Nada me causa mais temor do que uma velhice desgovernada. A possibilidade de alcançar a idade derradeira e encontrar-me nela perdido, coberto de pendências oriundas dos períodos anteriores da vida, causa-me preocupação. A imagem de um velho que, em vez de experimentar o que é próprio da sua idade, está ainda a resolver o que deveria ter sido solucionado antes, me é aterrorizante. Parece um exagero esse temor, mas vejo tantos idosos desnorteados que, só de pensar na possibilidade de alcançar a idade deles da mesma maneira, sinto calafrios.
Causou-me o maior impacto e fortaleceu essa inquietação a visita de um amigo, de idade já avançada, que, sentando à minha frente, com sua fala mansa e cordata, com sua calvície apenas aliviada pelo ralos cabelos brancos que ainda lhe restavam acima da orelhas, sendo o tipo de pessoa de quem nada se desconfia e que presume-se viva o gozo próprio de sua idade, tinha a paz, que sua postura e tom de voz emanavam, contraditada por seu olhar fugidio e sem brilho e pelas lamentações que denunciavam uma alma exausta. Estava ali um homem que perdeu a sua vida, apesar de ainda ter de carregá-la nas costas. Suas pendências financeiras, seus relacionamentos mal resolvidos, seus sonhos abandonados, sua falta de perspectiva e, principalmente, a completa incompreensão do sentido da sua existência eram um peso invisível sobre ele.
Como meu amigo, muitos idosos chegam à última idade como que levados por um furacão. A velhice, que lhes deveria ser o ápice de uma vida de desenvolvimento mental e espiritual, acaba se tornando apenas um fardo. Seguem com os mesmos problemas e as mesmas responsabilidades de antes, mas sem o vigor próprio da juventude. Assim, são tolhidos de experimentar o que lhes é próprio: a contemplação da existência, a presença nela não mais como atores, mas como observadores.
Quando eu for velho, espero poder viver como velho. Não quero ter de me preocupar mais com os problemas comezinhos do cotidiano. Não quero ter de murmurar pelos montes de questões mal resolvidas, nem ter de cuidar das mesmas coisas que me incomodaram durante toda a vida. Na minha senectude, quero poder, simplesmente, concentrar-me em fazer aquilo que realmente importa: observar a vida como quem a olha de fora, como um analista sábio e crítico que não precisa mais se enveredar pelos meandros das disputas humanas, apesar de ainda poder ajudar aqueles que nelas ainda se encontram.