A censura, hoje em dia, é velada e, ao mesmo tempo, ampla. Houve épocas que o próprio Estado praticava-a. Porém, os termos eram mais bem definidos. Não havia a defesa de uma verdade absoluta, como se faz agora, mas de um regime. Era como se o governo dissesse claramente: “nós acreditamos que certas ideias são nocivas à sociedade porque representam uma ideologia que quer derrubar o sistema presente. Por isso, vamos proibir que se faça qualquer tipo de propaganda, explícita ou não, a favor dessa ideologia”. Os termos estavam postos e eram exatamente conhecidos. E por trás dela não havia a pretensão de uma verdade inegável, apenas a defesa de um regime político mesmo. Pode parecer uma censura menos justificável, mas certamente era menos hipócrita.

O que ocorre atualmente é diferente. Expressões, opiniões e ideias estão sendo previamente impedidas de circular. Quem se arrisca, está sujeito às sanções, como banimento dos veículos de comunicação, impedimento de faturamento e, em alguns casos, até uma conversinha com o delegado federal. Alguns, aqui no Brasil, acabaram inclusive presos.

Qual a diferença, porém, dos princípios que sustentam os censores da atualidade em relação aqueles que estavam ligados a determinados regimes políticos? A censura de agora é baseada na suposta defesa de verdades que se apresentam como indiscutíveis. Não se alega o combate contra uma ideologia nem a proteção de um sistema de governo, diz-se simplesmente que os censurados mentem. A defesa da verdade é o motivo da censura. Porém, que verdade é essa que não suporta a contradição?

Por mais incrível que pareça, os censores dizem defender a verdade científica, aquela mesma que só pode ser alcançada após intensos debates e que sequer se pretende no direito de pronunciar-se dessa maneira, pois faz parte da sua natureza estar sempre aberta para a apresentação de dados contraditórios.

Estamos, então, diante do pior tipo de absolutismo. A censura praticada tem sido pior até do que aquela baseada na religião, a qual, pelo menos, possuía claramente delineada a doutrina defendida. Além do que, era uma doutrina explicitamente defendida mesmo por aqueles que eram censurados. A censura era como que uma correção a um grupo que acreditava na mesma coisa que seus censuradores. O objetivo era evitar a cisão, a heresia.

No mundo de hoje, por tratar-se de um mundo plural, isso não tem mais nenhum sentido. Não existem mais crenças comuns, nem doutrinas universais que suportem o banimento de heréticos. Independentemente do quanto isso é positivo ou negativo, cada pessoa, teoricamente, tem o direito de acreditar no que bem entende, falar sobre o que bem entende e até divulgar essas suas convicções, sem que isso devesse lhe causar qualquer tipo de prejuízo.

No entanto, já não são mais doutrinas, nem teses, nem ideias que sustentam a censura, mas a simples defesa da verdade, a qual ninguém sabe quem a definiu e nem de onde surgiu. Simplesmente, uma dita verdade é lançada na cara de todo mundo que, mesmo sem ter qualquer relação com ela, é forçada a engoli-la.

Isso é bem estranho, pois como se pode falar de uma verdade imposta em uma sociedade que cultiva o pluralismo e o relativismo? Parece claro que isso tudo não passa de um pretexto para defesa de outros interesses muito mais mesquinhos.

O fato é que quando uma verdade está de antemão definida, a ponto de sequer poder levantar-se qualquer tipo de objeção contra ela, sob pena de sofrer as mais duras penas, significa que a sociedade alcançou um estágio de totalitarismo inimaginável até para as épocas de governos ditatoriais. Isso porque nestes, pelo menos, os motivos do censor eram evidentes, enquanto, agora, são ocultos.

Vivemos um período contraditório e perigoso. Enquanto parece que praticamente não existem mais ideologias, nem doutrinas que possam ser usadas para cercear a liberdade das pessoas, a criatividade humana foi mais longe e sequestrou a própria verdade para fazer isso. Por mais que seja uma verdade que ninguém sabe dizer por quem foi definida, ela está lá, firme e inabalável, ajudando a calar aqueles que dizem também querer revelá-la.

A verdade só se insinua onde a razão caminha livre. Essa que estão dizendo defender não pode ser a verdade, mas um simulacro, uma falsária que, mantendo a verdadeira encarcerada, toma seu lugar, porém, sem as sutilezas e complexidades da original, mas com rigidez, intransigência e brutalidade.