, isso é consequência de um enfraquecimento daquela linguagem crua que se referia à verdade pura e simples. Por isso, se critico a Teologia da Missão Integral, é certo que o faço tendo em mente que quase todos seus ícones saíram dos bancos de denominações tradicionais. Me parece evidente que um cristão, antes e abraçar uma ideologia materialista, precisa passar por anos de mitigação da mensagem evangélica essencial. Se permanecessem nela, não trocariam sua superior realidade por uma promessa mundana qualquer.A verdade é que as vertentes cristãs não têm força para sustentar nada sem a mensagem fundamental do cristianismo. Por isso, se esta não for dita primeiro e com mais força, o futuro que aguarda as denominações é a míngua. Vide o enfraquecimento gradual e constante das igrejas tradicionais pelo mundo.

Os princípios cristãos são a base de tudo e, por isso, não podem ser desprezados. Enquanto as igrejas protestantes e evangélicas se identificarem mais pelo que são em suas especificidades do que como cristãs essencialmente, veremos abraça-las, cada vez mais, valores que não coadunam com a verdade do cristianismo.

Que voltem ao Evangelho, portanto, e voltem à verdade nua de Cristo ou verão seus templos se transformando em clubes noturnos, como já começou a acontecer por aí.